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As Implicações do Suicídio no Seguro de Vida e Acidentes Pessoais

A legislação hodierna, de certa forma, harmonizou o dissenso existente entre os juristas no concernente às implicações do suicídio nos contratos de seguro de vida e acidentes pessoais, mas infelizmente acabou causando o estremecimento dos alicerces ético-morais que deveriam arrimar a conduta humana. Ao mesmo tempo em que conseguiu dirimir a maioria das dúvidas de cunho técnico-jurídico que envolviam o tema, permitiu, quiçá involuntariamente, fosse o suicídio elevado à categoria de alternativa por parte do segurado.

Inicialmente, busquemos entender com mais propriedade a natureza dessa espécie de aniquilação da vida humana.

Suicídio, do latim sui caedere (matar-se), é o ato intencional de pôr fim à própria vida. Pode resultar de vários fatores, dentre eles, um grau elevado de sofrimento real ou meramente afetivo, ou transtornos de caráter psiquiátrico - psicose aguda ou depressão. Obviamente, o uso contínuo de drogas ou álcool reforçam sobremaneira a probabilidade de sua ocorrência.

Interpretado diversamente por diferentes culturas, talvez a mais peculiar seja o seppuku ou harakiri, ritual suicida samurai que consistia em cortar a própria barriga, de um lado ao outro, expondo as vísceras, como ônus por ter cometido alguma desonra. Observe-se que tal ato é considerado sublime pelo Bushido, o Código dos Guerreiros Samurais. Em razão desse comportamento e do fato de que geralmente as ações suicidas são documentadas por bilhetes deixados pela própria vítima, podemos lastrear nossa posição de que se trata de um ato, de certa forma, premeditado.

Defrontando a temática aqui apresentada com os contratos de seguro de vida e acidentes pessoais, vislumbramos dois momentos ainda muito próximos: anterior a 2002/2003 e posterior a 2003, com a entrada em vigor do Novo Código Civil.

Antes da vigência do Novo Código Civil (2003), as apólices de seguro de vida, principalmente no concernente ao seguro de acidentes pessoais, traziam a exclusão expressa de cobertura em caso de suicídio ou tentativa, voluntária ou involuntária, do segurado. A controvérsia existente acabou gerando o pronunciamento oficial, tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto do Supremo Tribunal Federal, por meio da edição das súmulas 61 e 105, respectivamente, as quais não eximiam o segurador do pagamento do seguro em caso de suicídio do segurado.

O debate pacificou-se com a Nova Lei Civil, em razão do disposto no artigo 798:

Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado.

A conclusão é óbvia: instituiu-se um período de carência, durante o qual a morte por suicídio ou a tentativa, desobrigaria o segurador do pagamento do seguro. Após esse prazo, a seguradora seria obrigada a saldar o respectivo valor ao beneficiário, restando nulas quaisquer cláusulas impositivas de exclusão do pagamento do capital por suicídio do segurado.

Esse entendimento por parte do legislador sobreveio, de certa forma, para conciliar-se com o Código de Defesa do Consumidor, pelo qual o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor tornou evidente o protecionismo no sentido de facilitar a sua defesa. Negar o pagamento do seguro ao beneficiário em razão do suicídio do segurado, fatalmente levaria a questão aos Tribunais. Pacificado o conflito com o Novo Código, tornou-se indiscutível o pagamento do seguro depois de vencida a carência, restando apenas as discussões com respeito ao segurado que pratica o suicídio com a intenção de arrimar financeiramente o beneficiário.

Num primeiro momento, apresentadas as considerações acima, temos a impressão de que estariam resolvidas as pendências legais a respeito do suicídio e dos contratos de seguro de vida. Enganam-se aqueles que assim concluem. O problema segue muito mais além.

A norma jurídica, seja ela atinente à qualquer área do Direito, não traz em seu bojo apenas o imperativo legal. Como se trata de preceito coativo, de força coercitiva, deve ser respaldada não somente em princípios técnico-legislativos, mas também em ensinamentos de ordem ética e moral. Conseqüentemente, não servirá a norma de mera panóplia contra a desordem, mas sim, à tradução dos próprios anseios sociais, em razão de ter sido gerada de valores inerentes à própria sociedade.

No caso em testilha, tendo o suicídio sido acolhido como evento coberto pelo seguro de vida e acidentes pessoais, nada mais fez a lei do que induzi-lo ou instigá-lo, mesmo que subliminarmente.

Basta que suscitemos a hipótese do segurado em estado de grave depressão, vendo-se em situação de plena insolvência, cuja família passa por terríveis percalços financeiros. As circunstâncias fáticas e psicológicas que o assolam já são motivos bastante para o suicídio. Ademais, depara-se o potencial suicida com a norma supra dixit, a qual estabelece, vencida a carência, o pagamento do seguro aos beneficiários do suicida. O que fez o legislador, senão dar o empurrão que faltava em direção ao precipício!

Olvidou o Legislativo princípios psicológicos básicos que regem a conduta humana - por exemplo, a teoria do reforço. O indivíduo cuja alma encontra-se fragilizada, prestes a desaguar em alguma grave psicopatologia, ou então, em atitude suicida, vê-se diante de uma ingrata solução promovida pela lei - matar-se significa a salvação de sua família; se vivo em nada contribuiu para o seu progresso, em morte a livrará do seu calvário!

Dessa forma, tendo o Judiciário instado em sumular a obrigatoriedade do pagamento do seguro em tais situações e o Legislativo assentido, consolidando a norma ora combatida, deverão os operadores do Direito continuar debatendo-se contra o dispositivo, rogando sejam, antes da positivação de qualquer preceito, respeitados os princípios éticos e morais que norteiam a estrutura de nossa sociedade. Se ainda assim não conseguir o Legislador despir-se de sua ânsia populista, que preze, pelo menos, pelo bom senso!

Não bastasse isso, quando da confecção do mencionado dispositivo, entendeu-se que o ato suicida era ato involuntário - dessa forma, acidental. Ora, seguindo esse perigoso raciocino, a aceitação da teoria da morte involuntária poderia ensejar entendimento pela possibilidade do recebimento de dupla indenização, o que seria um dissenso.
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Atualizado em: Sáb 29 Nov 2008

Comentários  

#2 Abreu 22-08-2010 09:36
Bem assimilado...
#1 Abreu 22-08-2010 09:36
Bem assimilado...

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