person_outline



search

crimes,

  • A Carta Gelada

    Às oito e meia da noite, em um sábado, eu estava sentado no sofá, assistindo a um filme, e com um tigela de cereal ao leite sobreposta ao meu colo. O estado de profunda concentração me pungia naquele momento, e meus olhos acompanhava inflexivelmente os movimentos surreais de um serial killer prestes a desligar mais uma vida. Nesse momento, eu ouço um batuque que não fora oriundo da TV, e que aos poucos se repetia ritmadamente. Após alguns segundos guiando a minha audição, percebo que era alguém batendo na minha porta. Confesso que senti um arrepio nas espinhas, e que quando percebi do que se tratava, acabei derrubando a tigela e molhando o tapete. Desdenhei o meu deslize e fui apressadamente até a porta. Receoso em falar algo, olhei pelo olho-mágico, só que esse estava quebrado. Não encontrei palavras no momento, e minha tensão estava aumentando feneticamente. O batuque não parava de se repetir. E eu resolvi interrogar: 
    —Quem é ? 
    O barulho cessou, e o silêncio reinou. Senti um choque profundo, um sensação de taquicardia apertada, um gosto de sangue. Era a sensação de temor misturada com perplexidade. Eu resolvi, perguntar novamente: 
    — Quem é que está aí? 
    E nada a não ser o grito melancólico do silêncio, um som abafado e chiado ao meu ouvi. Neste momento, inquirições estavam se chocando contra minha pisque. Quem será que está uma hora dessa batucando a minha porta? Se fosse algum conhecido, certamente, me ligaria ou então, falaria. Posto isso, resolvi dar de ombros, aliviando a minha mente com a ideia de alguém ter errado de localidade devido à embriaguez ou algo do tipo. 
    Fui até a geladeira, pensei em pegar um suco, mas achei melhor uma cerveja para aliviar a tensão. O chão da sala estava todo lambuzado, e minha janta já não me pertencia mais. Perdi a fome, por mais que o fastidioso despejamento de adrenalina no meu sangue tivesse gastado energia, o medo incutido momentaneamente perfez-me a omitir o desejo por comida. Eu não tive a menor intensão de limpar a sujeira. Perdi a vontade de terminar o filme. Na verdade, não perdi a vontade, apenas, cenas de suspense e insanidades são iriam acalmar meus ânimos. 
    Liguei o toca disco, coloquei uma música animada, repousei meus ossos sobre o sofá e, assim, resolvi abrir a cerveja. 
    —TOC. TOC. TOC... 
    O batuque voltou e desta vez mais agressivo. Nem sequer abri a cerveja. Tive um susto mais avassalador do que antes. E desta vez, senti que algo ruim iria acontecer. Preconizei-me a ligar para polícia. Pedi urgência na ocorrência, e fui aconselhado de evitar ficar perto da porta. Subi apressadamente às escadas e, assim sendo, resolvi me trancar no quarto, e ocupar-me a atentar aos batuques. Cada batuque, cada segundo, estava exaurindo a minha sanidade. Eu não estava aguentando mais. Era uma pressão aterradoramente cruel. Estava com a visão vertiginosa, e uma tontura me eivou. Senti calafrios. Não era mais nervosismo, era o medo que me possuíra. Eu escutei um estrondo, e ademais, seguiu-se apenas o som da música de vinil que tocava lá em baixo. Presumi que entraram na casa. Não sabia o que fazer. Pensei que era melhor pular da janela. Forcejei sem resultados, a embotada ferragem, que impedia a minha fuga. Maldita hora em que troquei o ar fresco pelo ar condicionado. 
    Passei um tempo, procurando algo para quebrar a janela. Nada. Essa palavra resumiu meus esforços. Peguei meu sapato, e agredi impiedosamente a janela, e essa parecia rir da minha cara. Nem um arranhão. Foi quando eu tomei a decisão mais tresloucada da minha vida: choquei-me com toda a angústia e frustração do momento contra a estorva. Uma certeza eu tinha: ou eu acabo com ela, ou ela me acaba. Contudo, sai vitorioso entre aspas, pois, embora eu tivesse fragmentado o vidro em imensuráveis cacos, os cacos dilaceram-me em cortes excruciantes. E ainda, uma queda do primeiro andar me fez sentir como a gravidade me ama. 
    Quando eu caí lá fora, me escondi em umas árvores. A penumbra dava arrepios. A única luz que tinha era a luz de um poste próximo a minha casa. Eu estava às espreitas tentando vislumbrar quem batia na minha porta. Ninguém? fiquei sem entender. Ninguém estava batendo na minha porta. Eu me levantei e fiquei surpreso. Circundei a minha visão em trezentos e sessenta graus e não avistei nada. Apenas uma coruja crocitava em um rododendro ao lado da minha casa. Senti uma gélida friagem acariciando a minha face. Resolvi sair dos arbustos e encaminhar até minha casa. Por garantia resolvi caminhar em derredor a casa para se certificar de que ninguém além de mim estava ali. Quando fui até a porta, eu me perguntei: cadê a chave? Realmente me lasquei. Pensei em forcejar a porta. E nada. A porta por mais velha que fosse, era bastante resistente. Tentei subir pela fachada na frente. Só que não obtive sucesso. Quando retornei a pontapear a porta, a polícia acaba de chegar. Eu pensei, até que fim. A polícia mandou eu colocar a mão na cabeça. Eu clamei dizendo eu sou o dono da casa. Não sou criminoso! Os agentes insistiram com a arma apontada. Eu disse eu me recuso a ser preso. Levei um choque e acabei sendo prezo. 
    No caminho até a delegacia, eu expliquei todo o ocorrido e eles não comentaram nada. Na delegacia, fui questionado várias vezes. Estava exausto, abatido, machucado e, dessa vez, faminto. Contei até onde pude. Disse que foi um tremendo engano. E no dia seguinte fui liberado, realmente constava no sistema o meu nome como proprietário. 
    Caminhei desconsoladamente, fixando meu olhar no chão. Mergulhei num estado de profunda introspecção. Estava com raiva e deveras frustrado. Pensei, será que sou doido? Será que estou vendo coisas? Essas reflexões infindáveis foram vertidas em remorso ao ver a porta da minha casa aberta. Roubaram minha televisão, meu toca disco, minhas cervejas, vários pertences. E eu estava fumegando de raiva. Não só tinha perdido a noite, como também várias coisas; até a minha dignidade. 
    Tentei acalmar meus ânimos. Esforço em vão. Então achei melhor arrumar a bagunça, pois só o tempo iria mudar meu humor. Vasculhei na geladeira algo para comer e, misteriosamente, encontrei uma carta dentro do congelador. Estava petrificada, parecia que estava ali a muito tempo. Caramba, que maneira fria de me entregar uma carta. Abri a carta, e tive a maior surpresa da minha vida: 
    "Feliz aniversário." 
    Era o que estava escrito. Foi quando eu me dei conta de que era o dia do meu aniversário. Um dia que começava bastante angustiante. E essa carta só me trouxe raiva. Que se dane o aniversário. Estava muito mais preocupado com minhas coisas perdidas do que com essa carta infame. 
    À tarde, comemorei meu aniversário comendo um sanduíche com suco, e depois, fiquei sem fazer nada. Sem TV, sem música, sem cerveja, e, acima de tudo, com as feridas latejando. Sem dúvidas, o pior aniversário da minha vida. Às seis horas da noite, estava quase dormindo, quando alguém bate em minha porta. Eu me levantei exasperado e fui até a cozinha, peguei uma faca e um bastão de massas, e resolvi abrir a porta sem delongas. Tive um grande choque. Quem batia na minha porta não era criminoso, nem era ladrão. Era simplesmente um bêbado que errou de casa e me pediu desculpas. Não sabia se ria ou se chorava. 
    No dia seguinte, às noves da manhã, decidi ir ao mercado. Quando abri a porta para sair, e ia saindo, acabei pisando em alguma coisa. Foi então que vi que era uma flor, só que abaixo dela tinha uma carta. Olhei de um lado para o outro, não avistei ninguém. Peguei a flor e a cheirei. Que aroma inigualável. Olhei a carta, muito velha a princípio, e a abri. Li recitando-a em voz alta. 
    Meu Deus! Comecei a chorar e não acreditei no que via e no que escutava. Senti um arrepio profundo. A carta datava 4 anos atrás e dizia: 
    " Hoje, meu filho, é o dia em que você completa mais um ano de vida e eu quero lhe dizer que mesmo antes de você nascer eu já o amava. Quando você nasceu foi uma alegria imensa, tanto para mim como para todos os que o rodeavam. Você cresceu, e se tornou este grande homem que és. Nunca deixe que os problemas da vida afetem seu vigor. Viva a vida. Seja feliz! E nunca se esqueça da sua mãe. Venha me visitar quando puder. Eu estou com saudades. 
    Te amo filho. 
    Da sua Mãe, Regina! 
    09/11/1984 " 
    Eu fiquei muito perplexo. Minha mãe morreu exatamente a quatro anos atrás. E esta carta estava datada no dia do meu aniversário. Quem será que me enviou esta carta? Pensei que foi o correio que tinha enviado em virtude de atrasos. Mas que atraso! 
    Fui até o correio procurar saber se entregaram algum lote de cartas extraviadas ou algo do tipo. A minha busca confirmou a minha hipótese. Realmente teve um lote fora extraviado a muito tempo. Depois de anos de investigação e processos judiciais, o correio teve que reentregar o máximo possível do lote. Eu fiquei extasiado. Quanta consciência! Ainda estava com dúvidas, se realmente foi o correio que me enviou ou foi outra pessoa que me enviara. Talvez alguém da família. Mas que família? Não tive contato a anos, embora soubesse algumas localidades. Eu acho que ninguém iria ligar para o meu aniversário. Mas e a flor? como foi parar lá? 
    Alguns questionamentos foram levados fixamente durante o percurso de volta a casa. Quando eu cheguei, pela primeira vez, vi uma coisa tão obvia, que de tão obvia acabava não sendo vista. Ao lado da porta tinha uma roseira florida e que nunca me dei conta de apreciar a sua beleza. E assim deduzi que provavelmente a carta, pelo fato de não ter caixa de correio, até porque nunca precisei, fora colocada por baixo da minha porta, e logo, o vento poderia ter puxado a carta para baixo e, inusitadamente, derrubado uma flor da roseira. Que vento! Uma explicação racional mas com pitadas surreais. Ironia do destino ou obra do acaso? Fiquei muito intrigado, até porque, quem colocara aquela outra carta no congelador. Talvez em um aniversário atrás, eu estivesse recebido uma carta e em virtude de embriaguez ou cansaço, acabei fazendo algo sem consciência do ato. Mas tudo como se desmembrou foi algo inacreditável para mim. E, portanto, pesou profundamente nos conselhos que minha mãe me deu. Decidi reavaliar meus atos. Prestar mais atenção nas coisas simples. 
    Eu vivia uma ironia curiosa, quanto mais detestava a vida, mais temia a morte. Desde que eu perdi minha mãe, solidão foi sempre companheira. Eu estava em uma ilusão profunda. Eu via o dia e não a luz sol. Eu via a noite e não o luar. Eu via a terra, mas não via as flores. Eu via os frutos, mas não via os sabores. 
    Pode não ter sido o melhor aniversário que tive, mas sem dúvidas será o aniversário mais inescurecível. Eu sempre fui medíocre, conformista e sem virtudes. Sempre receei a loucura. Mas estava muito enganado, ser louco é uma virtude que poucos alcançam e muitos temem. Decidi então, viver como ninguém viveu, sonhar como ninguém sonhou, ser o que ninguém foi: simplesmente, ser alguém original.
  • A Extinção dos Gatos

    Três gatos morreram e fizeram a tristeza de uma família se juntar à tristeza de milhões de pessoas no mundo que passavam pelo mesmo. Os gatos estavam morrendo por uma doença misteriosa, transmitida pelo ar e que aparentemente os matava sem muita dor, os deixando tontos e cambaleantes por alguns poucos minutos, terminando com um súbito e fatal desmaio. Mas a família ainda sentia muita dor mesmo após semanas em que os três se foram.
    Obviamente os cientistas estavam interessados em achar alguma cura ou vacina já que isso também significava milhões em lucros, mas muitos não demonstravam muito otimismo com a velocidade que a doença se espalhava e o tempo necessário para as pesquisas. Enquanto isso, há cada vez mais relatos de coisas sobrenaturais acontecendo. Aqueles mais ligados ao mundo sobrenatural afirmam que os gatos são guardiões do submundo e por isso esses eventos estão acontecendo. Já os mais céticos falam que tudo isso não passa de um monte de desocupados que espalham desinformação para sustentar uma teoria da conspiração.
    Nicolas, que acabou de perder os seus três gatos, era um dos céticos, enquanto os seus pais eram crentes no sobrenatural. Eles moravam há mais de duas gerações em uma fazenda a uns dez quilômetros de estrada de chão da cidade mais próxima. Quando criança, Nicolas brincava nas árvores que seus avós plantaram em suas infâncias e desde cedo aprendeu os trabalhos na roça, além do respeito aos animais. Cada bicho tinha uma função, seja prática ou espiritual, e por isso tinham que ter a constante presença de todos eles. Por mais difícil que fosse, os gatos tinham que ser substituídos assim que partiram deste plano, então os pais de Nicolas fizeram uma viagem até a cidade para adotar uns gatos de sua tia, castrá-los e comprar alguns suprimentos pra casa. Pela primeira vez, Nicolas ficaria alguns dias totalmente sozinho e seria o responsável por manter toda a plantação e animais vivos. Mas é claro que, depois de acompanhar o seu pai todos os dias por mais de 8 anos, não seria uma tarefa muito difícil. A rotina já estava bem definida há anos e só mudava quando um novo equipamento chegava, então sabia que tinha que acordar bem cedo e ficar alternando entre cuidar dos animais e da plantação. Era algo bem cansativo e até chato em alguns pontos, mas necessário se quisesse sobreviver.
    O lado bom é que quando chegava a noite estava tão cansado que só queria esquentar a janta, que não passava das sobras do almoço, e deitar. O cansaço era tanto que sempre se recusava a acender a luz da cozinha para lavar o seu prato, usando a pouca claridade da sala em suas costas como guia. Assim que levantou a cabeça para abrir a torneira, viu uma sombra humana se formar na parede e se aproximar de suas costas até que não houvesse mais luz e a parede estivesse completamente preta. A sua respiração parou momentaneamente, a barriga se contraiu e os olhos vidrados se esforçaram ao máximo para piscar. Assim que piscou, tudo estava como antes e a luz da sala continuava a iluminar fracamente a cozinha. Nesse instante, soltou de uma vez só todo ar que tinha segurado e respirou fundo algumas dezenas de vezes para se acalmar enquanto a água escorria na sua frente. O seu lado racional tentava convencer o emocional de que tudo não passava da obra do cansaço, afinal não estava acostumado a fazer todo o trabalho sozinho. E, mesmo que não fosse cansaço, não tinha outra alternativa a não ser tentar descansar já que o próximo dia estava perto de começar.
    Como sabia que não ia conseguir simplesmente tirar isso da cabeça e dormir, decidiu deitar no sofá, colocar os fones de ouvido e esperar o sono o pegar desprevenido. É estranho como não se percebe a transição entre estar acordado e dormindo. Sem nem lembrar em qual parte da música dormiu ou até mesmo qual era a música, Nicolas foi para o mundo dos sonhos e se distanciou completamente de sua realidade. Pelo menos até abrir os olhos e perceber que não conseguia mexer nem sequer um dedo. O medo que sentia era perceptível em sua breve respiração e que foi ficando mais curta ao perceber pela sua visão periférica que uma sombra vinha se aproximando. Quando ficou de frente pra ele, percebeu pelo corpo que era um homem alto, mas bem franzino e com uma aparência de que tinha sofrido muito. O corpo todo do homem parecia envolto de uma sombra a não ser pelo chapéu que uma vez já tinha sido bege, mas agora estava preto de tão sujo. Aquele homem sombra ficou encarando Nicolas por alguns segundos, parecendo saborear o medo que ele sentia e que transparecia pelo seu suor, lágrimas e respiração. Nicolas tentava falar, gritar e implorar, mas não conseguia abrir seus lábios. Enquanto batalhava contra o seu corpo, o homem sombra avançou pra cima dele e começou a sufocá-lo com uma força incompatível com o corpo que apresentava. A respiração curta de Nicolas tinha ficado inexistente. No desespero da busca pelo ar, piscou o olho, caiu no chão e começou a tossir. Por alguns minutos ficou olhando de relance para todos os lados tentando achar o homem sombra enquanto revezava entre respirar e tossir. O medo ainda estava em seus olhos e só queria fugir, mas os seus pais haviam levado o único carro que tinha na propriedade. Então, ignorando o cansaço, decidiu andar até a propriedade vizinha a uns três quilômetros e pedir o carro deles emprestado.
    Ele queria e tentava se convencer de que tudo tinha uma explicação. Já tinha tido uma vez paralisia do sono e talvez fosse só isso, embora ela não explicasse a marca vermelha de dedos em seu pescoço. Mas mesmo que de algum modo conseguisse uma explicação racional para tudo isso, não iria adiantar. O medo que sentia era muito grande e, por mais que quisesse, não poderia ignorar isso. Então pegou uma lanterna, a identidade e um pouco de dinheiro, trancou a porta e fugiu em plena escuridão.
    A lanterna ia da direita para esquerda e da esquerda para a direita em uma meia lua interminável, indo ocasionalmente para trás para ver se não havia nada lá. A vista das estrelas já começava a acalmá-lo nesse longo caminho, o que era bom. Já havia pensado na desculpa que usaria com os seus vizinhos: uma pessoa invadiu a casa e o agrediu, mas conseguiu fazer com que ele sumisse. Como tinha medo que ele voltasse sozinho ou acompanhado, queria passar a noite na cidade. Não era a verdade, mas também não era uma mentira. Com tudo isso planejado, podia continuar admirando as estrelas e afastando a imagem do homem sombra de seus pensamentos.
    Tinha acabado de direcionar a lanterna para trás, visto que não tinha nada lá e voltado a mirá-la para a frente quando sentiu um enorme impacto em sua perna esquerda que o fez cair e soltar diversos xingamentos. A dor parecia sair de seu joelho e ir ardendo até a sua mente. Quando olhou para o chão, viu uma pedra do tamanho de um melão banhada em sangue. Tentou se levantar, mas a dor não permitia que o seu joelho sustentasse o seu corpo.
    Devia faltar mais uns quinhentos metros até a casa vizinha, então, como não tinha outra escolha, decidiu começar a se arrastar. Logo depois dos primeiros centímetros percorridos, sentiu uma forte puxada em sua perna machucada que levou a uma nova irradiação de dor. Embora tentasse, não conseguia gritar e, por mais que se esforçasse, só soltava uns grunhidos baixos. Quando começava a se acostumar com a dor, olhou para a frente e viu o chapéu na sombra de um homem. Não conseguiu encarar por muito tempo, pois, cada vez que a dor ficava um pouco mais tolerável, ele puxava com força para dar um tranco na perna e irradiar mais dor para o corpo. Sabia que estava sendo levado de volta para a sua casa. Tentava piscar e se debater para escapar, mas o homem sombra era muito forte.
    A família de Nicolas chegou dois dias depois dessa noite com seis filhotes de gatos, bastante comida e fertilizante. A mancha de sangue na estrada já se confundia com o vermelho do barro e nem foi percebido pelos seus pais. E mesmo que percebessem, provavelmente acreditariam que algum animal tinha caçado e arrastado a carcaça de sua presa. Não estariam certos, mas também não estariam errados. Chegando em sua casa, viram o corpo de Nicolas empalado com o suporte de uma antena e deixado com os braços abertos como se fosse um espantalho bem na escada que dava acesso a porta principal da casa.
    A polícia investigou o caso que teve uma repercussão nacional, mas nunca chegaram a algum suspeito. Segundo os legistas, Nicolas foi empalado vivo, morrendo lentamente de hemorragia enquanto a antena ia atravessando os seus órgãos até chegar ao seu estômago, o fazendo engasgar lentamente com o seu próprio sangue. Mesmo demorando horas para morrer, pela distância entre as propriedades ninguém deve ter conseguido ouvir os seus gritos de dor. Já os seus pais nunca souberam o que o atormentou já que se mudaram antes dos seus novos gatos morrerem pela doença.
  • A festa

    Eu nunca fui de beber.
    Comecei há pouco tempo, evito ao máximo. Quando faço não me embebedo.
    Minha visão sobre isso torna o ser humano um idiota. Fazemos coisas que sabemos que podem nos matar. 
    Vejo um rapaz sair da festa cambaleando, e entrando no carro.
    Por sorte ele irá bater num poste sem machucar outras pessoas, morrerá sozinho, com a consciência limpa. Se tiver sorte.
    - Que coisa horrível de dizer Otto — Ela diz.
    Sorrio e bebo meu uísque.
    Não lembro como a conversa foi chegar naquele ponto. Ela gostava de falar.
    Um jeito tagarela.
    Havia a conhecido há umas duas festas anteriores. Numa sexta, ou quinta. Não me lembro.
    É sábado à noite, estou cansado, mas é dia de festa. Pessoas bebendo, se divertindo e esquecendo dos problemas da rotina corrida.
    Nessa casa há tantas pessoas. Todas conversavam e riam, algumas pulavam na piscina, outras espalhadas pelos cômodos do primeiro andar da casa. Uma bela casa. Ótima para festas.
    Havia todos os tipos de pessoas naquela casa, todas de diferentes classes sociais, diferentes etnias e raças. 
    Todas reunidas para conhecer pessoas novas, rever as velhas, socializar ou apenas conseguir uma transa.
    Ela estava sentada em uma cadeira verde junto de suas amigas, quando cheguei. Acenou e sorriu.
    Usava um maio vermelho com bolinhas brancas e uma toalha roxa envolta do pescoço, segura um copo de cerveja com a mão esquerda e gesticula com a mão direita enquanto fala, suas unhas estão com um esmalte vermelho sangue.
    Algo que sempre achei muito sexy.
    O seu cabelo preto esta preso num coque molhado que se desfaz a todo instante, ela me olha, continua rindo, mostra a língua e volta a conversar.
    Minutos depois, estamos parados encostados na parede próxima à porta de entrada. Porta de vidro, entrada para a cozinha.
    Não lembro seu nome.
    Mirela.
    Melissa.
    Milena.
    Todos as chamavam de “Mi”.
    “Mi” estuda direito, futura advogada, acredita que a justiça foi feita para proteger todos. Pergunto-me em que país “Mi” vive. Fala sobre prender os caras maus. Bandidos e assassinos. E políticos corruptos.
    Quer fazer a diferença.
    Como todos quer viajar para fora do país, fazer intercambio conhecer algum gringo e ter um amor de verão. Sonha com a Itália. Roma. Coliseu.
    Tagarela.
    Fala sobre seus pais. Médicos. Queriam uma filha medica.
    Pergunta sobre os meus. Mortos. Queriam um filho vivo.
    Ri pensando que foi uma piada. Sorri colocando a mão sobre o rosto, demonstra timidez. Mas esta confortável com a conversa.
    Um jeito leve e descontraído.
    Ela não é alta, mas nem muito baixa. Tem um corpo magro. Sua pele da cor de chocolate me atrai. Seus olhos castanhos me conquistam.
    Uma gota de agua escorre por sua bochecha e pinga ao chegar a seu queixo.
    Sua boca esta levemente pálida por causa da brisa fria desta noite.
    Continua me falando sobre sua vida. Sobre seu estagio em um escritório de advocacia, onde seu chefe fica flertando com ela. Como não flertar com uma garota tão linda? Sorri colocando a mão sobre a boca.
    Ela diz que o café de lá é horrível, respondendo minha pergunta.
    Depois de mais um papo, caímos no assunto sobre bêbados. Ri quando comento sobre o bêbado que acabara de entrar no carro.
    Me da um soco de leve no ombro. Pergunto-me em que momento ganhou intimidade.
    Uma casa bem espaçosa com dois andares, ligados por uma escada de madeira em espiral, moderna. No primeiro andar tem a cozinha, a lavanderia e a sala, no segundo andar, há três quartos, duas suítes e outro para hospedes. 
    Nesse encontra-se uma cama de solteiro, com alguns lençóis e um travesseiro, uma pequena cômoda e uma guarda-roupa empoeirado, com algumas roupas velhas dentro.
    “Mi” esta rindo, seu cabelo esta solto, ainda molhado e caído sobre seus ombros, não é um cabelo comprido.
    A musica alta estrala em meu ouvido. 
    Ela rouba meu copo de uísque, bebe um pouco e então, me devolve. Faz careta ao engolir.
    - Vamos Otto, dance! — Ela diz, rebolando no ritmo da musica.
    Coloco o copo sobre a cômoda. O gelo balança fazendo um som de sino ao bater nas paredes internas do copo.
    Solto minha gravata.
    - Só você para vir de terno a uma festa na piscina — Ela diz.
    Sorrio.
    Ela sorri, não cobre o rosto desta vez. Esta bêbada.
    Começa a falar que esta de olho em mim desde a primeira festa. Desamarra o maiô. Seus seios ficam a mostra, são pequenos como laranjas e tem as aureolas marrons. Fazia um tempo que eu não via uma garota nua. Meu corpo esquenta.
    Ela se aproxima.
    - Eu sei que você me quer Otto. — Ela diz, apalpa os seios.
    Desculpe-me “Mi”, o que sinto não é excitação pelo seu corpo. Mas pela sua morte. Ela esta bêbada.
     Sorri. 
    A faca entra em seu peito. Atravessa seu tórax atingindo seu pulmão. Ela não tem tempo de reagir. Sua respiração fica pesada. Ela não grita. Esta segurando meu terno. Olha-me nos olhos. Sangue escorre pelo canto da sua boca. Retiro a faca. 
    A faca entra novamente, próxima ao local anterior. Retiro a faca.
    Ergo minha mão. Passo a língua em meus lábios.
    Há muito sangue. Ela cai. Seu cabelo esta no meio daquela poça vermelha. Tiro minha gravata. 
    A musica alta estrala em meus ouvidos.
    Suas pernas são lindas, sem nenhuma mancha, sua cor é atraente, seu quadril é largo comparado a sua fina cintura. Abaixo e tiro seu maiô, corpo maravilhoso. Sua barriga é definida, devia fazer exercícios frequentemente. O sangue ainda sai pelos cortes. Esta toda vermelha. Tento não encostar no sangue. Pego o travesseiro e faço pressão para o sangue dar uma pausa. Coloco-a sobre a cama. Esta nua. Penduro o maiô num cabide dentro do guarda-roupa. Tomo um gole do uísque.
    Caminho até o banheiro do outro quarto, não há ninguém no segundo andar. Lavo a faca, as mãos e encaro o espelho. Arrumo o cabelo e volto para vê-la.
    Desço a escada em espiral. Logo estou na cozinha. Largo a faca sobre a pia, mesmo lugar de onde peguei, antes de subir.
    Esbarro em algumas pessoas. Peço desculpas. Alguns sorriem. Outros me encaram.
    Vou embora.
    No dia seguinte vejo a noticia.
     “Mi” foi encontrada dentro de um guarda-roupa, de cabeça para baixo, com os pés amarrados por uma gravata, nua. O cabelo todo sujo de sangue. Os olhos revirados, e sua língua estava sobre a cama num copo de uísque.
  • A mulher dos sonhos - parte 2

    1

    Era uma bela quinta feira, embora a chuva e o frio tenham castigado a maior parte da manhã. Gosto desse clima, ainda mais porque posso pagar um uber para casa e não preciso me molhar demais. Afinal, passei o dia inteiro, em minha sala, rodeado de incompetentes. Enfim, parece que tudo vai melhorar daqui para frente, sem preocupações na empresa. Amanhã é feriado, acho que vou passar o dia na piscina. Talvez ligue para Derek me buscar para bebermos algo antes de ir.

    Chego em casa depois das nove da noite, foi um dia pesado de trabalho, relatórios atrasados, prazos perdidos, auditoria no meu pé, prefiro não lembrar disso agora. Jantei uma lasanha congelada, sem paciência para cozinhar nada. Apenas fiz questão de me servir uma taça de vinho tinto e liguei a televisão. Passava “Os Simpsons”, aquele pessoal amarelo sempre me faz rir. Uma das melhores formas de se encerrar uma noite depois de um dia estressante.

    Depois disso, vou para meu banheiro, é pequeno mas agradável, o piso de azulejo preto dá um belo realce com as paredes brancas. A privada é preta, também, acho que dá um visual moderno, e fica ao lado do boxe com o chuveiro. Em frente a tudo isso está a pia que é de vidro transparente. As gavetas e armários são brancos e pretos, mas isso não importa, foi um arquiteto que projetou tudo, não perdi meu tempo com aquilo, apenas exigi a pia transparente com a mesa e tudo. Queria uma daquelas torneiras que acendem luz, só que meu orçamento da época era apertado e, com o passar do tempo, essa vontade diminuiu, embora não tenha sumido.

    Finalmente tiro o terno, jogo-o no chão do banheiro mesmo (semana que vem levo ao tintureiro, não me importo) e tomo uma ducha quente. Deve ter durado uns 40 minutos, precisava muito relaxar. Escovo os dentes, pego o terno do chão e o levo até a área de serviço para deixar em cima da máquina de lavar.

    Estou exausto, então é melhor dormir logo, checo se as portas estão trancadas, afinal, um apartamento pode ser seguro, mas “é melhor prevenir do que remediar”, já dizia meu avô. Entro em meu quarto, aquela cama é meu orgulho, uma king size com um cobertor preto de um lado e branco do outro, com pêlo de ovelha na lado branco e aveludado do outro. Tenho quatro travesseiros ali, mas três sempre acabam no chão. Penduro minha toalha e pego um moletom velho que sempre uso para dormir, é hora de fechar os olhos e encerrar o dia, finalmente. Boa noite a todos e não me esperem cedo amanhã.

    2

    Acordo e olho para o relógio e vejo que já são três da manhã. É uma madrugada fria e silenciosa, sem nenhuma alma na rua, tenho certeza de que é possível ouvir grilos. Essa é a vantagem de um bairro afastado e sem muitos vizinhos, o silêncio cai muito bem. Uma ou outra moto passam na rua, sempre tem um imbecil que estoura o escapamento, apenas para fazer barulho, de resto provavelmente são esses entregadores atendendo aos pedidos dos bêbados e drogados da madrugada, voltando de suas baladas ou o inferno que seja, bancados por papai e mamãe, provavelmente nem trabalham os filhos da puta.

    Maldita insônia!

    Tudo bem, não tem problema, amanhã é feriado e posso dormir até mais tarde, na pior das hipóteses, cancelo a piscina e apenas bebo algumas cervejas com Derek.

    Levanto de minha cama, o lado direito se mantém vazio há muito tempo, desde que Stephanie pegou suas coisas e foi embora, deve ter me achado insuportável, mas não sinto falta dela, do sexo todo dia sim (então por que ainda tenho a foto dela no nosso quarto? Digo, no MEU quarto).

    O laptop está desligado, não estou com paciência de ligar e a escrivaninha é longe da cama (dois passos é muito longe no meu estado), a sonolência me domina por completo (mesmo sem conseguir dormir), deixa a sensação de que o mundo ao meu redor se move mais devagar. Melhor ir para sala assistir alguma besteira até pegar no sono. O caminho é curto, apenas um pequeno corredor, de alguma maneira parece menor do que o trajeto até a escrivaninha (assuma que se ligar o laptop irá atrás de Stephanie).

    Sento na minha poltrona, estico meus pés e puxo uma pequena manta, que sempre mantenho no sofá (mesmo no verão podemos ter noites frias, certo?). A tv de 58 polegadas acoplada à parede é outro orgulho que comprei com meu dinheiro. Sem Stephanie aqui, agora é tudo meu nessa casa, apenas a tv a cabo que não é.

    Neste horário passam apenas reprises, nem o canal pornô está interessante. Porra, quero apenas pegar no sono. Mudando de canais acho a gravação de algum talk show. É a entrevista de um jogador de futebol qualquer que me arranca algumas risadas com algumas histórias bestas. Que vida fácil esses caras têm, ganham em dez anos mais do que ganharei em 5 vidas e mesmo assim sempre querem mais em seus contratos.

    Dou duas piscadas, bem demoradas. Passei o dia todo trabalhando naquela merda de empresa, só queria que meu chefe morresse, aquele gordo, careca, filho de uma puta, ou eu poderia comer a mulher dele, tenho certeza que metade da empresa já passou por ali. É...uma... bela... esposa... trofé....

    Na terceira piscada meus olhos não abrem.

    Fui dominado pelo cansaço, senti o relaxamento por todo o corpo, a sensação era boa demais, aquela manta que peguei no voo de volta de Paris era muito confortável e aconchegante. Esses pequenos cobertores de avião são sempre muito bons. Mas se vou dormir é melhor voltar para cama.

    Abro os olhos e vejo que as paredes sangram ao meu redor, o chão está coberto de carne decomposta, com vermes se mexendo e moscas voando, além de ossos quebrados espalhados por toda a parte. A cena me causa um frio no estômago, meus olhos estão arregalados, o coração pulsando acelerado e o frio domina meus músculos.

    Um pequeno vulto branco escorregou da janela para o além, mas era possível ver algo escrito no orvalho, “estou chegando...”. O horror daquela imagem me fez cair da cadeira, fecho os olhos com a dor do impacto. Quando os abro, o cômodo está intocado, não havia nem orvalho na janela. Devo ter sonhado e não me dei conta.

    (Deus, que sonho horrível.)

    Essa fresta na janela tira todo o ar quente da sala. Porcaria de brisa fria vai acabar com a minha saúde. Aos poucos vou me aproximando da janela, para fechá-la, ainda enrolado em minha manta. Quando o faço, reparo em um pequeno rastro, quase imperceptível, de suor formando a frase “estou chegando...”.

    Que porra é essa? Quem escreveu isso aí? Devo ter visto acordado e acabei sonhando, sim, faz sentido. Mas quem conseguiria escrever isso na janela do nono andar? Estico meu braço, com a manta, e esfrego ali até a frase sumir. Bosta, perdi o sono agora. Vou dar uma mijada.

    O alívio no banheiro é muito bom, deve ter saído uns dois litros de mim, como pode ser? Acho que não bebi dois litros de água o dia todo. É um bom ponto, preciso me hidratar mais, só que no frio é difícil. Não sinto tanta sede. Acho que é mais uma daquelas promessas, que farei no amanhã que nunca chega.

    Lavo as mãos com água quente, chega a sair fumaça da torneira, cara como eu amo essa pia transparente, olha ela toda embaçada. Foi muito cara, mas valeu cada centavo e ela ainda acende umas luzes psicodélicas.

    Fecho a torneira e enxugo a mão, é quando sinto uma sensação estranha no fundo da garganta, começou como uma tosse leve e, logo, parecia que um pequeno grão de arroz entrou no buraco errado. Continuo tossindo e a sensação não passa, tusso mais alto e mais forte. Tento escarrar o que está em minha garganta e vou perdendo o fôlego aos poucos, arranho minha garganta forte ao ponto de minhas unhas ficarem vermelhas.

    Caio no chão e bato minha cabeça na parede de azulejo, o barulho é oco, não me importo, forço todo o meu pulmão naquela maldita tosse e é quando finalmente sai, aquela coisinha branca...

    Isso é um dente?

    Passo a língua dentro de minha boca para ver se não tenho nenhum faltando. Não tenho. Como isso foi parar dentro de mim?

    Olho para a pia e na condensação no vidro está escrito “estou chegando...”.

    A crise de tosse me ataca de novo, e mais forte, sinto vontade de vomitar, foi quando as primeiras gotas de sangue saíram de minha boca. O pânico me domina

    (o que diabos está acontecendo comigo?),

    a tosse segue incessante e não consigo me levantar. Com esforço fico de joelhos sinto como se todo o meu estômago estivesse prestes a vir para fora. Faço uma concha com as duas mãos. Então, de minha boca saem inúmeros dentes, sangue e pedras de gelo.

    (Incrivelmente, o que mais me chocou foram as pedras de gelo.)

    Contudo, sinto-me melhor e consigo me levantar, aquilo que não escorreu por entre meus dedos, joguei na privada e dei descarga. Fui até a pia novamente, apaguei aquela mensagem, lavei as mãos e molhei o rosto.

    O que está acontecendo comigo? Será que ainda estou sonhando? Vou acordar na sala de novo?

    Foi então que olhei no espelho e, atrás de mim, através da porta, consegui um vislumbre do corredor e aquele mesmo vulto branco apareceu. Virei-me no susto.

    BLAM!

    A porta bateu.

    (Mas que porra foi essa?)

    Meu coração parou por um segundo, senti o forro da minha calça esquentar e umedecer. Em meu desespero agarrei a maçaneta, estava gelada, como nada que já havia sentido antes. Minha mão queimou e a retirei rapidamente, apenas para ver que um pedaço de pele que ficou para trás, naquele metal.

    Senti um ardor onde a pele se desprendeu, olhei para minha mão e vi a ponta do anelar escurecer, até a primeira dobra.

    Então começou a sensação de dor...

    A pior dor que já senti na vida...

    Aquela dor acompanhava o rastro negro e era excruciante. Se alastrava rapidamente e, em instantes, chegou na segunda dobra. Procurei alguma tesoura ou algo do tipo. Não achei nada que pudesse me ajudar.

    (Meu Deus não acredito que vou fazer isso.)

    Coloquei o anelar inteiro na boca, fechei os dentes em volta dele e apertei com força. Soltei um grito abafado, a dor aumentava. Em meu desespero comecei a abrir e fechar a boca mais rápido e mais forte, os gritos de horror consumiam minha alma e usavam todo o meu pulmão. A dor intensificava cada vez mais, foi quando senti um pequeno peso em minha língua e reparei no sangue morno escorrendo pelo meu queijo.

    As lágrimas escorriam e encontravam o catarro que saia de seu nariz. Cuspi aquele dedo preto no chão e vi o líquido nefasto sair dele. Não tive tempo de ir até a privada, não consegui nem me levantar, apenas vomitei no chão a minha frente. Foi quando apaguei.

    Ao recobrar a consciência, por um breve momento,  imaginei ter sonhado tudo aquilo. Foquei meus olhos e reconheci aquele maldito dedo preto no chão. O odor parecia pior do que todo o sofrimento que senti até então. Com cuidado peguei aquela membro macabro, joguei na privada e dei descarga. Foi quando fechei os olhos e não contive as lágrimas incessantes.

    O vidro do boxe estourou e me arremessou contra a parede. Bati meu rosto e vi o sangue escorrendo por meu olho direito. Senti diversos cortes e tive medo de olhar, para saber minha condição de fato. Tudo que queria era sair dali, nada mais. Nunca fiz coisa nenhuma para merecer isso. Retirei minha pantufa e bati com ela na maçaneta até a porta abrir. Fiquei com medo de mais dor.

    Cada passo era difícil, o rastro de sangue escorrendo de meus cortes e, principalmente, de meu dedo decepado, diziam para eu desistir. O esforço que fiz era tremendo, contudo, consegui chegar à porta do quarto, onde poderia pegar meu celular para ligar para alguém. Sei que ninguém usa o anelar como impressão digital para desbloqueio, mas o pensamento me fez cair sentado gargalhando. Acho que minha sanidade se esvaia.

    Fiquei de pé novamente e entrei no quarto, quando olhei para minha cama, vi diversas marcas de mãos em sangue ali, estavam espalhadas no cobertor, nas paredes, na escrivaninha, nas cortinas, no armário e todas tinham o anelar faltando.

    (Eu fiz isso? É impossível, acabei de sair da merda do banheiro.)

    Não precisei me preocupar em procurar o celular, ele estava no chão, todo despedaçado.

    Foi então que olhei para o teto e vi aquela mensagem escrita em sangue “ESTOU CHEGANDO...”

    Foda-se essa merda, eu vou embora daqui...

    A dor me consumia e mal conseguia andar. Consegui passar pelo corredor, a custo de muito empenho, e fui até a porta de saída de meu apartamento. Estiquei minha mão, com todas as minhas forças, e abaixei a maçaneta. Já conseguia sentir o ar frio da rua e um breve sorriso invadiu meu rosto.

    Quando puxei a porta, ela não veio.

    Claro, está trancada, eu chequei isso antes de dormir. Peguei a chave que deixo pendurada por ali. Minha mão tremia de desespero e pavor. Tive que usar as duas para enfiar aquela porcaria no buraco, mas consegui.

    Giro a chave e ouço o click da liberdade.

    Puxei a porta.

    É então que vejo...

    Ali parada...

    Aquela mulher de branco com seus dentes pontiagudos em um sorriso maléfico.

  • A Pianista

    Não sei por que. Mas estava lá. 
    Parado.
    Em minhas mãos um folheto com os hinos do dia.
    Não sabia nenhuma música e não estava afim de cantar. Muito menos ler.
    O grupo era pequeno. Tinha no máximo dez pessoas. Sendo a maioria jovens como eu, e os velhos eram bem velhos. 
    A pessoa que mais me chamava atenção era a pianista. Caroline, esse era seu nome. Se não me engano.
    Caroline 
    Caroline
    Sempre tocou piano. Ganhou prêmios por isso. Tocava com sua alma, sentia cada tecla bater em seu coração. Suas belas mãos pálidas tocavam gentilmente cada nota.
    Todos ali ajoelhados. Ouvindo e admirando, louvando e glorificando ao som daquela maravilhosa pianista.
    Lá estava ela. Com seu cabelo preto amarrado num coque bagunçado pela ventania que estava aquele dia. Provavelmente iria chover.
    Sua camisa azul de bolinhas vermelhas estava com as mangas dobradas até a altura do cotovelo, usa uma saia rodada preta, que ia até o joelho. Calça uma sapatilha bege, mas insistia dizer que aquilo era nude. 
    Ela vinha para a igreja caminhando, fazia isso todo domingo, eu sempre a via passar em frente de casa. Nunca atrasava- se.
    Sempre adiantada.
    Chegava na igreja antes de todos. Apenas para limpar o piano. Instrumento antigo. Amigo antigo. Lugar onde ela sempre tocara sua divina melodia.
    Todos a cumprimentam. Vão chegando aos poucos.
    Ela sorri. Sorriso atraente.
    Seus olhos escuros se encaixavam perfeitamente com seu belo rosto pálido e fino. Olhar sereno. 
    Caminha com serenidade, transborda calmaria e paz. Continua sorrindo.
    Passa a missa toda assim, com aquele semblante de boa moça. Garota adorável. Sorriso doce.
    A missa é curta.
    Após tocar oito hinos, tudo acaba.
    O padre termina a missa como todas as outras.
    Palavra da salvação. Todos respondem e levantam-se como se não vissem a hora de ir embora.
    Caroline faz reverência ao seu público, concluía com um sinal da cruz e um aceno para alguém da multidão 
    Fecha o piano. Com extremo cuidado, cuida como se fosse um filho. Após isso se reúne ao resto do grupo de canto. Beijos na bochecha e abraços. Sorrisos e risadas.
    Todos a cumprimentam.
    - Foi uma ótima missa, não achou Otávio? – ela diz. Sua voz era macia, como a de um anjo, suave e calma, como o piano que acabara de tocar.
    - Não sei, na verdade, parecem todas iguais para mim – respondo.
    Ela sorri. 
    Aquele sorriso inesquecível. 
    Fiz amizade com ela havia algumas semanas. Ela notou meu interesse em tocar algum instrumento. Me ofereceu algumas aulas, recusei algumas vezes, sem motivo algum. E sem motivo algum aceitei naquele dia.
    Sua volta para casa era, como a ida à igreja. Todos a cumprimentam. Sorrisos. Acenos. Ela sorri. E acena. Uma, duas, três vezes. E repete. 
    Sorriso lindo.
    Sua casa é verde, com enormes portões cinzas. Ainda morava com seus pais. Mesmo tendo seus vinte e poucos anos, continuava indecisa sobre o que faria da vida. Sem sonhos. Sem futuro planejado. Sem namorado. Acreditava não ter sorte para arrumar um. Não imagina a beleza que tem.
    Venta muito. Segura sua saia para que não levante. Dizia para eu não olhar caso isso acontecesse.
    Caminhamos rápido para que não fossemos pegos de surpresa pela chuva que não veio.
    Uma casa bem grande. Daria duas da minha facilmente. Tinha sala de jantar. Sala de estar. Sala de recreação. Sala de lazer. Suíte. Cozinha. E outros tipos de salas. 
    Ela pede para que eu espere na sala. Sento numa poltrona de couro. Desconfortável no início. Mas com o tempo ficou aconchegante. Não há televisão naquela sala. E nem nas outras. 
    Apenas retratos. E mais retratos. Alguns quadros também. 
    Em um dos retratos vejo sua mãe. É bonita como ela. Ouvi histórias que diziam que a mãe dela havia fugido com um vizinho, e deixara Caroline com o pai, que por sinal não estava em nenhuma foto ali. E também, não estava na casa.
    Ela demora.
    Decido então fazer passeio pela casa. 
    São dois andares. 
    No de baixo, temos as salas a cozinha que é bem espaçosa, não tem mesa, pois a mesma fica na sala de jantar ao lado. Na cozinha, tem apenas os armários que cobrem todas as paredes do lado direito, tem também a geladeira e o fogão.
    Uma escada em espiral fica no meio da sala de recreação. Subo-a.
    A escada dá de encontro com um corredor. Extenso corredor. 
    A primeira porta é branca, giro a maçaneta e a abro. Dentro encontro uma cama de casal com vários travesseiros. Doze no mínimo. Um enorme guarda roupa, vai do chão ao teto, engolindo a parede. Um cheiro forte de colônia toma conta do ar. Deve ser o quarto do pai dela.
    A segunda porta, é marrom, lisa. Abro-a. É apenas o quarto de tralhas, coisas que não usam mais. Haviam diversos instrumentos quebrado.
    Nesse corredor havia mais cinco portas. Mas logo na terceira, era o quarto dela.
    Um enjoativo odor adocicado toma conta do meu nariz instantaneamente. A porta está meio aberta. Ouço o som do rádio.
    Entro.
    Ela estava lá. 
    Caroline
    Caroline
    Usando apenas a camisa e uma calcinha azul com rendas. Suas pernas brancas chamavam minha atenção, ela as balança conforme o ritmo da música. 
    O ranger da porta a pega de surpresa, dá um pulo de leve e se vira, colocando a mão sobre o peito. Posso ver o volume de seus mamilos sob a camisa. Ela solta a escova de cabelo.
    O quarto é delicado como ela. Haviam inúmeros instrumentos por ali. Violões. Guitarras. Flautas. Trompete. E muitos outros.
    No canto, por ironia, está um teclado todo empoeirado. Abandonado.
    Ela sorri.
    No centro do quarto está sua cama. Grande. Muito grande.
    Ela sorri.
    Passeio pelo quarto, encaro o espelho do guarda roupa, estou arrumado, bonito.
    Sorrio.
    Um raio de sol que entra de penetra desviando da cortina lilás, paira sobre o teclado empoeirado. Um punhado de poeira dança na faixa de luz solar. Passo meu dedo, bem devagar sobre as teclas, daria para ouvir um som decrescente, se o teclado estivesse ligado. Ou com bateria. 
    Não entendo de teclado.
    Olho para Caroline. Parece não se importar. Aquele devia ter sido seu primeiro instrumento. Abandonou-o. Pergunto o porquê disso. 
    O motivo de tê-lo deixado de lado.
    - Cansei dele. – Ela diz, Sorriso.
    Cansou dele. 
    Todo o tempo que haviam passado juntos não contava mais.
    Sorrio para ela.
    Pressiono uma tecla. Não faz som. 
    Está sem bateria ou desligado. Não entendo de teclado.
    Abaixo na altura dele. Assopro. Uma nuvem de poeira se espalha pelo quarto.
    Ela desabotoa um botão.
    Coloca as duas mãos sobre o instrumento.
    Você não se importa mais com ele, pergunto esperando que ela me dê uma resposta positiva.
    - Sim, mas ele está velho, não serve mais para mim. – Ela diz. Mordiscando o lábio inferior e sorri.
    Não era a resposta que eu queria ouvir. 
    Desabotoa outro botão. 
    A porta range com o vento leve que entra pela janela. A cortina balança. Com um pouco de esforço levanto o teclado de sua base.
    - O que está fazendo. – Ela pergunta. 
    Sorrio.
    Sua camisa está quase toda aberta. Com o passo que ela dá, posso ver seu seio balançar. Vem em minha direção. 
    Sorrio. Ela não. 
    Levanto aqueles aproximadamente dez quilos acima do ombro, e então a golpeio no rosto.
    O golpe não é forte o suficiente para desmaia-la.
    Ela apenas cai e põe a mão sobre a boca. 
    Posso ver seu seio. Sangue pinga no chão de piso branco. 
    Meus braços pesam. Já estão cansados. Caminho por alguns centímetros arrastando o teclado. 
    Ela chora. 
    O sangue escorre de sua boca e pinga sobre seu mamilo marrom. Escorre por ele e pinga em sua barriga, e logo é absorvido pelo tecido da camisa de bolinhas.
    Não sei por que fiz. Apenas senti vontade.
    E então a saciei.
    Com muito esforço, ergo o teclado novamente. E a golpeio de novo. Um golpe contra sua cabeça.
    Ao tentar se proteger ela acaba quebrando o pulso. Som que posso ouvir com clareza. 
    Ela chora. Urra de dor.
    Ergo o teclado novamente.
    Então solto contra ela. 
    Ergo o teclado. Mais um golpe.
    Peças se soltam.
    Sangue espirra.
    Ergo o teclado. Mais um golpe.
    Ela não se move.
    Meus braços doem. Estou ofegante e soado.
    Suas pernas brancas estão sujas com seu sangue. Ela agora tem um motivo para não tocar o teclado. Seu pulso está roxo e inchado.
    Silêncio.
    Paro em frente ao espelho. Arrumo minha gravata. Bonito.
    Por sorte as gostas de sangue não são aparentes em meu terno.
    Olho para ela. Não está mais tão bonita. 
    Tristeza.
    Seu rosto, com o nariz quebrado e faltando alguns dentes, está coberto de sangue. Seu cabelo está molhado por uma poça enorme de seu sangue. 
    Deve ter encontrado a paz.
    Desço a escada. A cafeteira apita. Sirvo um pouco de café. Caminho pela sala. Observo novamente as fotos e quadros. 
    Seu pai não está ali. Sua mãe continua sorrindo. 
    Muito linda. Se Caroline tivesse ido embora com ela. Nada disso teria acontecido
  • A rebelião das bruxas

    Interior do Rio Grande do Sul. 1984. Enquanto o país sai às ruas pelas Diretas, um grupo de mulheres e homens vivem tranquilamente numa grande fazenda no interior do Rio Grande do Sul, sem preocupações políticas. Não participam de eleições, nem de movimentos sociais. Sequer saem da fazenda. As compras de que necessitam são feitas pelos empregados, que recebem as mensagens e ordens pelas crianças. Cultivam apenas suas Oliveiras e produzem azeite. Abastecem a Alemanha e a Irlanda com suas deliciosas azeitonas e óleos dos mais variados tipos. Não competem com o restante dos produtores locais, pois a maioria deles está voltado para o mercado interno, embora alguns deles ambicionem alargar suas vendas além das fronteiras.
       Não costumam se socializar com os outros moradores. Ao que tudo indica, a religião deles, uma espécie de seita egípcia, da qual se sabe pouco, proíbe o contato direto com pessoas que não pertençam à irmandade, exceto em situações de emergência ou de estrita necessidade, casos expressos no GUIA, uma espécie de livro de ensinamentos que guardam em sua biblioteca. Comunicam-se entre si no antigo dialeto egípcio, uma língua morta em todo o mundo, mas conservada por eles. As crianças não frequentam a escola convencional. Costumam seguir o modelo egípcio de educação, o tipo de ensino que os sacerdotes da realeza do antigo Egito recebiam, com algumas adaptações. Estudam a língua nacional, a língua dos ancestrais(o egípcio antigo) e de seus pais, a língua universal do momento, a língua dos países com quem transacionam, a matemática, a astronomia(com forte viés astrológico), a história dos povos e a filosofia de sua religião. Não saíam da fazenda. A principal função delas era se comunicar com os empregados. Esse costume tem rendido à fazenda sérios problemas, pois frequentemente os fiscais do governo fazem visitas por causa das denúncias de "exploração de menores". No entanto, sempre davam um jeito molhando a mão de quem as procuravam. Além das crianças, outro problema que a Fazenda enfrentava eram as acusações de "incesto", "infaticídio", "homicídio", "automutilação compulsória", "trabalho escravo", "lavagem cerebral", "genocídio", "satanismo", "sacrifício de humanos", "criação de animais de fauna estranha à nacional" e "tráfico internacional de animais silvestres" etc. Por inúmeras vezes, as irmãs enfrentaram os tribunais. A fazenda foi diversas vezes vistoriada pelas autoridades, mas nada de concreto foi encontrado que pudesse incriminá-las. Só receberam uma multa por causa dos crocodilos que criavam no lago. Eram conhecidas na cidade como as "BRANCAS", pois só usavam trajes brancos. Muitas pessoas achavam que eram membros(as) de uma conhecida seita brasileira: A CULTURA RACIONAL, por causa das vestes brancas que usavam.
       Na verdade, a fazenda não constituía uma única família estrito senso, mas um conjunto de famílias que viviam em comunhão, uma sociedade alternativa unida pela crença nos deuses egípcios.  Eram "AS FILHAS DE ÍSIS", uma antiga ordem religiosa liderada por mulheres, uma seita existente mesmo antes das primeiras pirâmides serem erguidas. O culto sobreviveu ao longo de milênios. Talvez seja o único culto verdadeiramente egípcio a ter sobrevivido. O grupo atual que reside no Brasil tem origem alemã. Vieram ao Brasil no começo do século XX, por causa da perseguição nazista. Eram vistas pelo regime como ciganas e apátridas(sem pátria, apáticas politicamente).
       No século XIX e começo do século XX, a Alemanha era rica em cultos pagãos. Mais de cem cultos eram observados só dentro daquele território. Embora diferentes, os membros desses cultos guardavam relativo contato como forma de se defender das acusações e perseguições que sofriam e de encontrar formas de esconder liturgias que tinham em comum, como a crucificação ansata, praticada por todos. A maioria dessas seitas era liderada por mulheres. Quase todas foram extintas pelos nazistas e cristãos, sobrando poucas , que se espalharam mundo afora nos anos vinte e trinta do século XX.
       Havia uma família que liderava a Fazenda com mão de ferro. A família Muller, cuja matriarca e líder suprema era conhecida como MADAME MORGANA. Jovem e bonita, e de personalidade forte, tinha um semblante que escancarava certa crueldade e frieza. Seu olhar era profundo, marcante e ameaçador. Havia assassinado suas duas prováveis sucessoras, e estava planejando matar a terceira para se perpetuar no poder até sua crucificação, que adiou por cinco vezes alterando os registros de seu nascimento e de seus familiares. A vida na fazenda era curta. Aos cinquenta anos de idade, fosse homem ou mulher, a pessoa era sacrificada na cruz ansata, afogada e devorada por crocodilos. O ritual constituía no seguinte: havia uma grande lago(na forma de uma cruz) no campo da fazenda. Nele, uma cruz ansata de aço reluzente era ativada eletronicamente para descer às águas e depois subir. Os membros do culto cercavam o lago e faziam uma oração ao deus SOBEK (O DEUS CROCODILO DO EGITO). Terminada a oração, dois homens com máscaras de crocodilo acompanham a pessoa num barco. Antes de ser amarrada na cruz, a pessoa, sendo homem ou mulher, tem sua última relação sexual com os dois mascarados. O esperma era guardado numa vasilha e entregue à líder da fazenda. Eles a amarram na cruz e a fazem sangrar com pequenos cortes por todo o corpo. Uma nova oração se iniciava enquanto a cruz lentamente desce às águas, verticalmente. Terminada a oração, um grande banquete com vinho e frutas é servido aos presentes. Três dias depois, eles retornam ao lago e fazem uma oração. Erguem a cruz do local. Ela volta sem ninguém. E fica estendida e brilhando, a esperar o próximo sacrifício. Além de sofrer a agonia do afogamento, o sacrificado(a) é devorado(a) por crocodilos-do-Nilo, que as famílias criam no lago. Não sobrava nada, nem sequer a unha da pessoa. O ritual é uma representação de quando o deus Sobek devorou o coração de Osíris, esposo de Ísis, a principal deusa da comunidade.
       Havia um rodízio na gerência dos negócios e dos rituais na Fazenda. Completados os trinta e cinco anos, a matriarca passaria o posto à família mais antiga. Geralmente a liderança era repassada a uma família cuja líder tinha em torno de 22 ou 23 anos. A matriarca da família, que entregava a liderança, passaria a compor o Conselho Decisório(a justiça da comunidade) da fazenda até os cinquenta anos de idade, quando então seria levada à Cruz.
       O problema é que os trinca e cinco anos de Morgana nunca chegavam. Ela contava com a ajuda e a cumplicidade de algumas famílias na fazenda, que, em troca, tinham uma vida dupla: viviam na fazenda, mas saiam de lá para namorar e consumir. Claro que não saiam de branco, mas com roupas comuns para não chamar a atenção. Esse tipo de prática, dependendo dos atenuantes e agravantes, poderia levar à morte. Havia duas penas para quem tinha uma vida dupla, segundo as regras do Conselho(quem de fato mandava na fazenda): seria tatuada com uma cruz ansata invertida no dorso da mão, o que faria com que ninguém falasse com ela durante dois anos. Seria isolada. Depois retornaria à vida social normalmente, porém nunca poderia fazer parte da liderança da Fazenda ou do Conselho. Nem ser sacrificada no lago. Seria morta aos cinquenta anos, como todos(as), porém de forma diferente: seria queimada numa cruz invertida no campo, sem cerimônias. Esse era o destino dos "tatuados(as)", como eram chamados na fazenda. Constituíam uma subcultura dentro do grupo. Mesmo após dois anos, tempo em que a socialização já era permitida, os tatuados(as) costumavam se comunicar apenas com seus familiares e com outros(as) tatuados(as). Participavam apenas dos rituais obrigatórios a todos e tinham suas próprias cerimônias, em que elegeram Hórus como deus principal. O Conselho permitia que se adorassem quaisquer deuses e fizessem celebrações específicas, desde que não atrapalhassem os eventos gerais e obrigatórios, e não entrassem em conflito com os princípios e as tarefas da fazenda.
       Algumas famílias estavam insatisfeitas com a gestão de Morgana. Eram as famílias sucessoras que aguardavam o momento de assumir a gestão da fazenda e dos rituais. Diversas petições e reclamações foram direcionadas ao Conselho pedindo uma investigação no inventário da família de Morgana. Os pedidos ainda estavam sob análise. Enquanto isso, Morgana reinava absolutamente.
    - Mãe, ontem à noite vi uma das filhas da Madame Morgana saindo da fazenda escondida. E ela só retornou pela manhã.
    - Como sabe disso? passou à noite acordada espiando a vida alheia?
    - Mãe, olhe para essa mão? sou uma tatuada. Ontem foi um dos nossos festejos na Fazenda. "A coroação de Hórus". Ficamos próximos ao lago a noite inteira.
    - Já disse para ficar longe daquele lago. Você acha que os crocodilos ficam apenas na água. Eles saem. E estão famintos. Faz semanas que não se alimentam de carne.
    - Já sabemos, e eles estavam fora da água. Mas não se aproximaram por causa das fogueiras, disse a jovem.
    - Pois tome cuidado, minha filha. Já basta carregar a maldição de ser uma tatuada. E agora só falta ficar sem algum membro por causa desses crocodilos. Já temos aleijados demais por aqui. Todos vítimas desses animais. O lago é sagrado. Só devemos nos aproximar dele no dias de sacrifício.
    - Sim, o que faremos?  Posso denunciá-la?
    - Não precisa, bobinha. A Madame Morgana está cheia de processos no Conselho. Talvez seja sacrificada no Campo. Ela acha que a comunidade é idiota. Todos sabem que ela adultera seus documentos. Basta o Conselho analisar os documentos que perceberão a fraude. Mas eles precisam de tempo. Mesmo assim, a Madame Morgana, embora não respeite nossas tradições e regras, é uma boa gestora nos negócios. Foi a melhor administradora que a fazenda já teve. Talvez o conselho a engula por isso. Contudo, cedo ou tarde, ela e sua família serão queimadas nos campos. Semana que vem é minha vez de ser levada ao lago. Já vivi o suficiente. Minha alma agora pertence a Ísis.
  • A rebelião das bruxas- Parte III- Final

    O Conselho ratifica o pedido de Morgana: conclamar os guerreiros(as) para uma guerra contra os fazendeiros. Desde a antiguidade, as ordens religiosas, sobretudo as de natureza secreta, como as "Irmãs de Ísis", possuem um treinamento e um preparo para momentos de conflito, inclusive guerra armada. Além da educação tradicional que recebem quando crianças, elas tem instrução militar, de tiros e artes maciais. Todos(as) ali sabem atirar e lutar. Eram, além de frágeis moças dedicadas à agricultura, guerreiras preparadas para a guerra.
       Quase toda fazenda se arma. Quase  todas as irmãs saem decididas a acabar com os fazendeiros da cidade. Muitas saem de carro,  Outras a pé. Em cada casa que passam, deixam a marca de sua ordem: a cruz ansata e um monte de mortos.
       Alguém bate à porta de Morgana. Ela pede que uma de suas ajudantes vá atender o chamado. Ao chegar à porta , a serviçal recebe um tiro na testa. Morgana ouve o disparo. Arma-se e se esconde. A pessoa entra na casa à sua procura.
    - Vamos, Morgana, apareça! não seja covarde!
       Morgana está escondida dentro de sua cama. De lá, observa quem à procura. Reconhece. É um dos tatuados. Um dos pais de seus filhos.
    - Chegou sua hora de morrer. Nós tatuados vamos tomar a fazenda. Já eliminamos o Conselho. E de sua família só restou você. Ela mira seu revólver em seu ex-amante. Ela o acerta na cabeça. Depois a esmaga com os pés. Espia com muito cuidado o lado de fora da casa. Vê tatuados(a) rondando a fazenda.
    - Esses malucos acabaram com a irmandade. Enlouqueceram!
       Ela vai ao seu arsenal de armas, municia uma submetralhadora. Da janela, metralha os cinco tatuados(as) que vê. Decide sair da casa. Veste uma roupa comum e se manda. No portão, bem no topo da cruz, a espiã do Conselho a espera.
    -Aonde pensa que vai,  Morgana?
    - É você, Verônica? como está horrível. Suja e maltrapilha.  Andou ferindo alguém?
    - Sim. Matei muitos fazendeiros e muitas irmãs também. Você será a próxima.
    - Acha que vai ser fácil? desça daí e lute.
    - Lutar? não se faça de idiota. Eu tenho um presente. Uma automática.
       Antes de Verônica sacar sua pistola, Morgana corre para as Oliveiras e se esconde. Ela também carrega uma pistola. Verônica desce do portão. Na descida é alvejada por tiros , mas só um deles a atinge. Seu ombro está ferido. A arma cai no chão. Ela corre para as oliveiras e deixa sua pistola para trás. Sangra muito. Ambas estão em lados opostos da fazenda. Morgana armada, Verônica ferida e desarmada. Vários disparos são dados a esmo nas Oliveiras onde Verônica se esconde. Nenhum a atinge. Ela corre pelo mato e já está próxima do lago, por onde há uma saída. Sabe que os crocodilos podem sentir o cheiro de seu sangue e atacá-la. Mas não existe outro caminho. Se voltar Morgana a mata, se ficar morrerá sangrando ou de alguma infecção. Verônica é astuta, ágil, inteligente e uma guerreira bem treinada. Pega dois bambus e com um deles improvisa uma arma(lança). O outro servirá para um salto cuja altura os crocodilos, caso apareçam, não possam alcançá-la. Ela joga para o meio do lago os membros de uma das irmãs mortas para distrair os crocodilos. Enquanto isso caminha lentamente, sem fazer barulho, à beira do lago cuja margem fica encostada ao muro. Ao passo que anda, o muro diminui de altura, porém se aproxima mais da água. Ela não percebe, mas seu sangue fresco que pinga à beira do lago atrai um crocodilo, que a segue. Antes de saltar o muro, precisa tomar distância, e para isso precisa entrar na água. Com um bambu, ela vistoria a água. O bambu trava. Ela sabe que ali a fera está preparada para o bote. Pensa em algo. Se entrar um pouco mais na água será devorada. Ela resolve colocar em prática umas técnicas que aprendeu: esperar o bote do animal, desviar-se dele e utilizar o corpo do animal para saltar o muro. Ele recolhe o bambu e faz uma posição para atiçar o animal. O crocodilo dá o bote, ela gira o corpo em 360 graus e encosta o bambu na cabeça da fera e salta, mas o crocodilo se ergue e usa seu rabo antes que o corpo de sua presa atravesse a parede. Ele a lança nas águas. E entra nelas. E a perseguição começa. Ela nada rapidamente, mas a fera está prestes a alcançá-la. Ela alcança a borda novamente. E ambos estão na mesma posição de antes. Frente a frente. Verônica não arrisca. Volta para as Oliveiras. Corre freneticamente pela mata, o crocodilo sai da água, mas retorna.
       Morgana está a quilômetros da Fazenda. Aproxima-se de um carro aberto. Ela o examina. No carro,  as chaves estão sobre um dos bancos. É o momento de fugir. Entra no carro, liga  a chave e acelera. Enquanto dirige, alguém suspira com uma voz quase diabólica em seu ouvido ao mesmo tempo em que encosta um revólver em sua cabeça :
    - Olá, Morgana?
       Morgana olha para trás e reconhece o rosto. É a presidente do Conselho.
    - Pensa que vai fugir não é, sua traidora? Volte para a fazenda, irmã, agora!
    - Sua idiota. O que que quer lá? Acabou. Todos morreram.
    - Volte ou estouro seus miolos.
       Chegam à fazenda. Verônica ainda está escondida nas Oliveiras. Ela vê Morgana sendo escoltada com uma arma na cabeça.
    - Presidente, sou eu, a Verônica.
    - Olá Verônica, pensei que estivesse morta.
    - O que vai fazer com ela?
    - Vou sacrificá-la.
    - Por que não atira  na cabeça dela e vamos embora daqui?
    - Perdeu seu espirito ritualístico, irmã Verônica?
    - Irmã, estou muito machucada. Acho que não sobrevivo.
    - Antes que morra, preciso da sua ajuda. Mas pelo que vejo, está muito mal. Vou lá dentro buscar uns anestésicos. Segure-a aqui enquanto pego as seringas e a medicação. Qualquer movimento não hesite. Mate-a. A presidente do Conselho volta com a seringa e os anestésicos. Aplica-os em Verônica.
    - Agora se sente melhor?
    - Sim. Muito aliviada. Obrigada Presidente.
    - O que vai fazer agora? pergunta verônica
    - Acionar a cruz e amarrar essa idiota nela.
    - Vai jogá-la aos Crocodilos?
    - Eles não merecem uma carne tão ruim.
    - E então?
    - Morgana ficará despida na cruz até morrer de inanição. Ficará dias amarrada até morrer. Não há ninguém neste fim de mundo para salvá-la. Vamos, ajude-me.
    - Já está amarrada, presidente
    - Acione a cruz para que ela se eleve o mais alto possível. Depois trave-a e destrua o mecanismo de acionamento para que ninguém a tire daí.
    - Feito, fala verônica com a voz ofegante.
    - Agora queime o barco e vamos embora daqui.
       As duas vão embora de carro enquanto Morgana agoniza de fome e sede na cruz.
    - Para onde vamos, presidente?
    - Santa Catarina. E pare com essa idiotice, garota. Não sou mais presidente. Nossa ordem morreu.
    - Por que vamos para Santa Catarina? Eu achei que sairíamos do país.
    - Há uma irmandade que irá nos acolher. São fazendeiras iguais a nós. Também imigraram da Alemanha no mesmo ano que nossos avós. Lá elas adoram os deuses gregos.
    - É a fazenda das Videiras não é? da irmã Milena.
    - Isso mesmo.
    - Acha que ela vai nos aceitar?
    - Como adeptas da fazenda jamais. Passaremos apenas alguns dias para planejarmos o que faremos e para onde iremos.
       Dr. Wolff está cercado. De um lado o delegado e o inspetor, do outro as tatuadas. Uns sete tatuados(as) fortemente armados atiram na casa sem parar. Os policiais já estão sem munição.
    - O que faremos agora, delegado?
    - Esperar os reforços.
    - O Senhor os chamou?
    - Não
    - E por que acha que virão?
    - Alguém deve ter chamado, diz o delegado!
    - É um pena!!!!!!
       A Polícia Militar chega ao local do confronto junto com o promotor. Alguns tatuados(a) conseguem fugir. Mas cinco são abatidos. O delegado, o inspetor e o Dr. Wolff são leva para o interrogatório e logo são liberados. O médico se manda para Santa Catarina. Tem certeza de que a polícia não tardará a descobrir que ele está por trás da matança. Os policiais conseguem retirar Morgana da Cruz, mas sem antes perderem três homens para os Crocodilos. Ela é detida e presa. Desce imediatamente para o presídio.
       Na estrada, duas tatuadas esperam algum viajante. Uma delas sucumbe aos ferimentos e morre. A outra, bastante ferida, sobrevive. Vê um carro. Acena. O carro para. Um senhor sai dele.
    - Venha, minha jovem, vou ajudá-la. Você era uma das brancas, não era?
    - Sim.
    - Todas morreram?
    - Receio que sim.
    - Nossa fazenda também foi atacada pelos capangas do Dr. Wolff. Estamos indo para Santa Catarina, onde os tios dessa criancinha moram.
    - E qual o nome desse anjo?
    - Raquel. Os pais delas morreram no ataque.
    - Por que os atacaram?
    - Porque na fazenda havia uma plantação de maconha.
    - O senhor poderia me deixar no hospital mais próximo, por favor. Não estou suportando as dores.
    - Chegamos. Pode descer, branca.
    - Obrigado, senhor. Mas antes deixo este presente para esta linda criança. É uma cruz. Que ela a guarde. Vai protegê-la.
    - Até mais branca. Obrigado pelo presente, quado ela crescer, contarei a sua história.
    A tatuada se despede. E sob sol escaldante e a poeira da estrada, o carro some de sua vista.
  • A Riqueza Salva

    No começo a tecnologia era vista com entusiasmo. O futuro era visto de maneira brilhante com diversos inventos fantásticos, muitos deles estranhamente ligados ao atributo de voar. Parecia algo surreal e mágico substituir as rodas por nada, podendo admirar de maneira simples toda a beleza que um pássaro vê cotidianamente. Mas o pessimismo foi lentamente tomando conta das mentes e o futuro passou a aparecer de maneira sombria.
    Alguns apostavam no aquecimento global, outros em um vírus mortal que é liberado sem querer de algum laboratório, e ainda tinha aqueles que acreditavam que as máquinas iriam adquirir inteligência e dominar o mundo. O grande problema é que tudo isso desconsidera o fator humano. Há muito já se discutia se era a sociedade a responsável pela maldade humana ou se nós já nascemos assim. A resposta, embora importante, só revela que somos maus. E, sendo maus, nós temos que ser o grande protagonista do nosso fim, pois, se não for assim, provavelmente não é o fim.
    Esse pessimismo mostra que, tanto para o pobre como para o rico, o mundo iria acabar num futuro próximo. Talvez não o mundo, mas com toda a certeza pelo menos a existência da raça humana. O grande problema é que os pobres não têm muito poder de ação individualmente e juntar todos a nível mundial para ter alguma mudança é um trabalho muito árduo, difícil e alguns até diriam que impossível. Mas os ricos estão em um número bem menor e o dinheiro deles carrega um poder quase sobrenatural.
    Tudo, como sempre, começa com o medo. Basta uma pandemia para que a venda de bunkers dispare como se fosse um sinal do final dos tempos. Os bilionários acabam desabafando com os seus amigos, que também são bilionários, sobre esse pessimismo e percebem que é um sentimento comum. E, talvez durante uma conversa no balcão de um bar enquanto bebem um whiskey mais caro do que um carro popular, acabe surgindo ideias de como sobreviver a tudo isso sem perder a qualidade de vida. No princípio, as ideias pareciam absurdas, mas vão se complementando. No fim, fica um silêncio constrangedor. Os pensamentos foram longe demais, reais demais e sedutores demais. Afinal, por que não? É só a morte, a velha companheira que está direta ou indiretamente presente em nossas fortunas e em nosso conforto. Por que não pode participar da nossa riqueza e conforto eternos? E não é difícil conseguir gente o suficiente. Basta convencer as 26 pessoas mais ricas do mundo que já terá poder o bastante e os outros terão que vir se quiserem sobreviver. Bilhões de dólares podem se livrar facilmente de bilhões de pessoas.
    A ideia era bem simples na realidade. Bastava continuar desenvolvendo a tecnologia como se nada de diferente estivesse acontecendo, mas lentamente ir acelerando esse ritmo. O foco principal era desenvolver a inteligência artificial para que ela conseguisse chegar ao ponto de criar as suas próprias invenções, além de máquinas que conseguissem substituir o trabalhador humano nas fábricas. Mas esse último era mais simples já que estava em curso há muito mais tempo. Depois disso, o segundo passo poderia ser posto em prática: a aniquilação de todos que não faziam parte do plano. Pode parecer algo complicado à primeira vista, mas só é necessário o caos inicial. É possível fazer isso de diferentes maneiras. Dá para envenenar lotes de sal e açúcar ou até mesmo o sistema de abastecimento de água de um país, sendo escolhido um veneno de ação lenta para que os sintomas fossem confundidos com os de alguma doença. Também dá para simular desastres naturais, como um enorme tsunami, ou diversos ataques terroristas atribuídos a grupos radicais de fachada. Por fim, mas ainda bem longe de terminar uma enorme lista, é possível criar eventos sobrenaturais como boa parte de uma cidade ter morrido eletrocutada durante uma enorme e súbita tempestade formada por uma bomba de pulso elétrico.
    Assim que o caos se instala, gerando a maior (e última) crise do capitalismo, o fim começa a caminhar por si só. As pessoas não veem o inimigo invisível e talvez não ligassem mesmo se o vissem. O mais importante para elas é não passar fome enquanto sonham em voltar ao estilo de vida antigo. Por isso se separam em grupos e começam a brigar entre si pelo mínimo de recursos. Eles mesmos começam a se exterminar para tentar sobreviver. E essa luta se torna ainda mais difícil porque a maioria das pessoas não sabe técnicas de sobrevivência, como produzir alimentos e nem como funcionam as coisas eletrônicas que usamos cotidianamente. Então só resta lutar pelas coisas que já foram fabricadas e, se tiverem sorte, encontrar algum grupo que detenha esses conhecimentos.
    Para os ricos essa fase também é um pouco tensa, pois é crucial. Eles têm que se manter escondidos até a poeira abaixar e proteger os meios de produção, pelo menos o suficiente para que possam reconstruir rapidamente as suas casas e fábricas. Mas essa parte não gerava tanta preocupação já que tinham uma avançada tecnologia e não precisavam chegar ao mesmo ritmo produtivo de antigamente. Cada um era responsável pelo seu esconderijo e os principais eram debaixo da terra, em plataformas marítimas ou até mesmo debaixo do mar em submarinos de luxo. Assim que essa fase acabasse, seria possível deixar que a natureza se recuperasse sozinha devido as reduções drásticas com a super população e do problema da poluição. Na realidade, o próprio fim do capitalismo levaria consigo a maior parte dos problemas. Como os próprios bilionários diziam com suas vozes pomposas e orgulhosas: “Esse é um amargo remédio, mas é a única esperança para a sobrevivência da humanidade e do planeta”.
    No fim dessa fase, a própria inteligência artificial começaria a planificar a economia para decidir o que seria produzido, o local de produção, a quantidade e para quem ia primeiro com base na logística e em qual plano seria o mais rápido para recuperar a luxuosa vida de todos. É claro que ainda havia desafios, afinal alguns sobreviventes, que os ricos apelidavam de baratas, ainda andavam e sobreviviam nas ruínas das cidades. Por sempre andarem escondidos, não havia um censo de quantos ainda resistiam ao domínio mundial dos ricos. Ao todo 15 milhões de milionários foram chamados para participar do plano criado pelos bilionários e logicamente todos aceitaram. Como podiam abrigar a sua família e alguns amigos, o número de sobreviventes ricos deveria rondar os 40 milhões, mas muitos não aguentaram carregar a culpa e acabaram se suicidando. Já outros tentaram sair dos seus esconderijos muito cedo para reconstruir a sua vida normal e acabaram assassinados. E ainda teve aqueles que não se esconderam muito bem, foram encontrados e mortos por baratas famintas. Ao todo devem ter restado uns 25 milhões de ricos espalhados pelo mundo.
    Um desses ricos era Thomas, um homem que fez sua fortuna no mercado tecnológico após criar uma startup de investimentos. Ironicamente o slogan da empresa era “Sobreviva como um rei, invista com a gente e faça a sua fortuna”, mas ele deve ter sido o único ligado ao aplicativo que continuava vivo. Ele tinha uns 25 anos e 1 filho pequeno no momento em que o plano de extermínio foi posto em prática. Quando sua mansão superprotegida estava pronta, saiu do seu luxuoso bunker com um pouco mais de 65 anos e 5 filhos. Mas se alguém o visse na rua em um dia qualquer provavelmente acharia que ele tinha uns 40 anos. As dicas e tratamentos de beleza que a inteligência artificial oferecia eram valiosos, ajudando os ricos a terem uma vida longa e saudável. Além disso, ela criava um belo conteúdo de entretenimento a partir dos gostos dos moradores, o que evitava a culpa e o estresse, influenciando e muito na aparência deles.
    Já o contrário parecia acontecer com Isaac que tinha somente 30 anos, mas aparentava uns 50. Ele nasceu durante a época do extermínio, então era mais fácil lidar com a realidade já que nunca viveu nada diferente do caos. O estresse e a culpa eram sentimentos cotidianos, sempre estando misturados com a raiva e frustração. Ele era negro e seus músculos eram definidos, mas isso acontecia mais pela desidratação e uma dieta irregular do que por uma rotina dedicada a musculação. A barba e o cabelo eram aparados com uma faca sempre que atingiam comprimento o suficiente para puxar e cortar, os deixando com uma aparência de ninho de pássaro. Os cuidados com os dentes eram precários, mas o suficiente para deixá-los lá. Tanto o cheiro do corpo como o das roupas eram azedos, pois ninguém confiava na água dos rios desde o envenenamento em massa. A preferência era sempre pela água das chuvas e somente em épocas de estiagem era que a água do rio era usada, mas sempre com cautela. Embora não tenha vivido a parte mais bruta do extermínio, sempre ouvia as histórias do pai e seguia os seus ensinamentos como se fossem regras canônicas.
    O seu pai, que se chamava Francisco, morreu quando ele tinha apenas 15 anos, enquanto a sua mãe morreu dando à luz. Quando tudo era normal, ele era o mordomo de Thomas que preferia um humano tomando conta de sua casa do que um robô, além de acreditar que ajudaria o seu filho a ser mais empático ao crescer do lado de humanos. Embora fosse constantemente abusado verbalmente, Francisco não poderia se dar ao luxo de pedir demissão já que não tinha muitos empregos lá fora e a maioria das pessoas trabalhavam como autônomas. Ele achava engraçado como elas formavam quase um mercado fechado: autônomo vendendo para outro autônomo e assim todos vivendo de forma apertada, mas sobrevivendo.
    Era bem diferente de como Isaac vivia e, sempre que ele se lembrava das histórias do pai, ficava com uma sensação de que era um conto de fadas impossível de se tornar realidade. Ele vivia com um grupo de 4 pessoas, todas mais jovens do que ele. Eles moravam entre uma pequena floresta, que antes era um parque, e os escombros de um antigo prédio que ainda tinha parte de alguns andares em pé. O verde já tinha recuperado uma boa parte do cinza da cidade e, como o parque já tinha um grande número de árvores antes, nessa área a recuperação foi mais rápida. Eles dormiam em uma pequena cabana feita de lona com duas valas escavadas ao lado. Isso permitia que a água da chuva fosse captada mesmo quando ninguém estivesse no acampamento. Assim, eles conseguiam fazer trocas com grupos que moravam nos esgotos sempre que ficavam sem conseguir caçar alguma coisa no parque. A troca não era agradável, mas aqueles que moravam nos esgotos sempre tinham uma abundante criação de baratas e uma escassa captação de água. Pronto, a troca perfeita estava feita: um pote de água por um de baratas. No começo é nojento comer elas, mas você vai fritando, as observando e pensando em sua fome. De repente, param de ser tão nojentas e passam a ser desejáveis ao pensar na crocância do exoesqueleto sendo esmagado pelos seus dentes, no gosto salgado se espalhando em uma boca que não sente nada a dias e na satisfação de ter alguma proteína no seu estômago. Mas graças a Michelle, que era a responsável pela montagem das armadilhas no grupo, esse canibalismo nem sempre acontecia. Ela aprendeu tudo que sabia com a sua mãe e tentava passar para a sua irmã mais nova Micaella, mas ela sempre esteve mais interessada nas histórias do mundo do passado que Isaac contava. Já Yuri e Regis eram os responsáveis pela segurança e arrumação do abrigo, sempre pensando em jeitos de afastar outros grupos, além de deixar tudo limpo e funcional. Como era o mais velho, Isaac supervisionava todos e sempre preparava as refeições. Era um grupo bem limitado que foi formado pelos pais de Michelle e Isaac, mas que de alguma maneira inexplicável continuava sobrevivendo.
    Antigamente havia mais membros, chegando a ter 15 pessoas em seu auge. Porém, como o acampamento ficava muito perto da mansão de Thomas, muitos eram capturados e outros fugiam com medo de terem o mesmo destino. A última baixa do grupo foi Juan que, enquanto caçava com uma lança, foi visto por um drone que patrulhava os arredores da mansão. Ele tentou correr, mas, com o lançamento de um projétil menor que uma bola de gude e macio como uma pena, ele caiu no chão imobilizado. Logo depois foi recolhido por um robô que voava a poucos centímetros do chão e que era do tamanho de uma van. Alguns diziam que a pessoa capturada era torturada por informações assim que acordava, já outros diziam que virava fertilizante para a plantação de flores dos ricos.
    Na realidade, ninguém sabia o que acontecia dentro da mansão e nem como ela era por causa dos enormes muros que separavam as duas realidades. Era até amedrontador olhar para ele toda noite antes de dormir, pois, mesmo em meio a tanta escuridão, ele ainda se destacava como se fosse um corpo vivo que se aproximaria de você durante o seu sono e te mataria enquanto estivesse indefeso. Já durante o dia, ele perdia um pouco dessa magia. Embora só tenha visto a barragem de uma hidroelétrica em um antigo e acabado livro de geografia, Isaac imaginava que deveria ser muito parecida com esse muro, mas só que ao invés de ter comportas para liberar a água, tinha pequenos buracos por onde saiam drones de vigia e alguns outros robôs. Mesmo de longe dava para perceber a vegetação subindo pelo muro e um musgo verde se formando na base enquanto lutava contra o preto da sujeira. De resto, parecia ser originalmente cinza escuro e totalmente liso, sem nenhuma imperfeição à vista e sem nenhuma chance de ser escalado, pelo menos não antes de ser visto pelos gélidos vigias.
    Isaac pensava muito nesse muro e se lembrava de uma história que o seu pai lhe contou, mas que nunca compartilhou com mais ninguém. Segundo ele, era uma história perigosa demais para ser divulgada e que poderia comprometer a vida de muitas pessoas. Talvez até mesmo se tornando a nova lenda de El Dorado. Era sobre um dia de trabalho comum, bem cansativo como sempre, e ele preparava um chá para levar até a sala de reuniões de Thomas. Logo depois de bater na porta e entrar, ele viu uns engenheiros apresentando um projeto de uma bela mansão com grandiosos muros. Na hora ele achou que o senhor Thomas ia reformar ou se mudar para um outro terreno, então não se importou muito. Mas, graças a sua memória fotográfica, viu os mesmos muros se erguerem no final da fase bruta do extermínio. Isso não seria de grande ajuda se ele não tivesse percebido que a mansão do projeto era exatamente igual e no mesmo lugar que a mansão onde trabalhava. Portanto, deveria ser a mesma ou pelo menos ter a mesma base e, se for assim, provavelmente ainda teria o mesmo túnel de fuga entre o corredor do primeiro andar e o quintal. Ele tinha sido criado na época da 2º Guerra Mundial para ser usado se algum exército inimigo invadisse. Depois foi reformado ao longo dos anos para o caso de haver um golpe comunista. No fim, só foi usado por gerações e mais gerações de adolescentes para fugir de casa, mas mesmo assim ainda deveria estar lá. Isaac se lembrava de um desenho que o seu pai fez para ilustrar o que estava contando e onde mais ou menos deveria ficar cada coisa hoje em dia. E, logo quando terminou a história, pediu para que ele só tentasse usar essas informações no momento em que soubesse que estava sem saída, pois as chances de morte eram muito maiores que as de sucesso. Ele falava que era como apostar na loteria, mas Isaac nunca entendeu muito bem essa expressão.
    Ele guardou esse segredo durante anos, tentando descobrir quando era a hora certa já que havia só uma tentativa antes do boato se espalhar ou se perder para sempre. Guardou até que Micaella foi capturada enquanto verificava se as armadilhas tinham pego algum animal. A sua irmã estava longe e não pôde fazer nada. Michelle ficou chorando durante uns dois dias seguidos, se culpando e imaginando pelo o que a sua irmãzinha estava sofrendo. Via ela em todos os cenários que diziam ser o destino dos capturados, mesmo sabendo que a maioria eram apenas histórias para assustar os mais jovens. Mas talvez alguma fosse verdadeira, não é? Alguma tinha que ser a verdadeira. Talvez não criassem as pessoas como gado para o abate e nem lutavam até a morte entre si para entreter os ricos, mas com toda a certeza morriam. Esse era o final de todas as histórias.
    Nesse momento, Isaac teve que admitir pela primeira vez que estava sem saída. Na realidade, há muito tempo não tinha nem sequer um caminho para o qual poderia seguir. Ver o seu grupo definhar ao longo dos anos e estando mais perto da extinção a cada dia doía como uma ponta de lança presa em sua carne, então Isaac teve que contar a história para o grupo. A decisão não seria dele, mas havia somente duas opções: eles podiam ir para o mais longe possível do muro e esquecer tudo ou podiam ficar, tentar invadir e torcer para não morrer. Houve um pouco de revolta por ter contado isso só agora, mas ele sabia que o tempo faria com que todos entendessem o porquê de ele ter escondido. Mas, como estavam cansados da realidade e do terrível cotidiano, decidiram lutar ao invés de fugir e assim começaram a elaborar o plano para a invasão.
    No dia seguinte, tudo que foi planejado já começou a ser colocado em prática. Eles entraram no esgoto logo após o parque e seguiram por ele até ficarem a mais ou menos uma quadra de distância do muro. Eles sabiam que entrando depois do parque não iam se deparar com nenhuma outra pessoa porque ninguém era tão louco de chegar tão perto daquela muralha amaldiçoada. O cheiro não era o pior do mundo já que não recebia esgoto há muito tempo, mas mesmo assim a sensação de ser algo sujo e nojento ainda prevalecia. Para organizar o trabalho, eles se dividiram em duplas que iam trabalhar por 12 horas seguidas. Isaac e Michele ficaram com o primeiro turno, o que foi um alívio já que ela era a única pessoa com quem conseguia ficar em silêncio sem se sentir constrangido. Com os outros dois, sempre parecia que algo estava errado e precisava ser preenchido com papo furado. Portanto, essa divisão seria ótima já que as conversas somente atrasariam o imenso trabalho que teriam pela frente.
    Em uma escavação todas as partes são difíceis, mas a mais difícil sempre é a que você está fazendo naquele exato momento. E, nesse caso, o começo era a parte mais difícil. Isaac tinha que calcular exatamente o ângulo em que o túnel tinha que seguir para atingir a passagem subterrânea do quintal. Depois de conferir milhares de vezes o mapa e ouvir diversos “não sei” de Michelle quando perguntava se estava certo, marcou com algumas pedras a direção e ficou feliz em perceber que era onde o concreto do esgoto estava cedendo. Ele trabalhou durante uma hora e conseguiu atingir a parte de terra do túnel. Michelle continuou e conseguiu fazer o comecinho da passagem. E assim eles foram se revezando de 1 em 1 hora para que pudessem descansar um pouco. Eles marcavam o tempo com uma ampulheta improvisada a partir de uma antiga garrafa pet e escavavam com pedaços de metal antigo presos em pedaços de madeira que originalmente seriam utilizados em armadilhas. Não eram as melhores ferramentas e quebravam facilmente, chegando inclusive a fazer alguns cortes quando a parte de ferro soltava com um golpe forte, mas era o melhor que podiam fazer.
    Quando acabou o seu turno e pôde voltar para o acampamento para descansar, só queria ficar deitado na terra amaciada pela grama e olhar para o céu enquanto ainda tinha a chance. Logo ele iria cair no sono, acordar e voltar para a escuridão. Ele tinha medo de voltar para lá. Não um medo paralisante, mas um que embrulha o estômago e te deixa trêmulo. O máximo de luz que eles tinham era um pouco de gordura que eles deixavam queimar no meio do caminho. O cheiro de animais em decomposição predominava, se sobrepondo ao cheiro de terra úmida. E, por estar fazendo bastante esforço físico, era obrigado a respirar mais vezes, sentir esse cheiro pútrido invadir as suas narinas e dominar a sua mente. Mas o que o deixava mais irritado era saber que ia demorar e que provavelmente já seria tarde demais para encontrar Micaella viva. E a cada dia que passava, a demora só irritava ainda mais. O problema não era mais a intensidade do trabalho, mas a longa distância que estava se formando. Os turnos tiveram que passar de 1 hora por pessoa para 3 horas porque simplesmente demorava muito para se rastejar até o fim do túnel. As discussões aumentaram e a maioria tinha Isaac como alvo, indo desde o quanto cada grupo estava escavando até questionamentos em relação a direção em que estavam seguindo. Mas todos que discutiam não acreditavam realmente no que falavam, era só uma forma de se livrarem de toda a raiva e frustração que acumulavam. Eles precisavam descontar em alguém porque também tinham medo de ter tomado a decisão errada. Tinham medo de ter escolhido a morte e literalmente estarem cavando o seu próprio túmulo.
    Depois de 1 semana e meia trabalhando 24 horas por dia, Isaac fincou a sua pá na terra e ela quebrou ao se chocar com o concreto. Ele fechou os seus olhos enquanto a sua pupila olhava para cima, respirou fundo e sentiu uma lágrima caindo do seu olho direito. Finalmente tudo estava próximo de acabar, seja de uma maneira boa ou ruim, mas acabar. Os próximos passos já estavam traçados e prontos para serem postos em prática no pôr do sol, logo quando os pássaros começam a cantar. Enquanto Isaac quebrava o concreto e invadia a mansão, o resto do grupo iria se separar em volta do muro e começaria a queimar uma série de bonecos de palha para distrair uma parte dos robôs responsáveis pela segurança. Logo depois disso, os três iriam se reagrupar dentro do parque e esperar o sinal de Isaac. Seria algo simples, talvez até invisível para alguém com olhar desatento. Ele faria uma fogueira dentro dos muros e pela primeira vez todos que estavam lá fora veriam fumaça saindo da fortaleza. A lenha seria os corpos dos ricos que moravam lá. Talvez possa parecer radical, mas o único jeito de uma barata não morrer é quando o exterminador tem medo dela. Ele tinha certeza que essa história se espalharia e faria com que todos os ricos temessem as baratas novamente.
    Logo após o primeiro pássaro piar e chamar todos os outros para o céu numa revoada que passa dançando pelas nuvens, as faíscas começam a surgir em bonecos de palha e os drones se juntam aos pássaros. O som surdo de uma haste de metal sendo golpeada rápida e sucessivamente por uma pedra encoberta de panos ecoa baixinho pelos esgotos. O suor descendo pelo rosto de Isaac como se ele tivesse acabado de sair de uma chuva não negava o esforço que ele fazia na luta contra o concreto. No começo, o seu adversário resistia em ser perfurado, sendo desgastado lentamente, mas, quanto mais era danificado, maiores eram as lascas que caiam. Depois de meia hora, já conseguia ver a luz do outro lado e bastou só mais 20 minutos para que conseguisse passar pelo buraco. Enquanto se espremia para alcançar o outro lado, sentia as lascas de concreto arranharem cada centímetro do seu corpo e o sangue quente brotando com ardência em alguns dos cortes. A primeira parte do corpo a sentir o cimento frio do outro lado foram as suas mãos e logo depois os pés, deixando o buraco para trás.
    Antes de prosseguir, Isaac decidiu ficar sentado por uns cinco minutos no chão para descansar e aproveitar o sorriso debochado que se formou em seu rosto após essa primeira conquista. Estava dentro. Não era um túnel grandioso e requintado, mas era do lado de dentro dos muros. Tudo à sua volta era cinza e escuro. A única iluminação eram pequenas luzes de emergência grudadas na parede separadas por uma distância tão grande que não iluminava todo o túnel. Mesmo assim pareciam grandiosas para alguém que viu somente alguns poucos LEDs no decorrer de sua vida. Chegavam a ser tão fascinantes que até o hipnotizavam por alguns segundos. Mas chegou a hora de se levantar e continuar, então tirou uma faca do cinto e começou a andar silenciosamente. Ele saia da luz de uma lâmpada, entrava na escuridão e seguia o caminho até encontrar outra luz mais adiante. Isso se repetiu umas dez vezes até encontrar uma grande porta de ferro na sua frente com um enorme leme grudado nela e que era usado para trancá-la. Ela estava com limo em algumas partes e já dava para ver sinais de ferrugem lutando contra a sujeira. Isaac sabia que seria difícil de girar e puxar a porta, então deixou a faca no chão, respirou fundo umas três vezes e jogou todo o seu peso contra o leme o forçando a girar no sentido anti-horário. Depois de alguns segundos sem se mover nem um milímetro, um clique foi ouvido e a roda começou a girar lentamente. Quando não conseguia mais girar, puxou a porta com toda a sua força até que tivesse espaço o suficiente para passar. Os rangidos soltados por ela o faziam praguejar em sua mente com todos os palavrões que sabia. Não tinha como fazer silêncio nessa parte, então só podia torcer para que ninguém ouvisse.
    O lado de dentro da porta era mais brilhante. Essa foi a primeira coisa que percebeu quando chegou ao outro lado. Logo depois, pegou a faca e passou um pé de cada vez pela porta. O piso era de uma madeira lisa e o ar, que no túnel era frio, estava em uma temperatura perfeita, nem quente e nem frio demais. A sua direita tinha uma escada com uma porta de madeira no topo e a esquerda havia dezenas de barris na horizontal com torneiras fixadas na tampa. E bem na sua frente tinham fotos em preto e branco de pessoas sorrindo. Demorando um pouco para juntar as letras, viu que em cima delas estava escrito “Mural do agradecimento”. A voz da mãe de Michelle surgiu em sua cabeça falando “Os ricos são pessoas estranhas, cada um tem a sua excentricidade.”. Essa foi a resposta dela quando Isaac perguntou porque existiam drones que tentavam machucá-los. E agora ecoava em sua mente. Talvez por isso decidiu se aproximar e olhar quem eram. Foi passando o olho rapidamente em cada uma das fotos. Como não reconhecia ninguém, pensou que poderiam ser os bilionários que participaram do plano ou dos descendentes de Thomas. No momento em que chegou na última foto, já estava preparado para fazer o movimento de voltar e subir as escadas, mas parou. Os seus músculos paralisaram totalmente e o único movimento que aconteceu nos segundos seguintes foi uma lágrima rolando do seu olho esquerdo. A foto era de Micaella. Ela estava mais limpa e com o cabelo arrumado, mas com o mesmo sorriso que dava quando Isaac contava as histórias do passado. Ele reconheceria esse sorriso em qualquer lugar porque normalmente era a única parte do seu dia que valia a pena. Às vezes era o que o fazia ter esperanças.
    A raiva, que já era grande, só aumentou. Ele fechou os punhos com força e limpou a lágrima. Não queria ver mais nada lá embaixo, só acabar com tudo. O mais rápido possível de preferência. Então subiu as escadas, abriu a porta e seus olhos se fecharam com a luz intensa. Aos poucos seus olhos se acostumaram e começou a identificar o local. Era como um corredor largo e decorado com um papel de parede branco com formas amarelas retorcidas, como se estivessem dançando. Havia três quadros bem coloridos, mas sem nenhum desenho em específico. Mas o que mais o fascinou foi o tapete. Ele era bem peludo e, quando colocou os pés nele, foi como se estivesse sendo absorvido pela areia molhada depois de uma onda. Era acolhedor, mesmo estando em terreno hostil.
    Depois de se acostumar, tinha que decidir se iria pela esquerda ou direita. Não tinha nada que indicasse o caminho certo, então foi para a direita. Os seus passos eram lentos. Bem lentos. Um pé de cada vez. Sem se apressar. E assim chegou perto de uma porta que estava em uma completa escuridão. As palmas da sua mão suavam e molhavam o cabo da faca enquanto o medo aumentava. Respirou fundo e deu um passo para a frente. Poucos centímetros antes do seu pé encostar no chão, viu uma sombra surgindo na sua frente. Em um movimento rápido e puramente instintivo, levantou o braço até a altura do queixo e tentou atingir a sombra com um golpe de faca no peito. A sombra foi mais rápida, golpeou com uma das mãos a articulação do braço e com a outra forçou a faca a se voltar contra o corpo de Isaac que a sentiu perfurando o seu estômago. Uma ardência mortífera se espalhou por onde a faca passou e, mesmo quando a soltou, ela continuava pendurada em sua barriga. A única reação que conseguiu ter foi dar alguns passos para trás e se apoiar na parede. Isso fez com que a sombra andasse para a frente e se revelasse. Ela tinha o rosto de alguém morto. De alguém simplesmente impossível. Enquanto começava a engasgar com o seu próprio sangue quente, via o seu pai com um terno preto e com uma aparência bem mais jovem se aproximando. Era ele que o tinha esfaqueado, mas era impossível que estivesse ali. Isaac o viu morrer em seus braços há 15 anos atrás e, mesmo se não tivesse, ele não o mataria, não o seu pai. Os pensamentos de Isaac já não fluíam de forma ordenada quando aquela coisa se aproximou de seu ouvido e falou com uma voz calma e familiar “O Sr. Thomas não gosta de baratas em sua casa, então vou ter que pedir para se retirar.”. Ele torceu a faca logo depois da última palavra e uma pontada de dor se irradiou pelo seu corpo como se tivesse sido atingido por uma forte corrente elétrica. A última reação de Isaac foi encostar no pescoço de seu pai e encarar os seus olhos enquanto a escuridão se aproximava. Não existiam batimentos em seu pai e logo não existiriam nele mesmo. A sua cabeça caiu pesadamente para frente e os seus olhos ficaram abertos, mas não enxergavam nada além da escuridão.
  • Acampamento infernal

    O acampamento era para ser apenas um sonho de Stuart. Dizia ser um aventureiro de acampamento. E eu sempre acreditei. Ficou de me levar a um, após três anos e meio de amizade. Afinal, éramos concunhados. Passamos meses tentando convencer nossas esposas. Juramos ficarmos três dias no acampamento.
    Finalmente chegamos ao local. Era por volta das oito horas da noite...
    Chegamos, montamos a barraca e logo fizemos a fogueira.
    O cenário era lindo. Era uma parte da Serra da Mantiqueira entre a zona norte de São José dos Campos com o Sul de Minas Gerais.
    Mata virgem e já pela noite: um belo cenário acampado de uma linda noite de lua cheia junto de nós.
    Tínhamos a missão de lá pelas seis horas da manhã estarmos de pé e desmitificarmos a linda selva virgem que nos recepcionara.
    Jantamos, cantarolamos alguns rock dos anos oitenta e noventa ao nosso belo violão e tratamos de apegar ao sono.
    Entramos na barraca e aguardávamos pelo sono.
    De repente; ouvimos passos.
    — Stuart, temos visita! – sussurrei já com o coração na boca. Sempre fui medroso, mas aquela selva, lua cheia e ambiente deserto: amedrontou-me mais ainda.
    — Xiiiiiiuuuuuu! – ordenou ele, sussurradamente, logo apoderando de uma arma cujo carregara sempre que acampava. — Não convidei ninguém.
    Os passos logo pararam. Uma voz masculina soou:
    — Oh, de casa!
    — Estão nos chamando! – calculei, já se empalidecendo de vez, enquanto a boca começava a secar.
    Stuart não teve opção e com a arma apontada a uma possível reação pediu que eu abrisse a barraca, mas deitado no chão.
    Abri e fomos recepcionado por um sorriso largo e falso do emissor.
    Leigo a sua má fé, saí da toca o atendendo, mas numa visão da qual percebi que Stuart ocultava a arma mirada ao caboclo.
    Stuart logo saiu armado e engatilhado com a arma ao sujeito.
    — Hei! Hei! Somos de paz! – alegou um dos caras, enquanto o outro nem pronunciou.
    Stuart não se compadeceu, continuou com a arma mirada e os indagou:
    — O que fazem por aqui? Em quantos são?
    — Muitas perguntas pra poucos segundos. Somos em dois. – pausou o sujeito.  — Mas estamos em paz. Poderia abaixar a arma?
    Stuart não engoliu a resposta. Passou alguns segundo os encarando.
    De repente, um forte e sinistro som horripilante ouvimos vindo da direção da mata.
    — Tufão! Tufão!
    — Quem de vocês é o Tufão? – explodiu Stuart, ao zig-zag mirando a espingarda aos dois sujeitos, enquanto me orientava a dar passos para trás. — Vamos? Me diga, qual de vocês é o Tufão?
    Os suspeitos gelaram. Enquanto do lado do chamamento por Tufão, foi possível ouvir disparos e vários ruídos de um som de um possível animal selvagem e feroz.
    O o chamamento pelo o tal de tufão, disparava desesperadamente, enquanto o rugido do possível animal selvagem aumentava insinuando-nos vencer a presa.
    — Não sei quem são vocês, mas saiam daqui ou eu atiro em vocês dois. – ameaçou Stuart, dando um tiro ao alto.
    Os caras demonstraram perdidos.
    — Abre o jogo, Tufão! Abre o jogo, cara! – desesperou o comparsa, interrompido pelo companheiro.
    — Cara a boca, otário! Cala a boca!
    — Ah, então você que é o Tufão?
    Ambos se calaram, ligeiramente um deles tirando a arma da cintura e desdenhou:
    — Abaixa a arma, truta! Tanto nós como vocês estamos correndo risco de morte.
    Stuart não se intimidou. Entretanto, do nada surgiu uma sombra do possível animal selvagem, onde o rugido ganhou o ambiente.
    O sujeito armado mirou a arma em direção da fera e disparou três tiros.
    Stuart me puxou e corremos por outro lado. Um dos sujeitos veio atrás numa possível síndrome da pane.
    — Parem! Parem! Não sabemos quantos desse animal têm por aqui. – alertou aos berros o sujeito autor de disparo contra a fera.
    Paramos, enquanto ele aparentou aproximar. Junto dele ressurgindo a fera.
    Sem consentimento, unimos e quando percebemos, paramos no mesmo carro. Era o de Stuart.
    — Corre! Corre! Abre a porta! Não temos muita munição. – desesperou o sujeito mais agressivo.
    Stuart jogou a chave do carro na minha mão e me encarregou de abri-lo, enquanto ele despistava a fera junto do outro.
    No maior sufoco, abri. Embocamos loucos no carro.
    Por questão de segundos, nossos olhos nos mostraram em triplo o animal selvagem e em posições diferentes a vários ângulos.
    Assustamos! Eles pareciam famintos e certos de que seriam nós os seus aperitivos.
    De repente, um forte berro ouvimos de dentro do carro. Berro de desespero e vindo de alma.
    Quando demos por si, era o sujeito medroso. Berrando e nos mostrando única direção. Atendendo-o miramos nosso olhar. Era o corpo espatifado de um dos seus comparsas de cabeça aberta e com enorme buraco na barriga, sem já as pernas e braços. Com certeza os selvagens já teria o devorado uns quarenta por cento.
    A insinuação dos animais triplos nos convenceu de que a cena era real. Eram mais feras por ali.
    Stuart, não pensou duas vezes, passou a mão no volante e botou o carro para ligar. Algo o surpreendeu:
    — Droga! – irritou, dando murro no volante.
    — O que houve? – espantei.
    — A chave.  Cadê a chave? – bisbilhotou ele, procurando-a pelo carro. Todos começaram a procurar. Foi quando raciocinei: possivelmente estaria na porta do lado de fora. Dito e feito!
    Bem que tentei pegá-la, mas o berro do sujeito medroso me assustou, contagiando de vez de medo.
    Stuart procurou me encorajar, enquanto o outro, calava o sujeito medroso tampando-o pela boca.
    Não tive força. Desapontei Stuart e o outro sujeito. Stuart passou para o banco detrás, encarregando de prosseguir a postura do sujeito valente, enquanto ele se encabeçava de tomar o meu lugar.
    Sem espaço, pulei para o lugar de Stuart, enquanto o outro encarregava de pegar a chave do lado de fora da porta.
    Olhamos para todos os lados...
    Do lado do passageiro da frente, sentimos a um consentimento de olhar de que daria para abaixar o vidro e pegar a chave. Que nada! A noite breu, o desfecho daquele sujeito pelo destino e o silêncio das feras nos desapontaram. Não demos conta. Foi por questão de instante, assim que sujeito colocou braço e uma parte do membro do corpo pra fora, do nada uma das feras apareceu. Foi um rugido tão forte do qual pensamos que a fera tivesse estourado um dos vidros do carro e nos feito companhia.
    Que nada! Teria atacado o tal sujeito valente e a força era tanto do qual sacudia fortemente o carro. Stuart perdeu a cabeça, necessitou dar uns quatro socos fortes no sujeito medroso para que parasse de berrar. Parou por desmaiar.
    Agora a síndrome do berro pegou Stuart. Do nada começou a berrar, enquanto procurava de alguma forma sair do banco detrás com a intenção de amenizar o clima no carro. O balanço era total. Eram berros instantâneos:
    — Corre! Faça alguma coisa! Essa fera não pode entrar aqui.
    Fiquei pálido. A fera parecia vencer o sujeito por qual razão aparentava ter se tornado sua presa.
    Algo nos chocou, a força da fera era tanto que vimos uma boa parte do corpo do sujeito se deslocar um pouco mais para fora do carro.
    — Mineiro, empurre-o para fora! Empurre-o para fora!
    — O quê? O que você está falando?
    — Empurre-o para fora! Vá! Não há chance de ele sobreviver. Ou o empurramos ou seremos a próxima vítima.
    Não tive força. Stuart identificou a minha incerteza ao caso. Empurrou com tudo o sujeito cujo estava desmaiado do seu lado e em seguida, empacou para frente fazendo daquilo que havia me pedido.
    Em questão de instante, a presa se foi com a fera. Ficamos sem a chave e com menos um dos sobreviventes.
    Levei minutos para recuperar o fôlego.
    Stuart nem se importou. Fechou desesperadamente o vidro e me pediu todo o silêncio possível. Arrancou a própria camisa e me passou:
    — Tome! Se der vontade de gritar, morde o pano.
    — Mas, e se o outro acordar? – sussurrei, interrompido por ele.
    — Aquele dali? Ficará boas horas desacordado. – desdenhou, logo agachando numa posição e mexendo na parte abaixo da direção do carro.
    — O que você está fazendo?
    — O que já deveria ter feito há tempo. – contestou, pausando a um tom animador, em seguida se vangloriando pelo ruído do motor do carro.
    — Pegue a espingarda! Se a fera aparece, mete bala!
    — Mas eu nunca fiz isso.
    — Sempre tem a primeira vez.
    — E se eu não conseguir...
    Stuart parou. Apoderou da minha cabeça com as mãos e pela inclinação de sua cabeça à minha, saquei que havia me encarado:
    — Mineiro, não temos escolhas... ou você dispara contra as feras ou elas nos matam.
    Não tive tempo de responder. Stuart se virou, pegou a espingarda, a carregou e me passou. Em seguida ligou o carro e tratou de nos tirar dali.
    A cena foi forte. De faróis ligados, vimos as duas vítimas servindo de alimentos às presas. Uma delas parou e encarou em nossa direção.
    Stuart desligou o farol e tratou de acelerar o carro. Quase capotamos o carro. Deveria ser alguma parte de um dos corpos deixados para trás.
    Tive que brincar de Stuart. Mirei ao que pude a espingarda entre elas e saquei sem dó as balas contidas.
    As feras não se revidaram. Sumiram pelas matas deixando as presas possivelmente sem vida para trás.
    Stuart logo tratou de acender o farol e pegar a estrada de Monteiro Lobato.
    Já no asfalto sentimos que o nervosismo foi deixando de nos dominar. Paramos no primeiro posto policial e contamos a mesma história encenada pouco antes de sairmos da mata.
    Voltamos com os policiais até o local.
    Stuart é um cara que ganhou meu respeito. Cara estrategista, se ele não tivesse dado uma nova presa às feras antes de sairmos da mata, poderíamos ter entrado numa enroscada e das bravas!
    O trio morto pelas feras, nada mais eram na verdade uma quadrilha de alta periculosidade, pois por onde passavam alguns estragos deixavam. Eram foragidos há anos da justiça.

     

  • Amor e Morte - Em Breve...

     Amor e Morte, confira!!!
    Jacqueline é uma bela moça de 24 anos. Ela cursa a faculdade de letras e sonha em ser professora. Sua tia, Clarisse é quem cuidou dela desde criança quando sua mãe faleceu. Carlos, esposo de Clarisse é um homem sério, duro e rigoroso. Ele já foi policial, mas acabou perdendo o posto após bater em sua mulher e agredir um outro PM enquanto não trabalhava. Jacqueline conhece Juliano, um rapaz sonhador, que só quer curtir a vida ainda jovem. Sua mãe, Maria não gosta das atitudes do filho. Seu pai, Eugênio, o apoia em tudo o que for de bom para a vida de Juliano. Gilberto, o diretor da empresa Andrade Empreendimentos vive uma situação conturbada com Carolina, com quem tem um filho de 3 anos. Gilberto acaba conhecendo Clarisse, com quem quer ter uma história de amor. Paulo é dono da Andrade Empreendimentos e acaba discutindo com Gilberto. Em um certo dia, Gilberto é morto e uma série de suspeitos rondam a história. Em breve, sua nova história policial. de Crystofher Andrade, Amor e Morte.
  • Aniquilação

    Estruturas ovaladas rasgaram o céu púrpura de um mundo distante tomando pra si a atenção da vida que habitava o lugar. De imediato, mães pararam de amamentar, os pequeninos cessaram as correrias ao derredor, os líderes, nas densas matas, embargaram a caçada e os que se encontravam no interior de suas construções primitivas irromperam à área externa.
    As naves?, suspensas abaixo das nuvens, começaram a emitir um retinir intervalado, que foi ouvido talvez por todo o planeta. Os seres presentes no solo observavam, bovinamente, aturdidos e levemente receosos, mas a curiosidade era glacial naquele momento. O que seriam aquelas coisas?
    Após o início da cacofonia sonora por parte das estruturas flutuantes alguns dos nativos correram para dentro de suas tocas, as mãos erguidas em excitação e medo, e apenas levemente inclinados para fora fitavam aquele estranho fenômeno. A grande maioria permaneceu a céu aberto com as atenções voltadas para cima. Esperando o próximo passo.
    De repente, o compartimento inferior das naves se escancarou. E de lá saíram várias esferas metálicas, talvez centenas. Com esse novo fato, mais um tanto de espectadores se puseram à correr e entraram nas suas cavernas. Os que permaneceram em plateia aberta prostraram as mãos em frente à face e curvaram seus corpos. Numa tentativa instintiva de se proteger. Mas continuaram a assistir àquilo por entre os dedos.
    As esferas, de repente, eclodiram. Do seu interior, um pó dourado se expandiu como uma nuvem de ouro, escurecendo a terra abaixo. E logo após tomar todo o céu, despencou na terra. E como um manto nefasto de ouro, embrulhou à todos que se encontravam no solo.
    Os nativos começaram a correr em agonia. A carne dos seus corpos, banhados pelo pó dourado, começaram a encrespar. A nuvem sulfurosa abriu fendas na pele deles e jatos de sangue eram lançados em todas as direções. Ganidos e uivos guturais puderam ser ouvidos. Com o avanço da corrosão, a pele e os músculos começaram a soltar dos ossos.
    O que se viu em seguida foi uma horda de desmembrados se arrastando no solo e urrando. Dos pequeninos aos mais velhos. Sem entender o porquê daquilo.
    Enquanto isso as naves permaneciam dispostas e imóveis no ar, agora em total silencio, assistindo àquele circo sangrento. Quando o último corpo no solo parou de se mover os discos romperam os céus e sumiram para imensidão do espaço. Deixando para trás a mais pavorosa ilustração.
  • As aventuras de Guto : O Thiago repórter. parte 2 (final)

    No último episódio,Thiago estava cansado de sua vida chata e resolveu fazer alguma coisa,na mesma hora passava o canal da tv,então Thiago resolveu ser repórter,só que num mistério,mentiu dizendo que Charlie era o ladrão procurado e colocou seu amigo em risco. Veja o que acontece na parte 2.
              Mesmo fazendo muito sucesso na televisão,Thiago estava triste do que fez,e na hora que ele ia contar todo o incidente o diretor o interrompeu:
                    - Bem garoto,você é muito esperto.Que tal...
                    - Não diretor,eu tenho que contar uma coisa,eu..
                    -...Receber a insignia de melhor repórter da história da CDN?
               Thiago não resistiu a essa proposta e teve que aceitá-la e dali em diante,virava o garoto propaganda da CDN e ao chegar,sentia uma sensação feliz e triste e para se acalmar ligou a Tv e recebeu uma notícia bombástica:
          "O ladrão de codinome Charlie e seus aliados vão ao juizado de menores amanhã as 12:00 e será transmitida no Brasil,no Uruguai e na Venezuela,onde o ladrão atacou''
                 O pior,é que seria na horado almoço da escola e Thiago seria forçado a assistir.
             Na hora do almoço,existia na frente de Thiago,uma sensação de amor e ódio.Uns estavam felizes e outros enfezados.E Thiago teve uma decisão: sair correndo para contar toda a verdade no juizado de menores,quando chegou lá,teve prioridade para falar:
            - Eles não são os verdadeiros ladrões,o de verdade é o...DIRETOR!!!
       E de fato era o diretor,e com isso Thiago aprendeu uma lição: Nunca aceite trabalhar com menos de 18!!!
  • As crônicas do Inferno I

    As crônicas do Inferno
    Sociedade Atemporal 
    Por Srta Oliveira 
                      &
          Carry Manson
    Os primordiais
    No início havia apenas sombras e o
    vazio.
     O multiverso era cheio de potencial para a vida, mas permanecia
    deserto.
     Até que um dia uma destas forças
    evoluiu, e então ele nasceu com todo o
    esplendor de um titã. 
    Caos o primeiro ser a existir.
    Ele não era personificado, 
    não era fogo, nem água,
    era apenas uma força magnífica.
    E como para cada força há um
    oposto complementar, quando menos esperou não estava mais sozinho.
    Logo de cada ruína que gerava,
    nascia uma flor.
    Para cada vida destruída, nascia
    um novo ser.
    Era ela que estava ali. A doce e
    perfeita Harmonia.
    No início ele a detestava, 
    pois suas obras eram constantemente embelezadas.
    E ela o odiava, pois sempre tinha que
    consertar as suas falhas universais.
    Por isso certo dia fizeram um acordo:
    “Destruirei o quê quiser naquela direção, e você criará o quê desejar
    naquele espaço.”
    E naturalmente tudo seria perfeito para
    os dois, estavam livres para criar e destruir sem parar.
    No entanto Caos percebeu com o tempo, que logo não haveria mais 
    nada para transformar em pó 
    ou ruína.
    E Harmonia notou que sua criatividade
    diminuíra,  de acordo com o quê criava
    sem razão alguma.
    Eles precisavam um do outro para existir, e quando deram por si estavam
    apaixonados.
    Havia algo encantador nas flores que
    nasciam no deserto.
    E incrivelmente motivador quando toda
    a criação perecia, e tinha de se fazer 
    de novo.
    Por isso logo se tornaram um só, e deste delicioso amor nasceram 7 deuses, que
    deram origem as dimensões conhecidas.
    O Deus Solitário e a Deusa prometida.
    7 Deuses caminhavam pelo multiverso,
    cada um com seu poder, e sua dimensão. 
    Todos estavam felizes, pois de acordo com que cresciam, descobriam também o amor que os gerou. 
    Assim desta união, nasceram os 4 elementos principais. 
    Espírito foi o primeiro que
    surgiu.
    Fogo foi o segundo.
    Ar o terceiro.
    E por fim a Água.
    Sim a Terra, era algo que não existia até
    o momento, e por isso restou um Deus.
    Ao contrário dos outros, este era especial.
    Todos os opostos masculinos eram
    semelhantes ao Caos.
    E os complementares femininos a
    Harmonia.
    O quê gerava um equilíbrio perfeito.
    Mas este Deus solitário não estava feliz,
    e como Caos e Harmonia não tinham
    novos filhos, jamais teria um 
    par.
    Por isso se tornou a força do conhecimento, e seguiu tentando
    criar a parceira perfeita, com
    os remanescentes de seus
    pais.
    Certo dia Harmonia encontrou o filho
    desesperado tentando criar um par,
    e ao ver suas lágrimas negras, levou
    aquele corpo frágil e vazio para
    Caos.
    Ele logo se apaixonou pela criação do
    filho. Ela era como uma parte sua que até então desconhecia, e por isso ele
    e sua amada, derramaram seu poder
    orgástico, sob aquele material 
    estranho.
    Foi então que ela nasceu, 
    a Grande e Majestosa Deusa Terra.
    Ela era diferente dos outros.
    Não era apenas uma energia, tinha um 
    corpo, mas era tão poderosa quanto
    os outros.
    O Deus solitário se apaixonou a primeira vista, mas como tinha passado
    muito tempo no escuro, não demonstrou.
    Harmonia e Caos concordavam com tudo, porém a chegada de Cerridwen mudou isso. Ela era como Caos e por isso ele sempre a protegia.
    Ele a ensinou a caçar, guerrear, a ensinou tudo o que ele sabia e ela se tornou sua melhor guerreira. 
    Nos duelos de treinamento que havia ela sempre ganhava principalmente 
    de seu irmão mais velho Yaweh.
    “Você é mesmo um chorão Yaweh, não aceita perder.”
    “Lógico você é mulher, é uma lástima. Papai não deveria te ensinar a guerrear.”
    “Você esta é com inveja. Você é o protegido da mamãe. O que vai fazer? Vai chorar pra mamãe vai??? ‘
    Toda vez que ela fazia isso, Yaweh
     ardia de raiva por dentro, ele odiava ser desprezado por ela e odiava mais ainda a forma como ela zombava
    dele.
    “Você deveria parar com isso Cerridwen, uma dama não se comporta assim” Disse Harmonia séria, mas serena.
    “Sim mamãe, me desculpe.”
    “ Deixa a menina Harmonia, ela só esta se divertindo. E damas devem sim lutar e não ficar como sonsas em casa.” 
    Disse Caos abraçando a filha.
    O tempo foi passando Cerridwen se tornava mais bela e mais forte, guerreava em nome do pai dela e Yaweh sempre a vigiava de longe. 
    A olhava quando ela tomava banho no riacho, ficava escondido a admirando. Ele a amava, mas odiava este sentimento.
    Até que um dia o inesperado aconteceu durante uma batalha Cerridwen, foi ferida gravemente e Yahwen a salvou, com isso ela passou a ter uma gratidão por ele, mas ele viu uma ótima oportunidade para concretizar seus planos.
    A escuridão e a luz
    O dia do casamento chegou, todos estavam contentes menos a noiva, em seu quarto Cerridwen se preparava, fazia hora, enrolava. Só queria que alguém a matasse, mas infelizmente ninguém fez isso. Ate que ouviu passos atrás de dela era Karlandisht um dos seus irmãos mais velhos, e  mais apegado a ela.” Você parece tão triste!?” “Não quero me casar com ele, tenho nojo dele, a presença dele me da nos nervos. Tento gostar dele, mas não dá. Sinto que nunca irei gostar dele. Sinto que jamais irei amá-lo.”
    “Não pensei assim, um dia vai sentir o amor. Tenha calma.” O casamento parecia uma tortura. Cerridwen mal podia visitar os pais, sempre isolada em seu jardim. Se ele quisesse vê lá ele ia, se não quisesse não ia. Se ele queria beija lá, ela o beijava. Durante muito tempo ela se entristeceu, vivia chorando. Fez de tudo para amá-lo, mas não conseguiu. Até que um certo dia viu um ser no seu jardim. ”O que faz aqui?”
    “Sou Sammael, meu senhor pediu para que lhe trouxesse algo.” 
    “Seu senhor, diga a ele que não quero nada. Diga a ele para me deixar em paz.”
    “Senhora melhor aceitar. Ele é benevolente, misericordioso.” Disse-lhe de maneira automática, pois assim foi treinado.
    “Ele é o que? Nunca foi. Ele é um monstro. Um torturador que sempre quer que acatemos as ordens dele” Disse-lhe furiosa. 
    Os dias foram passando e a amizade entre os dois se fortalecia o anjo estava amando aquele ser, sua amiga de todas as horas como ele dizia. Passou a ir vê-la escondido, já que seu pai não permitia mais. 
    “ Você deve sempre estar equilibrado, sempre de olho no seu adversário.” Disse Cerridwen segurando uma espada. Por um momento só ouviam os barulhos das espadas, Cerridwen estava se divertindo depois de tanto tempo. Adorava a companhia de Sammael, amava tudo nele. Até que em um movimento ele a desarma e a segura  quando seus olhos se encontraram.
    “Você é linda!” Disse-lhe encantado “Ah...Obrigada...” ela tentou dizer, mas sua fala foi interrompida por um beijo de seu amado.
    Naquele instante tudo aconteceu.
    Os dois se amaram, e descobriram ali, que o amor deles era invencível.
    Tempos depois Cerridwen foi se 
    refugiar no reino de sua mãe a 
    procura de abrigo. 
    Estava grávida e não sabia o quê fazer.
    “Essa criança é a marca de seu pecado.”
    “Mas por que mamãe? Porque eu amei outro?” “Este outro é seu filho. Ele nunca te contou? Yahwen não deveria ter esconder assim. Olhe a tragédia que isso gerou.” “Vai ficar aqui, ate o nascimento dessa criança, depois veremos o que fazemos.”
    Naquele momento Cerridwen havia se preparado para dar a luz.
    Estava preocupada, principalmente com seu amado. Não sabia o que fazer.
    Quando a criança nasceu, ela sentiu algo, que nunca havia sentido. A menina era alva, de cabelos ruivos e olhos violetas. Era linda, naquele instante ela sabia que possuía um pequeno ser que precisava dela.
    “mamãe ela é linda!” “Sim querida, ela e igualzinha a você. Ela te puxou Cerridwen”.
    Do lado de fora escutam-se gritos, Yaweh estava furioso. 
    Rapidamente Harmonia entrega a neta a um emissário de Sammael, e Yaweh
     se encontra com Cerridwen.
    “ Aí esta você. Vagabunda. Achou mesmo que eu nunca iria descobrir? Achou mesmo que eu não saberia o que você fez?” “Yaweh calma, por favor, não faça nada com eles, por favor.”
    “Onde esta a criança?” “Não vou te contar. Não vai tocar na minha filha.”
    Ele a agrediu diversas vezes. Harmonia teve medo do filho pela primeira vez, por isso deixou que ele fizesse o que fez. Cerridwen ficou trancada em uma cela na torre norte do céu, sofrendo torturas, abusos. Totalmente sem esperanças.
    O bebê iluminado
    Ela era um bebê quando tudo aconteceu.
    Foi uma surpresa para os pais, e
    para o seu tio.
    “Você precisa protegê-la Miguel.”
    Disse-lhe Samael, e o arcanjo 
    detestou a ideia.
    “Ela é o fruto do pecado de vocês.
    Ela merece o destino que a aguarda.”
    Respondeu-lhe sem pensar duas
    vezes.
    “Ela é muito pequena e inocente.
    Como os querubins. Não pode lhe
    dá as costas assim.” Retrucou, ao
    segurar aquela criaturinha ruiva
    de olhos violetas.
    “Por quê não a escondem no jardim?
    Nosso pai nem vem por aqui mais.” 
    Perguntou o arcanjo, até que o irmão
    lhe deu a menina alada, e ele a
    segurou.
    “Ela é linda.” Disse para o mesmo, ao segurar a criaturinha, que ficou a brincar com o seu cabelo.
    “Exatamente como a mãe dela. Miguel por favor, me ajude a cuidar dela, o jardim não é seguro.” Suplicou
    quase desesperado.
    “Está bem. Está bem. Vou levá-la a minha estufa. Lá é meu canto particular, e ninguém ousaria entrar
    ali.” Disse embrulhando o rostinho
    da pequena. “É um ótimo lugar.
    Assim Yaweh não irá achá-la.” 
    Concordou.
    Infelizmente houve um traidor que descobriu sobre a pequena, e 
    contou ao criador.
    “Uma criança? Que não nasceu adulta?! Como isso é possível!?” Yaweh bradou
    furioso.
    “A culpa é minha senhor.” Samael ergueu a mão, e assumiu a responsabilidade.
    “Samael?! Como ousou ir contra a regra?!” Ele ficou surpreso com a descoberta.
    “Eu me envolvi com um anjo chamado Layla, e ela faleceu no parto.” O pobre
    pai, mentiu para salvar a amada.
    “Não existe nenhuma Layla. Acha que não sei de toda a verdade?! Não me
    subestime.” Disse com raiva o
    criador.
    “Por favor não a machuque. A culpa é
    minha! Fui eu que a procurei!” Berrou
    o pobre brigadeiro, com lágrimas
    na face.
    “Os dois são culpados. E já que gostam tanto daquele mundo sombrio, viverão
    lá para sempre!” O criador retrucou.
    Nenhum dos outros anjos na 
    reunião sabia do quê exatamente 
    se tratava.
    Ninguém tinha coragem de perguntar,
    e por esta razão permaneceram em
    silêncio.
    “A partir de hoje Samael está 
    morto, e agora você será conhecido como Lúcifer a estrela da manhã!” Disse-lhe totalmente transtornado 
    com a traição, e então quebrou
    11 dos seus 12 pares de
    asas.
    “Pois tal como a estrela de dia, você não será visto no mundo celestial.”
    Esclareceu, dando-lhe a 
    sentença.
    “E você Miguel. Meu bravo e poderoso filho. Irá com este traidor, para vigiá-lo e impedi-lo de cometer outra grande
    falha!” Deu a missão para o arcanjo
    , e assim os dois partiram.
    Muitos anjos ficaram insatisfeitos com
     a decisão do criador, estava claro que Lúcifer só tinha cometido o pecado de
    amar, e por isso o seguiram.
    Esta foi a primeira e grande revolução Luciferiana.
    E o nome que deveria ser um sinônimo de vergonha, se tornou motivo de
    orgulho para o caído.
    Outro amor proibido
    O bebê alado levou muitos anos para crescer.
    Mas ao atingir 1500 anos, se tornou uma linda adolescente, que vivia no laboratório do arcanjo.
    “Quando vou poder ir para superfície?” 
    Perguntava animada para o protetor.
    “Nunca e meio.” Respondia-lhe com
    frieza.
    “Mas eu quero muito conhecer este tal céu.” Retrucou fazendo manha.
    “É perigoso. Aqui embaixo, com seus familiares é mais seguro Luciféria.”
    Disse ao continuar a estudar os seus experimentos.
    “Não acho. Para mim, o perigo está em toda parte.” Disse sentando-se a 
    mesa.
    Com o seu vestido branco e curto, 
    bem na frente dele, deixando-o envergonhado.
    “Modos fazem uma dama.” Disse com 
    a face corada, coçando os cabelos
    louros e escuros.
    “Azazel diz que o importante é ser livre.” Rebateu como quem tem 
    razão.
    “Azazel só pode mesmo ser filho de Lúcifer.” Resmungou revirando os
    olhos, com um sorriso.
    Miguel era focado no trabalho, e 
    por mais atraente que Luciféria fosse, ele evitava vê-la com outros olhos,
    pois considerava um pecado
    mortal.
    Luciféria era livre como a mãe, e não
    conhecia termos como “moral” e “bons
    costumes.”
     Miguel tentou fazer dela uma dama,
    mas por mais educada que fosse, ela
    permanecia sendo um espírito
    rebelde.
    “Segure a taça desta forma.” O arcanjo disse, ensinando-a a ter boas maneiras, e como uma jovem deve se portar.
    “Que tal me ensinar como segura uma espada?” Perguntou entediada, imitando-o com exatidão.
    “Damas devem ser inteligentes, e não podem participar de batalhas.” Disse-lhe cortando a carne em seu prato.
    “Damas são chatas. Prefiro ser como a minha mãe.” Retrucou tomando os utensílios da mão dele.
    Miguel nem sequer imaginava, no começo. Mas quando ia para a batalha, o irmão mais velho dela Azazel, a levava para floresta, e tentava lhe ensinar a
    se defender.
    “Lucy. Não é uma dança é uma luta!” 
    Azazel ria, atacando-a com investidas bem violentas. 
    “Eu sei. Deixa de ser trouxa!” Rebatia toda desengonçada.
    Ao vê-la tão imponente, ele movimenta-se rapidamente, e a derruba. 
    Mas quando está para chegar no chão,
    a pega nos braços, e por pouco não
    a beija.
    “Respeite-a garoto. Ela é sua irmã.”
    Diz o arcanjo claramente descontente com aquele gesto carinhoso.
    “Pare de olhar para ela desse jeito querido tio. Ela é sua sobrinha.”
    Diz o anjo rebelde, parado na frente 
    do rival, com um sorriso malicioso, colocando a espada nas costas,
    e partindo.
    “Não tem jeito não é?” o anjo passa 
    a mão nos cabelos, totalmente desconcertado.
    “Eu quero muito lutar. Como a minha mãe. Ela é um exemplo para mim.” A
    jovem se explica, e o anjo cede.
    “Certo. Azazel não conseguirá usar  as suas qualidades.” Diz revirando os olhos.
    Ele não consegue se conter, por mais que tente, o seu ciúme ultrapassa o nível aceitável para um 
    familiar.
    “ A luta dele é selvagem, e você foi educada para ter graça e delicadeza.”  Diz o seu responsável, tentando colocar defeito no método do inimigo.
    “Eu sou frágil, intocável, e toda essa balela. Já vi que não vai me ensinar nada.” A bela lhe dá as costas, furiosa pois por mais que tenha sido cúmplice do seu nascimento, era tão machista
    quanto o pai.
    “Lucy.” Ele agarra seu pulso, e ela o olha com indiferença. 
    “Vou te mostrar que toda a sua graça e delicadeza podem ser mortais.” Sorri, deixando-a bastante animada.
    Miguel era um grande soldado. Esteve nas maiores batalhas, e era uma honra ser treinada por ele.
    Como ele sabia que ela queria muito lutar, a desafiou bastante, e testou
    as suas habilidades, para focarem
    em seus pontos fortes.
    Quanto mais tempo passava com ela, mais percebia seus sentimentos, por isso decidiu deixá-la sob os cuidados
    do irmão.
    “Você está certo” Assume o crime de imediato.
    “Eu sei. Só espero que não a machuque por isso, caso não sinta o mesmo.” Responde Azazel ajeitando
    a besta.
    “Ela sente. Mas isso não importa. É contra minha conduta, e não quero ser castigado por meu pai.” Diz entregando
    algumas coisas afiadas para o seu
    irmão.
    “Sempre o filho de seu pai. Não sei como é meu oponente.” 
    Azazel fala baixo, por mais que goste de Luciféria, é outro que não quer assumir.
    Mas neste caso é porquê não se acha bom o suficiente, para competir o 
    “fabuloso Miguel.”
    “Eu vou embora. Então como sei que você é um dos melhores alunos do meu irmão, quero que prossiga com o treinamento dela” Diz estranhando a reação do seu oponente, e colocando 
    o capuz azul marinho.
    “Ok. Mas isso vai magoá-la bastante.” Tenta ser altruísta, pois só deseja a felicidade de sua amada.
    “É para o bem dela.” O arcanjo se prepara para voar. “O dela ou o seu?”
    Azazel lhe pergunta, e o anjo olha
    para trás, com certo pesar.
    “É, acho que lutar com aquele maricas te fez bem. Uma mulher sabe como ensinar outra!” Diz Azazel percebendo uma melhora nas investidas da 
    ruiva.
    “Você odeia mesmo o Miguel não é?” Diz bloqueando os ataques com a
    sua espada de treinamento.
    “Não. Só acho ele extremamente covarde, e pouco confiável.” Azazel
    responde girando a lâmina, e a
    desarmando.
    “Ele só não faz o meu tipo.” Brinca e 
    lhe entrega a arma, para mais
    uma rodada.
    “Vocês passaram tempo demais juntos.” Diz atacando com ferocidade, mas a bela desvia de cada ataque.
    “Seus golpes são tão previsíveis quanto os dele!” Termina tirando a espada da sua mão, e segurando as duas.
    “Foi um bom treino. Amanhã nos vemos.” A abraça e recolhe o todo o equipamento. A bela continua parada, olhando para a mata e o rio.
    O jovem vai embora. Sentindo-se feliz, pois com a partida do seu rival, teria
    uma chance de se tornar o seu
    pretendente.
    No céu se vê a silhueta de um ser alado, e este desce até a jovem. Ao vê-lo seus
    olhos se iluminam.
    “Luci...Precisamos conversar.” Aquelas palavras a assombram, pois teme o
    pior, já que não tinha o visto o
    dia todo.
    “Azazel acha que temos passado tempo demais juntos.” Ela lhe disse. “Ele acha
    que tenho...sentimentos...Por você”
    Ele respondeu.
    “E você tem?” Ela perguntou. “Isso não importa.” Rebateu em defesa.
    “É seria errado.” Ela retrucou triste, e ele não resistiu e a beijou.
    O primeiro beijo de um amor esperado,
    é inesquecível, e aquele tinha sido o
    melhor beijo de todos.
    Mas ele não quis ir adiante, e preferiu não se comprometer.
    No lugar disso, partiu do jardim sombrio, e evitou vê-la.
    “É errado. Deus não vai me perdoar.”
    Era o quê pensava sempre que se
    pegava a pensar nela.
    Até que um dia não resistiu...
    Na tarde em que voltou ela ficou tão
    feliz, que o desejou por inteiro.
    Entre as folhas secas e a água, ele a
    fez mulher, e com ela conheceu o
    pior e mais delicioso pecado.
    “Eu te amo.” Foi a primeira vez que ele contou a ela, e ela não teve resposta,
    pois tinha realizado o seu sonho.
    Infelizmente nem tudo foram flores,
    e logo deste criminoso amor vieram 
    os derradeiros terremotos.
    O casamento e a queda
    Azazel foi quem os encontrou na floresta.
    Este ficou furioso, pois todas as suas
    esperanças, tinham virado cinzas.
    Miguel não só tinha retornado do nada,
    como agora parecia disposto a ficar
    com a sua amada.
    Sendo assim tudo o quê imaginava para eles, não passava de uma cruel ilusão
    de um apaixonado.
    “Mas no fim de tudo isso filho. Ela será sua. Apenas sua, e ninguém mais irá
    separá-los.” Era o quê se lembrava, ao vê-la adormecida e nua nos braços 
    do maldito soldado.
    O pobre ser de coração partido, não perdeu tempo, e contou tudo a Lúcifer 
    e Cerridwen.
    Ambos ficaram pasmos com a descoberta, e o pai da anjinha foi
    para cima do arcanjo.
    “Era para protegê-la! E não se 
    aproveitar de sua inocência!” Disse
    ao acertar-lhe socos contínuos na
    face.
    “Eu a amo Lúcifer! Não é o quê
    parece!” Berrou ao receber os golpes sem revidar, pois se sentia culpado.
    “Isso não pode ser verdade. Você nunca amou ninguém, a não ser a si mesmo.”
    Disse-lhe entredentes, pois não se esqueceu, que ele contou para o pai, sobre o nascimento da sua filha, e para proteger a si mesmo, fingiu não ter envolvimento algum com o
    caso.
    “Case-se com ela, assuma um compromisso, indo contra o seu pai então.” Disse Cerridwen utilizando 
    uma estratégia que sabia que iria funcionar.
    “Se é o quê é preciso. Tudo bem.” O
    arcanjo respondeu limpando o sangue
    do canto do lábio.
    Mesmo sob as piores condições, Luciféria ficou feliz com a
    união.
    Logo a notícia de um noivado tinha saído do jardim sombrio, e chegado aos
    ouvidos do impiedoso Yaweh.
    “Você foi enviado para conter Lúcifer e
    a filha!” Yaweh urrou em cima do seu
    jovem filho.
    “Eu a amo pai.” Disse com uma voz
    baixa, temendo a represália.
    “Amor? Foi o amor que a trouxe a vida,
    e me fez perder meu trunfo!” Gritou
    ainda mais alto.
    “Esta menina, é uma qualquer como a
    mãe dela. Nunca será ideal para você!
    Só irá machucá-lo!” Falou despertando
     a dúvida no arcanjo.
    “Não importa. É com ela que quero, e
    vou ficar.” Respondeu recuperado
    das incertezas.
    O céu não era o único infeliz com a notícia. No Inferno os pais de Luciféria
    temiam por sua infelicidade.
    “Lúcifer. Eu não pensei que ele aceitaria 
    , me perdoe.” Dizia Cerridwen entre
    lágrimas.
    “Não se preocupe Cerridwen. Eu sei que
    esse casamento não chegará nem no
    Eu aceito.” Respondeu-lhe o amado
    abraçando-a.
    “Papai e mamãe estão chorando por sua causa.” Disse Azazel para a mocinha.
    “Eles não entendem o quê é esse amor...Miguel não vai me machucar, 
    ele me ama.” Disse Luciféria, ainda saltitante pelo futuro.
    “Deixa de ser tonta. Se ele te amasse
    , não esperaria um ultimato para 
    se casar.” Retrucou Azazel.
    “E importa ter esperado tal condição?
    Eu a amo Azazel, e você não é capaz de entender tal sentimento.” Respondeu 
    o arcanjo, abraçando a noiva.
     Azazel não era o único fulo da vida,
    com o relacionamento de Luciféria e Miguel.
    A prima dela Eke, também não tinha 
    muito o quê comemorar.
    Era apaixonada por Miguel desde 
    muito jovem, e saber que ele seria para sempre de Lucy, lhe deixava furiosa.
    Todos estavam contra eles. 
    Mas ainda sim o casal permanecia 
    feliz, e seguiam adiante com o seu
    compromisso.
    A perdição de um caído por nascença.
    Mesmo contra a união, Lúcifer e Cerridwen foram ao templo.
    Lá encontraram Azazel, que após descobrir que era filho de Yaweh
    , tinha partido de casa.
    Foi um belo reencontro, ele parecia ter aceito que Luciféria seria do seu rival,
    e pediu para vê-la.
    “Ela é minha irmã, e já foi minha
    melhor amiga. Preciso mostrar que
    a apoio.” Pediu para Cerridwen,
    e esta lhe concedeu a entrada.
    Luciféria estava mais linda e radiante
    do quê nunca. Azazel ficou encantado
    com aquela visão, mas tentou apagar
    as segundas intenções.
    “O quê faz aqui? Veio dizer mais uma vez, que meu noivo não me ama?!” 
    Perguntou com raiva, colocando o
    véu vermelho.
    “Não. Vim te mostrar que não é com
    Ele, que deve ficar.” Respondeu o
    anjo, e ela gargalhou.
    “Como?” Perguntou com sarcasmo.
    “Vai se arrepender disso. Olhe nos
    meus olhos.” Disse encostando-a
    na parede.
    Ela o olhou, sem realmente vê-lo.
    “Olhe de verdade. Fixe em mim.”
    Disse-lhe com certa força, e 
    ela o fez.
    Ele se aproximou, e a imprensou ali.
    “Se você acha que é contigo que vou ficar, está muito enganado.” Ela se
    defendeu, e ele a beijou.
    No começo aquele toque de lábios
    , a deixou sem reação.
    “O quê está fazendo? Eu sou sua irmã.” Respondeu de olhos fechados, como
    se esperasse por mais.
    “E vai se casar com o nosso tio.” Ele
    rebateu sorridente, e a beijou uma
    segunda vez.
    Deste segundo beijo, veio a retribuição,
    e de tal gesto as coisas foram esquentando.
    O tempo foi passando, e nada da noiva chegar.
    Miguel ficou estarrecido, e Eke se dispôs a consolá-lo.
    A noite...Luciféria o procurou, queria muito lhe explicar porquê não podiam
    ficar juntos.
    “Cometi o adultério.” Disse-lhe sem
    pestanejar. “Azazel apareceu, eu não
    consegui resistir.” Continuou a tagarelar.
    “Miguel...” Ela tentou tocar em seu ombro, mas este se foi sem dizer uma palavra sequer, deixando-a sozinha
    na floresta.
    No dia seguinte...Procurou por Azazel,
    este podia entendê-la neste momento
    tão sombrio, e foi quando descobriu.
    Assim como Yekun, Azazel tinha sido contratado para levá-la a perdição,
    e destruir o coração do arcanjo.
    Amor? Não. Era apenas uma vingança pela constante rejeição, e isso a deixou desolada.
    Outra vez foi atrás de Miguel. Este agora não saia do laboratório.
    “Miguel...” Ao ouvir aquela voz, a imagem dela e Azazel se formou
    na sua mente.
    “Saia daqui.” Disse seco, e voltou
    ao trabalho.
    Ela insistiu, e ele então fechou a 
    porta.
    Por quê Luciféria não foi embora?!
    Por quê continuou ali?!
    No escuro ele a tomou para si,
    Não como sua amada, mas
    sim um objeto.
    Arrancou-lhe o vestido branco,
    e a penetrou como um animal.
    Sua mão cobria a dela.
    Ela chorava sem parar, estava
    sangrando, mas ele continuava
    , saindo e invadindo seu
    corpo.
    Dele nenhuma lágrima caia, as 
    chamas laranjas brilhavam em
    seus olhos.
    Ele não parecia mais um arcanjo,
    mas sim um monstro.
    Uma das bestas que vivera no universo
    , muito antes da existência dos 7 deuses.
    Ela não suportou e desmaiou, mas nem
    por isso ele parou.
    Até que percebeu que ela estava imóvel,
    e caiu no choro, desejando nunca tê-la conhecido.
    Seus olhos violetas se abriram, e ela se arrastou para a saída.
    Com todas as forças que lhe restava,
    correu pela lama, pois não conseguia voar.
    Caiu assim que alcançou um metro de distancia.
    E ele correu para ajudá-la.
    Ela estava tão destruída, 
    Que não tinha vida em seus olhos.
    “Me leva pra casa.” Disse com os
    lábios sujos de sangue escuro.
    Ele acatou seu desejo.
    A destruição de um anjo
    Ao entrar na sala azul, sua mãe estava
    sentada no sofá, inconsolável. 
    “Mamãe se acalme estou bem” Disse
    sentando ao seu lado.
    “Eu preferia que estivesse morta!” A
    linda deusa ruiva berrou.
    “O quê?!” A pobre dama ficou sem
    entender.
    “Eu vi! Eu vi você com meu Leviatã!”
    Cerridwen disse claramente perturbada.
    “Eu não...” Luciféria tentou se defender.
    “Estavam na cama. Aos beijos, sem
    qualquer pudor!” A acusou mais uma
    vez.
    “Eu não estava aqui.” Luciféria continuou a lutar para se provar
    inocente.
    “Não se faça de sonsa. Todo mundo sabe a piranha que é. Traiu seu noivo,
    e dormiu com o próprio irmão!”
    Continuou a atacá-la.
    “Pelo menos nenhum deles era meu filho!” Gritou a dama com desgosto.
    “Eu não sabia que Lúcifer era meu filho quando me apaixonei. Mas você jovem meretriz, tinha noção disso.” Rebateu.
    “Disso e de que Samael é seu pai.” Continuou a tentar lhe ferir.
    “É uma qualquer como Hécate! Dorme
    com todo mundo! E se faz de inocente!”
    Permaneceu a insultá-la.
    “É um erro. Um erro grotesco. Tire-a daqui imediatamente!” Ordenou a
    Miguel, que se sentindo culpado
    tentou intervir.
    “Cerridwen devia ouvi-la. Ela não é culpada. Estava comigo!” Disse escondendo parte dos 
    fatos.
    “Como se eu pudesse acreditar, no 
    anjo que foi traído, e continua com a vagabunda!” Respondeu com total
    frieza.
    “Vem Luciféria. Ela não vai te ouvir.
    Esta entorpecida pelo ódio.” 
    A esta altura a jovem não tinha mais voz, e ao ir embora com o seu agressor
    torceu para aquela ser a única vez.
    “O paraíso” é mesmo o Paraíso?
    “É minha culpa. Fui eu quem armou para você.” Disse Miguel entre lágrimas 
    na carruagem, e a jovem o encarou
    incrédula.
    “O quê mais você fez?” Perguntou com
    total falta de emoção.
    “Eu tinha que te segurar lá. Para Eke ir
    e seduzir o seu pai na sua forma.” Soltou a língua.
    “Então o abuso não fazia parte do plano.” Pressupõe ainda 
    mórbida.
    “Meu pai jamais trairia minha mãe comigo. Nos respeitamos demais para
    Isso.” Resmunga olhando para o céu
    azul marinho.
    “Por isso criamos uma confusão em Aldarin, e o substituímos por um sósia.”
    Continua a confessar, entre lágrimas.
    Se sente pior agora.
    “Se sente culpado por acabar com a minha vida? É tarde.” Diz em tom
    de ironia.
    “Não foi apenas uma traição Miguel.
    Eu realmente sinto algo por Azazel.”
    Diz sem pensar duas vezes.
    “Você deixou de me amar?” Pergunta
    assustado com aquela resposta.
    “Depois do quê fez comigo, não consigo
    te perdoar. Então acho que nunca te
    amei.”
    As últimas três palavras ecoam na cabeça do arcanjo.
    E logo toda a compaixão que tinha tido até ali, se transforma em ódio.
    “Não me ama? Tudo bem. Se achou ruim o quê eu fiz...Imagina o quê
    vai achar quando eles fizerem.”
    Disse jogando-a numa cela suja, cheia de jovens bestas, sedentas por 
    sexo.
    “Nunca te amei.” É a única frase que fica na sua cabeça, ao deixá-la para
    trás.
    Com o olhar sem qualquer sinal de vida, ela encarou o seu destino.
    Nada poderia ser pior que destruir o coração da sua mãe.
    A cada passo deles em sua direção, 
    o calafrio subia a espinha, mas
    estava pronta.
    “Eu vou ser o primeiro, afinal ela está aqui por minha causa!” Disse Azazel, 
    se aproximando da moça.
    “Por favor confie em mim. Tudo o quê farei é para te proteger.” Sussurrou em seu ouvido, e então tirou as suas roupas.
    Ele a olhou preocupado, pedindo permissão para ir adiante, mas para 
    ela nada tinha significado.
    Ele a possuiu na frente de todos, 
     e declarou que seria o seu torturador,
    desta forma nenhum outro anjo veio
    a se aproximar dela.
    “Deve está feliz.” Foram as primeiras palavras após dias de silêncio.
    “Não estou. O quê houve para vim acabar aqui?”  Perguntou assim
    ficaram a sós.
    “Fui expulsa de casa. Porquê minha mãe acha que dormi com meu pai.” Resume com sorriso de tristeza.
    “O quê?!” Azazel fica surpreso. “E no momento em que estava supostamente sendo uma puta, eu estava na verdade sofrendo abusos de Miguel.” Continua
    como se aquilo fosse normal.
    “Miguel fez o quê?!” O anjo ferreiro fica irado com aquela alegação. 
    “Me estuprou.” Responde com um sorriso ainda sem graça.
    “Eu vou matá-lo.” Conclui, e ela gargalha. 
    “Ele é Miguel. Se matá-lo, teu pai 
    acaba contigo. Não seja tolo, eu não valho nada mesmo.” Diz sem se importar com a justiça, ou a falta 
    dela.
    “Ele tem que pagar Lucy!” Diz incrédulo.
    “Ele não tem que pagar nada. Você que causou tudo isso, com a sua vingança infantil!” Rebate, tirando-lhe o manto de herói.
    “Você ainda o defende?” Diz Azazel
    totalmente exasperado. “Devia mesmo ter casado com ele. Pois nasceu para ser submissa.” É o último insulto antes de partir.
    A última batalha antes do Fim. Parte I
    Luciféria e Azazel viviam juntos, 
    desde crianças.
    Eram os melhores amigos, e os
    que guiavam os irmãozinhos
    na traquinagem.
    Foi na adolescência, quando Lucy
    descobriu o amor por Miguel, que
    eles se separaram.
    Pois Azazel detestava o arcanjo,
    por saber que era seu rival.
    Então quando ele cuidou dela na cela,
    esta reviveu os momentos de infância, quando ele cuidava de seus machucados.
    E se perguntou “Quando foi que a nossa amizade se destruiu?” 
    Eles tinham nascido um para o outro,
    tal como Harmonia para o Caos, e por
    isso nem a traição os separou.
    Logo tinham se tornado amigos outra vez, e desta amizade veio o sentimento,
    que sempre esteve ali, mas foi ocultado
    por uma paixão juvenil.
    Ele sempre a amou e tinha consciência
    disso, ela sempre o amou, mas não se
    deixava ver, para não perdê-lo.
    E Miguel soube.
    Furioso por saber que Azazel tomava conta da cela dela, decidiu libertá-la
    e levá-la consigo, para garantir 
    sua infelicidade.
    Mas ela preferiu ficar acorrentada e numa cela, sendo feliz. 
    Do quê partir com o arcanjo, e ser
    destratada para o resto da 
    vida.
    “Você ficou louca? Se ele te amasse.
    Teria te libertado, e levado para longe daqui!” Disse-lhe na porta da cela.
    “Me levaria para onde? Se graças a você e seu pai não tenho um lar!”
    Ela berrou.
    “Ele destruiu sua vida. Se não tivesse dormido com você, hoje tudo seria
    diferente.” Diz com certo pesar.
    “Você também me destruiu, e nem por isso deixei de sentir algo por ti.” São as palavras, que jamais deveriam ser 
    ditas, mas foram.
    O eco da porcelana quebrada, se fez no lugar, e ela viu Azazel partindo para longe.
    Seus passos tentaram alcançá-lo, e o
    arcanjo a seguiu.
    Ao vê-la junto do seu maior inimigo,
    pegou uma prisioneira em seus braços,
    e a beijou do mesmo jeito que beijava
    a anjo, que transtornada com aquilo
    , aceitou a carcerária liberdade.
    Luciféria optou por trair o seu povo, 
    pois queria morrer, e esta era a única forma.
    Azazel era sua última gota de felicidade,
    e tinha sido arrancada dela.
    Miguel detestou mais ainda o ferreiro, e odiou não ser a razão da morte de
    sua única amada.
    Ela fez um acordo com Deus para ser destruída, e mostrando a famosa 
    misericórdia, ele limpou seu
    nome.
    Disse-lhe que Luciféria não existiria mais, e agora seria Nahemah.
    Ela aceitou.
    Todos no céu, achavam que Miguel a tinha perdoado, e a detestavam por
    isso.
    Mas ele na frente dos outros, lhe defendia.
    Quando estavam a sós, ele a humilhava de todas as formas.
    Foi então que aconteceu...Lúcifer soube
    que a filha estava querendo cometer
    suicídio, e preparou as tropas para
    ir resgatá-la.
    Ele e o filho adotivo Azazel discutiram.
    “Acha mesmo que Deus lhe dará algo? Eu era o maior dos anjos, e nem a
    mim, ele poupou! Cresce garoto!” 
    Disse-lhe o caído.
    A dama estava pronta para morrer,
    mas quando o pelotão de Miguel veio até ela, para exterminá-la, esta se
    defendeu, e os matou.
    Miguel ficou furioso com a afronta.
    Achou que a morte dela, era um plano para atrair seus protegidos, e matar
    cada anjo no céu.
    Por isso ele a atacou, e os dois lutaram
    com espadas de luz.
    Ele era um esgrimista nato, e ela uma desastrada, por isso perdeu.
    No entanto quando veio o golpe de misericórdia, uma espada a 
    protegeu.
    Era Azazel, com uma armadura de metal, pronto para acertar as
    contas.
    Miguel sorriu. Estava louco por uma oportunidade de destruir o irmão.
    E o tilintar das espadas se encontrando,
    ecoou por entre as nuvens. Porém não
    foi o suficiente para abafar os gritos
    de dor de Nahemah.
    Ao ouvi-la Azazel e Miguel imediatamente pararam.
    O arcanjo queria vê-la sofrer, e o
    anjo a pegou nos braços.
    Ele a salvou. 
    Ao chegar no Inferno, ele a levou a sagrada fonte de cura, que ficava
    perto do penhasco das almas.
    Ela agradeceu, mas eles discutiram,
    e este foi embora com o rosto vermelho por causa de um tapa.
    Um fiel servo de Cerridwen a viu, e sem saber da verdade, fez o quê achou melhor para a sua senhora.
    A jogou no mundo dos humanos, e esta caiu.
    Aquele mundo, não lhe era tão estranho, já havia o visto antes, em suas viagens dimensionais.
    “Este aqui. Pode ser meu novo lar...
    Mas a verdade é que não quero
    existir.” Disse ao se jogar dentro do
    mar, afundando o punhal de Miguel
    contra o coração, e enfim
    morrendo.
    A tristeza de Cerridwen era grande,
    por saber que a filha tinha feito o quê
    fez, mas foi ainda maior quando 
    o seu irmão lhe contou a 
    verdade.
    Eke tinha ido longe demais, por seu amor doentio.
    Yaweh tinha ultrapassado os limites, 
    por falta de maturidade.
    Miguel já nem devia ser chamado de celestial, diante das atrocidades que cometera.
    Mas Cerridwen só conseguia culpar a si mesma, pela desgraça da filha.
    Onde estaria o pequeno fruto de amor, agora que tinha se tornado parte do
    multiverso?
    O espírito dela estava com Harmonia,
    adormecido, pois a titã não queria 
    acordá-la.
    “Ela não lhe pertence!” Cerridwen dizia
    para a mãe, com raiva e imponência.
    “Do momento em que retornou para mim, sim, ela é minha.” Respondeu-lhe
    a velha e sabia Harmonia.
    “Ela é minha filha! Você não tem direito algum sobre ela!” Continuou a brigar.
    “Ela é essência da minha essência, como você.” Disse ainda segurando o espírito da pequena.
    “Volte, e sirva a Yaweh de acordo para
    o quê foi feita. Sacrifique-se, e sua filha será libertada.” Cerridwen engoliu seco aquelas palavras, mas aceitou a
    condição.
    Como castigo, Yaweh que a criou 
    com a energia dos deuses, lhe tirou todos os poderes.
    “Você não tem serventia para mim.
    Mas terá para a minha criação.” Disse
    ao destruir seu corpo de deusa, e roubar-lhe a chama encantada.
    Assim fez Adão, e para ele deu sua esposa.
    Agora sem poder algum, totalmente regenerada, sem memória, e a
    batizou de Heva-Lilith.
    No início Heva e Adão eram felizes,
    de acordo com a vontade do criador.
    Mas dentro daquela deusa agora
    humana, ainda havia rastros
    de sua vida anterior.
    Por isso na hora das relações sexuais,
    Lilith não se sentia confortável, em
    ficar abaixo de Adão.
    Afinal de contas, de alguma forma
    isso lhe trazia a sensação, de que era
    errado, e que chegava a ser abusivo.
    Mal sabia a bela ruiva, que isto já havia acontecido antes, e pior sem o seu
    consentimento.
    Chorosa ela se sentia confusa, e por isso procurou um canto apenas seu.
    Foi lá que ela o conheceu, ou melhor o
    reencontrou. O seu amante, 
    amado.
    Logo de cara, ficou claro que eles se conheciam de algum lugar.
    O fogo e o desejo os consumiam, e por
    isso se entregaram um ao outro.
    Lilith não sabia quem era, mas Lúcifer
    sabia, e queria resgatá-la, para irem
    salvar também a pequena.
    Ele tentou não parecer um lunático,
    por isso pouco a pouco foi fazendo-a se recordar.
    Mas apenas no momento em que disse o seu nome, é que a bela se recordou
    de todo passado.
    Na sua forma humana, ela era ainda mais rebelde.
    Por isso espantou os 3 anjos com facilidade, e seguiu com seu amado Samael, em busca do espírito de
    Luciféria.
    Com o tempo, embora Harmonia discordasse, Cerridwen tinha feito a sua
    parte, e por isso esta permitiu que a
    bela Luciféria renascesse.
    Infelizmente outra Deusa veio, e desposou Adão.
    Os humanos a conhecem como Eva, ou Heca, ou Aisha.
    Nós a conhecemos como Eke.
    Eke não perdeu a memória quando entrou no plano humano.
    Ela se sujeitou a Adão apenas porquê queria causar ciúmes em Miguel, que
    continuava devastado com a perda
    de Nahemah.
    Notando que este nem sequer a olhava, esta fez uma manobra ousada, e pegou
    o sêmen de Lúcifer, e o colocou no
    próprio útero.
    Se Lilith desconfiasse de outra traição,
    ela ficaria infeliz, e se destruiria.
    Eke só desejava ver o circo pegando fogo, e que a família perfeita de
    Nahemah se desfizesse.
    Tudo o quê era bom e importante para Nahemah, tinha que ser destruído.
    Assim como seu coração foi, por Miguel por causa dela.
    Para a infelicidade de Eke, Lilith a reconheceu, e soube na hora que o filho que carregava na barriga, era um artificio.
    Eke furiosa, teve o pequeno Caim, e o
    jogou para morrer no rio.
    Ele não tinha nenhuma utilidade para o seu plano perverso, por isso podia ser
    descartado.
    Lilith salvou o bebê, e o criou como seu, junto do pequeno Asmodeus.
    Como tinha acabado de tê-lo, havia leite para os dois.
    Lúcifer e ela aguardavam pela volta da filha, acreditavam até que viria outra vez do útero de Lilith.
    Mas a pequena Nahemah, nasceu da descendência Luciferiana de Caim.
    Em homenagem ao seu nome celestial,
    eles a batizaram de Namah. 
    Ao ouvir que sua amada tinha renascido, Miguel e Azazel vieram 
    para a Terra.
    Ambos estavam preparados para lutar pelo coração da jovem outra vez.
    A novidade logo chegou aos céus escuros, e todos os seres da Sirius B, desceram também.
    Dando início ao evento conhecido como a queda dos anjos. 
    Os anjos ficaram encantados com 
    as humanas, e por estas se apaixonaram.
    Diz a lenda que Azazel desceu para ter relações com várias mulheres.
    Mas é uma mentira, ele só queria uma,
    a sua doce e indomável Luciféria.
    Miguel não é citado como um caído, pois este veio para supervisionar a
    baderna.
    Assim dizem. 
    Ele só queria vê-la outra vez.
    Desta vez Azazel foi o primeiro amor de Namah.
    “Você é um anjo?” Perguntou no primeiro encontro.
    “Sim, mas cometi um grande pecado.”
    Respondeu-lhe misterioso e com
    charme.
    “Qual” Perguntou-lhe curiosa.
    “Ter te amado acima de Deus.” 
    Respondeu, deixando-a 
    corada.
    O amor é o motivo de toda perdição.
    Foi por amor que caiu uma nação.
    O amor é perigoso, é saboroso
    Não é algo que te dá paz, mas te
    faz se sentir vivo e seguro.
    Todos os anjos da Sirius B, seguiam
    este lema, por isso não se preocuparam,
    e se envolveram com as filhas dos
    homens.
    Destes amores hediondos, nasceram
    os nephilins. 
    Miguel, Gabriel, e Rafael ficaram assustados com a quantidade de novos humanos, e denunciaram para Yaweh.
    Este com ódio da felicidade dos 
    anjos, então decidiu lavar a 
    terra.
    Para proteger Namah, Miguel a colocou na arca, e roubou a mente de Noé.
    “Você não tem culpa dos pecados de Azazel minha querida.” Disse-lhe ao
    empurrá-la para o barco.
    Namah não entendeu nada. Não tinha lembranças de Miguel, mas sentiu um belo calafrio percorrendo a 
    espinha.
    A última batalha antes do fim. Parte II
    A Terra agora era um campo de batalha, após a última investida de Yaweh. Todos os anjos estavam furiosos pela perda de seus filhos e amadas, e
    por isso declararam guerra ao
    céu.
    Azazel não sabia do paradeiro de Namah, por isso acreditou que esta teria falecido com sua filha dentro
    da barriga, e entrou na guerra.
    Yaweh foi atacado com lanças e luz,
    seus anjos lutaram contra os anjos
    de Lúcifer.
    Sangue inocente tinha sido derramado,
    os filhos não tinham culpa do pecado
    dos pais!
    Caos estava agindo como nunca, pois achava que o filho estava fora de
    controle.
    Sem mais o quê fazer ele o trouxe.
    O irmão gêmeo de Samael. 
    Bael o senhor dos raios.
    O implacável, o destruidor, o mentiroso, o ilusório.
    Era a sua última saída para acabar com a guerra, que estava favorecendo o
    seu inimigo.
    Por isso lhe deu a chama de Zebub.
    Um poder que nem ele podia conter, pois esta pequena chama, era uma importante parte de Caos.
    Era a sua última alternativa, e Bael abraçou aquele poder com todo
    o seu coração.
    Bael desceu então a Terra, e enviou as 7 pragas do Egito, para desmoralizar os
    templos dos anjos.
    Tamanho poder era maior até mesmo que o de Lilith e Lúcifer juntos!
    Por isso as tropas dos caídos foram recuando.
    Yaweh comemorou com gosto, estava feliz com a gloriosa vitória.
    Porém quando resolveu tirar a chama de Zebub, Bael se revoltou, e o subjugou.
    Bael não precisava mais de Yaweh, era mais forte que ele, por isso decidiu que seria o novo Deus.
    Mas como quase ninguém sabia da sua existência, ele precisou de um bom peão.
    “Ficarei por trás de você. Te comandarei. Mas o novo Deus sou
    Eu.” Disse para um famoso arcanjo.
    “Eu jamais...” Miguel se recusou de imediato, nunca quis o trono do
    pai.
    “Vi como olha para a humana. Sei do seu passado vergonhoso com ela. Se não o fizer, eu vou destruí-la para
    sempre!” Disse Bael para lhe
    convencer.
    “Eu tenho o poder primordial Mikael.
    Um estalar de dedos, e sua humana, deixa de existir.” Ameaçou-lhe, e o
    Arcanjo aceitou, fingir que seria
    o novo Deus.
    “Meu filho...Seus irmãos te odiarão.”
    Chorou o Deus criador, ao ver o jovem sentando-se ali no trono, e fingindo ter tomado o poder para proteger a sua eterna amada.
    Luciféria agora se chamava Isis, em homenagem a deusa.
    E pouco ou nada se lembrava, caminhava ao lado de Toth, sem saber que eram amantes divinos em outra vida.
    Ele fazia por ela, o mesmo que Lúcifer fez por Lilith. Tentava lhe devolver sua memória, e reascender sua chama 
    genômica.
    Ela pouco entendia, mas era fascinada pelos ensinamentos de Toth-Azazel.
    Até que certo dia despertou, e lembrou-se de tudo, incluindo dos filhos que tivera com Noé, que na verdade eram de Azazel.
    “Eles nasceram, cresceram, e se reproduziram meu amado, antes de voltar para os braços de Harmonia.”
    Disse-lhe com um sorriso, e isto
    trouxe paz ao demônio.
    “O importante é que vocês 3 estavam bem.” Disse-lhe caminhando ao lado
    dela.
    “Infelizmente esta é a nossa última notícia boa. Deus agora é implacável com seu guerreiro Bael, não temos
    chance de vencer.” Disse com
    pesar.
    “Sempre há chance para a justiça, por mais escuro ou claro que pareça.” Lhe respondeu olhando para o céu.
    “Nahemah.” Disse-lhe o sopro no ouvido, e então Miguel apareceu para ela, acima das montanhas, usando a coroa de um Deus.
    “É Isis na verdade.” Respondeu com
    indiferença. “Pra mim sempre será Nahemah ou Luciféria.” Disse sorrindo sem  jeito.
    “O quê queres anjo ?” Disse com certo desprezo.  “Meu pai é culpado por muitas tragédias, mas não é ele quem está causando estas.” Disse sem
    pensar duas vezes.
    “São semelhantes.” Retrucou com total indiferença.
    “Não são. Ele ama os humanos, não mataria crianças pequenas, apenas porquê um servo pediu.” Respondeu-lhe tentando defender o todo poderoso.
    “Ele matou milhares de nephilins.” Rebate sem acreditar na salvação.
    “Não eram puros.”  Miguel continua
    apreensivo. “Eram bebês!” Ela grita.
    “O sangue estava manchado. Não
    eram humanos, nem demônios eram
    aberrações!” Outra  justificativa 
    barata. “Já chega! Não importa quem está no poder agora! É tão injusto quanto seu pai!” Urra horrorizada com a forma como ele trata os demônios
    mirins. “Nahemah...” Ele tenta falar.
    “É Isis. Como a Deusa.” O corrige friamente.
    “Isis. Não se trata do meu pai mais.
    Bael quer mais poder, ele quer está acima do bem e do mal.” Conta-lhe
    com certo medo.
    “Precisamos unir forças.” Implora segurando-lhe as mãos delicadas. “Nunca me uniria você.” Responde
    deixando-o para trás. 
    “Mas a informação foi útil. Obrigado
    querido tio.”  Diz ao se retirar, e o deixa exasperado. Detestava ser chamado de tio por ela, porquê isso lhe trazia culpa,
    e demonstrava que ela não o queria
    mais.
    “Grande deusa Nuit.” A chamou. “Sabes que é minha filha. Não deve se ajoelhar para mim” Disse-lhe a deusa.
    “Prefiro desta forma ó grande Nuit, deusa soturna.” Responde com sarcasmo.
    “O quê deseja?” Lilith revira os olhos.
    “Um anjo veio até mim, e me contou que o tal Bael agora reina no céu.” Disse evitando o contato.
    “E o quê isso tem a ver conosco?!”
    Lilith exclamou sem entender.
    “Bael está sedento por poder, e segundo o anjo, ele quer o Inferno
    também.” Respondeu-lhe com 
    um pouco de indiferença.
    “Isso não é possível. Bael e seu pai tem caminhado juntos, são grandes amigos, e odeiam Yaweh, até fundaram a ordem de BAAL com seus filhos.” Lilith parece desacreditar da informação.
    “Qual foi o anjo?” Lilith pergunta desconfiada.
    “Miguel. Meu anjo da guarda.” Isis gargalha, e Lilith permanece 
    séria.
    “Miguel não mentiria para você. O passado tem um peso grande entre vocês. Vou averiguar isso” A deusa
    desapareceu do templo, e a jovem
    fez um sinal de reverência.
    “Então Miguel continua a te procurar...” Toth brinca realizando um feitiço. 
    “É...Mas é estranho. Não é como você,
    é como se nunca o tivesse o conhecido, e o odiasse mais que tudo.” Responde
    sentando-se a mesa.
    “Ainda tem sentimentos por ele. Sempre vai ter. Resta saber se o quê sente por mim é maior” Diz com total serenidade. Azazel era maduro, apesar de ser seus surtos de juventude, ainda era mais
    confiável que Miguel.
    “É claro que é. Já disse nem conheço aquele anjo.” Isis responde de imediato, e Toth ri. “Será mesmo?” É o quê pensa
    ao analisar o seu invento, uma esfera
    negra móvel, com anéis envolta.
    Lilith entra na sala em forma de coruja, e caminha até os dois jovens. 
    “Atrapalho?” Disse com um sorriso, e eles disseram que não.
    “Miguel estava certo. Notei nas conversas de Bael, insinuações de que anseia roubar o Inferno.” Lilith dá as notícias.
    “E o quê podemos fazer para impedir?”
    Azazel prontamente se mostrou para a batalha. 
    “Devemos reunir o conselho secreto.”
    Lilith fala porém nenhum dos 2 anjos entende o código.
    “O conselho secreto, é uma reunião entre deuses celestiais e infernais, com os titãs primordiais, para impedir uma catástrofe universal.” Explica-lhes e
    ambos esperam por mais informações.
    “Lúcifer e eu, não podemos presidir o conselho, pois somos oficialmente os aliados de  Bael. Mas você e Azazel
    podem, pois ambos renunciaram
    a coroa.” Lilith lhes dá uma luz, e os dois rapidamente recusam a proposta, porém a 00:00 do mundo humano, eles atravessam o portal, e vão para o Conselho Secreto.
    “Todos que estão aqui, se encontram sob o regimento do Conselho. Portanto as brigas de Luz e Trevas devem ser esquecidas, por um único objetivo,
    a nossa preservação.” Diz Harmonia sentando-se entre as árvores que parecem um trono.
    Para surpresa do jovem casal infernal,
    Miguel é quem fica no lugar do pai, e este evita encará-los, pois não deseja brigar, nem trocar farpas.
    “Existe um terrível rumor de que Deus foi destronado.” Inicia Harmonia.
    “Não é rumor, vovó Harmonia. Estou aqui para provar que é verdade.” Miguel então retira uma esfera do bolso, e dela saem imagens holográficas , na qual Bael lhe diz algo, e este se vê
    obrigado a fazer o quê ele quer.
    “Meu filho. Suas provas o incriminam.”
    Harmonia diz assistindo as imagens. “Não! Ele me obrigou!”  Miguel se defende, e Isis ri.
    “O quê ele lhe disse? Que Apep ia te pegar?!” Isis diz em tom infantilizado.
    “Não. Que ele te mataria se eu não o  fizesse.” Miguel fica cabisbaixo, pois sabe que não receberá gratidão.
    “Você não é meu marido. Se eu tiver de morrer por esta causa, eu vou. Não preciso de sua proteção.” Retruca com total ingratidão, e Miguel sorri com
    raiva.
    “Já chega vocês dois. Briga de casal não tem espaço nesta reunião. O problema aqui é maior que um romance que não
    deu certo.” A velha Harmonia, caracterizada com anos humanos diz.
    “Prossiga Miguel.” A anciã passa a palavra para o arcanjo, que olha com mágoa para a amada.
    “Bael não quer ser o Deus do Céu. Ele quer a Terra. O Inferno. Tudo!” Chega ao ponto principal.
    “Isso é muito grave! Bael está com a chama de Caos! Ele tem poder para ter esse tudo!” Harmonia entre em 
    pânico.
    “Sim, por isso sugiro uma união de forças opostas.” Miguel põe as cartas na mesa, e Azazel e Isis trocam 
    olhares.
    “Se for pela preservação de nosso povo.
    Nós aceitamos. Nos unir. A eles.” Isis responde de má vontade.
    “Eu irei conversar com a alta hierarquia infernal, e descobrirei quem serão os
    nossos aliados.” Azazel com sua mente estrategista, logo percebe que haverão
    traidores, por isso se dispõe a tirar isso
    a limpo.
    “Vou usar meu poder de Deus para conseguir mais aliados.” Miguel diz para os outros.
    “Eu vou ficar calada e observar.” Isis brinca, e Miguel sorri mas é o único.
    “Vou convocar meus melhores dragões, e irei até o reino da minha mãe, para conseguir bestas celestiais.” Revira os olhos, e assume um posto.
    “Ótimo. Estamos todos entendidos.
    Mas para evitar problemas diplomáticos, preparem suas armas
    silenciosamente.” Harmonia termina a reunião e os tronos somem.
    Findado o encontro, Miguel e Isis discutem, e Azazel se retira alegando
    que eles tem muito o quê conversar.
    Ao amanhecer Isis convoca sua mãe para uma reunião, e pede-lhe para entrar nos mundos de Tiamat.
    Azazel inicia um evento entre os demônios da mais alta patente do
    Inferno, e os analisa friamente.
    Miguel tenta evitar Bael, e o engana com visões falsas do futuro, onde ele é o Deus vencedor, e todos caem em ruínas.
    Naquela noite houve uma reunião...
    Bael estava com um enorme sorriso, e
    Lilith o observava com cautela, enquanto Lúcifer aparentava está
    despreocupado.
    “É claro que o Inferno é imbatível. Fez um excelente trabalho aqui irmão.” Disse Bael extremamente maravilhado
    com as terras sombrias.
    “Há regras que servem para sobreviver,
    e não são abusivas como as de Yaweh. É
    um sistema realmente perfeito.” Disse
    elogiando a gestão do reino.
    “Nossos filhos, e irmãos de guerra fazem sua parte direito. Por isso Bael que estas terras são tão perfeitas.”
    Lilith disse com um sorriso, mas Bael a ignorou, pois para ele as mulheres não podiam ter voz.
    “Estou vendo.” Disse-lhe com indiferença, e notando o incômodo da
    esposa, Lúcifer a encarou, e os dois
    inventaram uma desculpa para
    ficarem a sós.
    “Não se sente nada confortável com Bael não é?” Perguntou-lhe ao abraça-la por trás, sentindo o calor do seu 
    corpo quente e nu, sob o veludo
    vermelho.
    “Fora o fato de ser tão idiota quanto o seu pai. As crianças me contaram que ele quer o inferno.” Responde-lhe com
    um sorriso de prazer, e depois a sua
    expressão muda.
    “E como Luciféria saberia, se só conseguiu recuperar as memórias?” 
    Lúcifer logo percebe a fonte da informação, e a acaricia.
    “Como sabe que...?” Lilith nem termina, e seu amado lhe dá um beijo no pescoço.
    “Ela é a sua favorita, e também é a minha. Sempre será a primeira que nós
    vamos ouvir.” Respondeu, e a demônia
    girou, e o jogou nas almofadas, o
    fazendo sorrir.
    “Eu amo todos os meus filhos Lúcifer.” Lhe disse arrancando-lhe suspiros intensos.
    “Mas a Luciféria é a sua especial.” Lhe respondeu tentando respirar, pois a
    Rainha do Inferno, sabia bem 
    o quê fazia.
    “Calado.” Ordena pressionando-se contra o corpo dele, e deixando-o
    mais alegre.
    “Quem disse esta sandice do meu
     irmão para a Luciféria ?” Pergunta-lhe agarrando-a, e jogando-a nas almofadas.
    “O anjo da guarda dela.” Lilith também brincou, e ele a puxou, sentando-a entre as suas pernas.
    “Miguel é um traidor. Por causa dele, ela quase morreu quando era um bebê, e se matou na adolescência.” Diz sério,
    abraçando-a, e beijando-lhe o pescoço.
    Não é a toa que eram conhecidos 
    como o casal da luxúria, até para conversar sobre os assuntos sérios, 
    eles ficavam na “cama”.
    “Eu sei. Mas é inegável que a ama.
    Ele mudou bastante depois que a viu morrer.” Lilith tenta convencer ao marido. 
    “Miguel não ama ninguém. Só ao meu pai. Deve ter sofrido abusos na infância para ser tão apegado ao tirano.” Lúcifer se mostra descontente, e ignora o
    aviso.
    Infelizmente para o imperador, o aviso do celestial era real, e num dia qualquer
    houve o desastre.
    49 dos 72 demônios mais poderosos, 
    se voltaram contra Lúcifer e seus aliados.
    “Regras. Quem precisa delas?” 
    Diziam em coro, ao amarrar e amordaçar os demônios
    machos.
    Como acreditavam que as fêmeas 
    não representavam perigo algum, 
    as deixaram livres.
    Lilith correu para fora do inferno, levando suas 2 outras irmãs, e
    alguns sobreviventes.
    “Me diz que fez algo Luciféria!”
    Lilith berra em desespero, e a moça abre um portal para Tiamat.
    “Eu chamei eles para nos ajudar.”
    Luciféria chama os seus amigos gigantescos, 
    e as bestas caminham lentamente 
    para fora.
    “Se nem eles tiverem forças para derrotar Bael estamos perdidos.” 
    Lilith diz, e saca a espada para lutar contra os 49 traidores da causa.
    Luciféria monta em seu dragão azul acinzentado Graham, e parte  para a batalha, pronta para resgatar os
    irmãos e os menores.
    Após algumas horas...A princesa demônio, volta na sua forma humana,
    está exausta depois de prestar os
    primeiros socorros.
    “Nahemah.” Diz o arcanjo Miguel com
    tristeza, e se aproxima dela.
    Más notícias estavam a caminho, e ela sabia, por isso desceu do seu animal, 
    e correu até ele.
    Este tentou segurar sua mão, lhe dá
    apoio. No entanto quando ela viu o seu
    amado jogado numa maca, correu 
    para os seus braços.
    “Azazel!” Berrou ao ver as profundas 
    marcas no corpo do seu anjo demoníaco.
    “O quê você fez?!” Ela salta no pescoço
    do anjo, tentando enforcá-lo como
    se fosse mortal.
    “Se acalma.” O arcanjo disse com frieza, tentando não sentir a palma quente 
    dela em seu corpo.
    “Você o deixou a beira da morte!” Urra com lágrimas descendo pela face.
    “Eu não fiz nada. Esse idiota quis enfrentar Bael, e se não chego a tempo não estaria aqui.” Responde com 
    total compostura.
    “Luciféria...” Sussurrou o demônio ferido, e a bela se soltou dos braços do ser angelical, para se ajoelhar ao 
    lado dele.
    “Achou que apenas esse babaca faria de tudo para te proteger?” Riu e tossiu logo em seguida.
    “Isso foi idiota Azazel. Eu não quero que ninguém me proteja!” Diz chorando e
    beijando a mão do primeiro 
    sátiro.
    “Mas eu sempre vou. Não importa 
    se está comigo ou com ele. Você sempre
    será minha protegida.” Diz com uma
    voz rouca.
    “Faça ela feliz...Tem 500 anos antes 
    de voltar.” São suas últimas palavras
    antes de partir. 
    Ao ouvir aquilo a moça fica em pânico, e o anjo sem palavras. 
    Lilith observa tudo, e acata a vontade do filho. Colocando as mãos nas
    costas do casal.
    “Nahemah você está bem?” O anjo diz mais preocupado com o estado dela,
    do quê com a oportunidade.
    “Não.” É a única coisa que sai da sua boca, antes de voltar para o campo
    de batalha.
    Agora era como não ter nada a perder,
    por isso montou em Graham, e foi
    para o centro da luta.
    “Bael!” Gritou com fúria, erguendo a sua espada, enquanto o dragão seguia até ele. 
    Ao ver que ela estava prestes a cometer suicídio, o arcanjo entrou em pânico,
    e voou tirando-a dali.
    “Você enlouqueceu?!” O arcanjo 
    berra, ao chegar no deserto.
    “Responde!” Diz chacoalhando-a
    , mas ela está sem reação.
    “Ele vai voltar daqui há 500 anos. Não é para sempre!” Grita-lhe, tentando lhe
    fazer agir, mas esta fica a 
    chorar.
    “Por favor. Eu não quero te perder de novo. Não me importo se não ficarmos
    juntos, só não quero, não ter a chance
    de pelo menos tentar.” Diz entre 
    lágrimas, segurando as 
    suas mãos.
    Ao ver o desespero do arcanjo, 
    Lúcifer percebe que há sentimento
    da parte dele pela pequena.
    “Lilith não cansa de está certa?” Ele 
    ri seguindo na forma de um gigantesco dragão ocidental, tentando se libertar
    da prisão em que Bael lhe colocou.
    A última batalha antes do fim. Parte III
    As tropas de Lilith e Nahemah 
    seguem adiante.
    Sangue cai na areia, e o som do encontro dos metais ecoa.
    A princesa demônio está montada
    no seu dragão, acompanhada por
    Cérberos, e sua hidra de 
    estimação.
    A imperatriz infernal, está na 
    forma de uma gigantesca besta draconiana.
    De tortuoso corpo ocidental, com espinhos saindo de sua
    face.
    Ela é bela, porém por ser uma 
    deusa, pode tomar qualquer forma
    , incluindo a dos maiores pesadelos
    do inimigo.
    “Vamos para o norte.” Diz Lilith  
    com toda a grandeza de Tiamat, indo em direção ao abismo, junto das demônias guerreiras.
    “Está bem.” Nahemah aceita a ordem,
    e da a direção para as feras.
    Elas encontram uma gigantesca esfera,
    que parece um globo de vidro.
    Lilith vê Lúcifer preso no fundo, e logo
    ataca a barreira, cuspindo bolas 
    de energia.
    Ela precisa tirá-lo dali.
    Ele é o seu amado, sua vida, sua paixão.
    Percebendo que sua consorte quer libertá-lo.
    Lúcifer também tenta destruir aquele
    bloqueio.
    No entanto sozinhos não são páreos para tal força.
    Notando que seus pais precisavam de
    ajuda. Nahemah ordena que os dragões
    , ataquem a barreira em sincronia com
    a sua mãe.
    Ao ver todas as feras, as guerreiras 
    Infernais, usam os seus dons. Unindo
    as forças, elas criam uma rachadura
    , e eles usam todo o vigor para 
    quebrá-la.
    Ao destruir aquele muro mágico, os demônios correm para as suas amadas, e ficam felizes, pela regra de Lilith existir.
    Já que sem ela, as moças nem 
    sequer saberiam como usar suas habilidades.
    “Vocês foram brilhantes.” Diz 
    Lúcifer enrolando seu pescoço ao da 
    sua amada, enquanto ficam acima 
    da bela Nahemah.
    Todos os demônios fiéis a Lúcifer 
    e Lilith, se curvam em respeito a eles.
    E os dois se abraçam, pousando em
    cima de Graham.
    Logo Mammon, Caim, Asmodeus, e Solomon, se juntam a família, e
    eles ficam em Graham.
    “Este foi o primeiro passo. Onde está o meu guerreiro equivalente? Onde está Azazel?”Diz Lúcifer notando que o 
    ferreiro não está ali.
    Nahemah não tem palavras, apenas sinaliza em silêncio, negando com lágrimas descendo pela face.
    Lúcifer se enfurece. Embora fosse o 
    Filho de Cerridwen e Yaweh, ele o tinha criado e educado. Foi o primeiro filho
    que conheceu, antes de Lucy.
    Lilith também não estava feliz com a perda, queria assassinar Bael a sangue quente. Mesmo sabendo que não tinha chance, contra aquele que tinha parte
    do poder do seu pai.
    “Vamos destruir Bael.” Lúcifer disse com voz feroz, e Lilith concordou.
    “Nahemah.” Ouviu-se a voz do arcanjo, e a jovem virou-se para trás. Apesar da narrativa, Miguel era o único que lhe chamava por este nome.
    “Eu devo ir. Ele tentou salvar Azazel.”
    Diz caminhando pela fera, e Lúcifer fica de queixo caído. Jamais pensou que o
    arcanjo, pudesse fazer algo que não 
    lhe fosse conveniente.
    “Talvez se o seu pai e o meu se unirem,
    eles podem ter uma chance.” Diz Miguel
    , e a jovem apenas balança a cabeça.
    “Eu irei ajudá-los. Mas não posso entrar diretamente. Bael me destruíria.” Diz
    Harmonia, voando como um 
    fantasma.
    “Então o quê pretende fazer?” Pergunta a garota, sentindo o vento em seus
    cabelos.
    “Te dá a minha chama sagrada.” Diz a grande titã primordial, e o anjo fica
    com os olhos arregalados.
    “Nem pensar! Isso vai matá-la!” o 
    anjo grita, e a dama o encara com indiferença.
    “Não vai. Ela já é quase uma deusa, tal como a mãe. Só precisa deste poder.”
    Diz a velha Harmonia, sorrindo 
    para o jovem.
    “Ela é humana com a descendência de Caim. Ela tem o sangue de Lúcifer, que é filho de Cerridwen, portanto o poder do
    gene, se encontra adormecido nela.”
    Esclarece mas o arcanjo não se
    mostra convencido.
    “Além do mais, se ela não concordar com os meus termos, nunca mais verá o seu amado Azazel. Pois reencarnar ou não, depende apenas de mim.” A sábia anciã ameaça a moça, e seus olhos se
    arregalam.
    “É bem simples. Um favor por outro.
    Vire uma deusa, e escolha o próximo destino do seu parceiro, ou deixe-me escolher, e o mando para o portal.”
    A velha ri com maldade, e a dama congela. O portal era o pior lugar para onde Azazel poderia ser enviado, pois
    lá, tinham diversas criaturas nocivas, até mesmo para os deuses.
    “Aceito.” Nahemah concorda, e o arcanjo fica sem reação.
    “Como sempre fazem tudo pelos seus demônios. É melhor assim Miguel, esta menina tal como a mãe, jamais deve se unir a um celestial.” Harmonia julga
    a atitude da neta.
    “Então aceita o amor dos meus 
    pais?” Nahemah a provoca com sarcasmo.
    “É preferível que anjos e demônios são
    misturem mais.” Harmonia responde.
    O amor de Cerridwen e Lúcifer muito 
     a desagrada.
    Porém nada mais faz para impedi-los, apenas preserva seu querido 
    Yaweh. 
    “Eu não sou meu pai.” Miguel decide
    falar, em vez de apenas acatar a
    vontade da avó.
    Esta o reprimi imediatamente, mas
    ele não reage.
    Isto era preocupante, pois significava que a cópia perfeita de Yaweh, estava 
    a apresentar o defeito da falta de 
    disciplina.
    “Ela não vale a sua queda.” Diz a titã,
    e a jovem desvia o olhar. Já fazia um tempo que o evitava, e  não era 
    agora que iria parar.
    “Vamos ao que importa. Por favor. Como fará de mim uma deusa?” 
    a dama pergunta, desviando o assunto desagradável. 
    “Desta forma.” A criatura enfia um raio no coração da dama. 
    Fazendo seu corpo estourar por dentro, com tanta força que o sangue voa.
    Ela berra desesperada, e Miguel fica pasmo com a atitude da anciã.
    Suas mãos apertam os braços dele, 
    mas ele não a deixa cair no ar.
    “Eu não vou suportar!” Grita ao 
    sentir seu corpo se transformar 
    em energia.
    “Miguel!” É o seu último grito antes de
    explodir, nos braços do príncipe do
    mundo celestial.
    Mas assim como explode se refaz, tal como um Deus, agora é imbatível
    equivalendo-se a  Bael.
    “Agora eu vou matar Bael!” Ruge flutuando no ar, com asas de
    energia.
    “Não. Você vai libertar Yaweh, para que ele e o seu pai o derrotem. Tem apenas a minha chama, e o poder de Caos é
    muito mais destrutivo.” A velha a
    desanima.
    “Está bem. O quê faço?” Questiona, 
    e Harmonia lhe responde “Use sua criatividade. É uma deusa criadora agora”.
    A jovem então imagina o multiverso com milhões de cordas, e que pode manipulá-las.
    Sendo assim todas estas cordas, destinos, devem lhe obedecer, e por 
    isso não demora para achar 
    Yaweh.
    Ao entrar na prisão do avô, este fica surpreso com quem veio resgatá-lo, e não consegue deixar de se sentir mal, por tanto tê-la atormentado.
    “Não vim por você. Nós não somos 
    uma família. Apenas devia um favor a Miguel, ele tentou salvar meu amado.” Diz antes que venha o agradecimento
    do Deus caído, e Miguel dá razão a 
    nova deusa.
    “Preciso conversar com Cerridwen.” É
    a primeira coisa que diz. 
    “Terá tempo para isso. Vamos.” Diz 
    a bela, levando o criador para a liberdade.
    “Você não conseguiu não é?” Deus
    pergunta para o filho, e este ri
    baixinho.
    “Ainda não.” Diz olhando para 
    a criatura voadora, que o observa
    sem entender nada, e segue em
    frente.
    Yaweh e Cerridwen fazem um acordo 
    de ajuda mútua. Ao ouvir que o velho estava de volta, muitos anjos correm
    para servi-lo.
    Como diz o velho ditado. “Um rei nunca perde a sua  majestade.” Haviam os que estranhamente lhe eram gratos, os que gostavam do seu sadismo, e aqueles
    que o amavam acima de tudo.
    O exército de Bael reduziu rapidamente com a chegada de Yaweh, e ao ouvir que a filha o tinha libertado, Lúcifer
    ficou furioso.
    “Você enlouqueceu?! Só porquê o arcanjo mudou pelo que o fez sentir,
    não significa que Yaweh merece uma segunda chance!” Berrou para a
    jovem, que ficou em silêncio.
    “Ele torturou a sua mãe, quase te matou, e ainda destruiu nossa família por séculos. Como pode nos trair desta forma?!” O imperador do Inferno, disse batendo contra a mesa de pedra.
    “Papai eu não tive escolha.” É a sua primeira defesa, antes de pensar em
    outra resposta.
    “O quê? A velha Harmonia te ofereceu a oportunidade, de ser uma semelhante a sua mãe por completo, e você não a
    agarrou? Difícil de acreditar Luciféria Lilith II!” Responde-lhe com sarcasmo.
    “A vovó ameaçou jogar Azazel no portal, se ela não fizesse.” Diz Miguel invadindo o recinto com indiferença, e a bela por mais raiva que sinta deste, lhe agradece em silêncio, arrancando-lhe
    um sorriso.
    “Harmonia fez o quê?! Esta mulher já está passando dos limites!” Lúcifer fica exasperado, e os jovens se encolhem.
    “Oras Lúcifer sua filha é muito fácil de enganar. Jamais atiraria o moleque no portal, ele é o quê mantém ela longe
    do meu neto.” Diz o espectro de 
    uma idosa.
    Ao ouvir aquelas palavras, Luci se sente intrigada, e se retira daquele local. Indo
    para o meio da cidadela, onde observa
    as estrelas, e outra vez manipula as
    cordas do destino.
    “Miguel vai se apaixonar por esta criatura insignificante! Isto não pode acontecer! Ele deve protegê-la,
    e amar a criatura mais perfeita que
    criei para ele, a doce imitação de
    minha amada filha Hécate! ”
    É a mensagem que lhe vem a mente, 
    e então esta induz mais um dos cruéis ataques de Yaweh a Cerridwen, e este a engravida de um bebê, que no futuro se chamaria Azazel, mas nem a primeira sabia a razão disso.
    “ A chegada deste filho, criará um empecilho para o anjo apaixonado. Por ser mais jovem, e ser educado pela  Cerridwen, crescerá um rebelde, e fará
    um par perfeito para esta coisa de
    cabelos vermelhos.” 
    E assim vê-se o início da infância de Nahemah, onde ela e o irmão estavam sempre juntos nas maiores enrascadas, e Miguel apenas os supervisionava.
    Pois para Harmonia, o fato de seu 
    neto conviver com a sua perdição desde cedo, lhe faria vê-la com indiferença.  O quê ela não esperava, era que a moça é que iria despertar o amor pelo arcanjo,
    e não desistiria até conquistá-lo.
    “Nahemah” Ouve a voz do seu primeiro
    amor, vindo por trás dela, e uma lágrima cai.
    “Vá embora.” Diz de imediato, e seus pés que não tocavam o chão, afundam na areia fofa. Todavia o alado não só não parte, como fica a esperar uma resposta.
    “Não é hora, nem o momento.” Diz se preparando para ir, mas o arcanjo pega seu pulso, e nota que sua face está rubra.
    “O quê houve desta vez?” Pergunta-lhe secando suas lágrimas. 
    “Não importa. Apenas fique longe de mim.” Retruca e se afasta tomada pelas sombras da dúvida. Todo o sofrimento não só estava previsto, como foi escrito,
    para favorecer o príncipe sombrio, e
    agora ela se perguntava se o quê sentia
    era real, ou outra obra egoísta de sua
    avó manipuladora.
    “Nah...” Mas antes que prossiga, a bela o silencia com o indicador, o deixando
    confuso.
    “Sei que me chama assim, porquê significa Agradável, e poucas coisas são 
    na sua vida. Mas acho que Eke merece
    este nome mais que eu.” É tudo o quê
    diz antes de partir.
    Miguel fica sem entender nada do quê se passa. Nunca se interessou por Eke, na verdade a achava insuportável, por ser tão submissa, e sem vontade 
    própria.
    Se aquilo era ciúme. Era um ciúme infundado, por isso queria resolver logo
    , já que indicava que a bela ainda tinha sentimentos por ele. Pobre iludido.
    “Nah...Luciféria. Eu não sinto nada por Eke!” Disse o arcanjo, quando a viu atravessando a porta. Por ouvir isso, a jovem não se contém, e esmurra a
    mesa de pedra.
    “Diga para ele querida vovó.” A nova deusa encara a primordial, e esta foge do seu olhar, contudo usando o seu poder, a garota vira-lhe o rosto, forçando-a a olha-la.
    “Diga.” Soa como uma ordem, e os dois anjos mais bravos do céu e do inferno, ficam apreensivos por tamanha
    ousadia.
    “Você e Luciféria não estão juntos por minha causa.” Confessa a anciã, e aquilo não surpreende a ninguém, todos sabiam da sua onipotência gigantesca, e por isso a deusa menor, lhe joga um
    olhar para continuar.
    “Quando soube que Cerridwen tinha se apaixonado por seu próprio filho, temi o quê estava por vim, e quando vi que você se apaixonou pela filha dela, tive de tomar providências.” Prossegue deixando a todos de queixo
    caído.
    “Você não sabia do romance do meu pai com a minha mãe!” Grita-lhe com impetuosidade, e notando o seu grau de estresse, o anjo afasta-se do irmão, para lhe dá algum apoio.
    “Não? Ah deve ter visitado a linha do tempo errada, quando soube que um anjo o levaria a perdição, e mais tarde vi que era ruiva.” A velha ri da ingenuidade da pequena.
    “Eu sabia que ela iria machucá-lo.
    Você nasceu de um casal do perfeito matrimônio, e ela de uma abominação.” Responde olhando 
    para o rapaz, que se mostra também furioso agora.
    “Por isso antes que ela viesse, lhe dei o par ideal, para que vocês não ficassem juntos. Meu filho, Eke é o seu par, não
    Luciféria” Segura as mãos de Miguel
    , e este se solta com repulsa.
    “E o quê nós queríamos? Os sentimentos de cada um? Isso não
    valia de nada?!” Miguel é o segundo a gritar com a sogra do imperador, e este observa este momento, saboreando 
    a revolta contra ela.
    “Azazel realmente me ama? Eu o amo? Ou isto foi só parte do seu plano estúpido?!” A dama diz tremendo-se por completo, tomada pelas 
    lágrimas.
    “Já chega.” Diz Lúcifer silenciando a todos na sala. “Não importa se esta senhora lhe empurrou Azazel. Ele pode ter nascido para atrapalhá-los, mas não
    é obrigado a amar ninguém. Até porquê
    se tem algo que os primordiais não
    conhecem é o amor.” Prossegue tentando acalmar a filha.
    “Você! É tudo sua culpa! Se tivesse aceitado seu posto de soldado, e não se apossasse da coroa de Yaweh, nenhuma
    destas aberrações estariam aqui!” A
    primordial o acusa, e o demônio ri
    de tamanha hipocrisia.
    “É? Então para você o certo, seria deixar Cerridwen nas mãos de Yaweh, ou como Lilith nas mãos de Adão? Sendo humilhada por ambos, sem saber do próprio potencial?!” Urra como um
    leão, e a velha o ignora.
    “Se este é o correto, por quê não?” 
    A velha retruca, e o rei demoníaco ri de novo, claramente ensandecido. No entanto a mão delicada em seu ombro o silencia, é Lilith que se mostra bem
    calma, perante as sandices da
    mãe.
    “Não adianta discutir. Ao menos Yaweh parece entender, então em vez de perder tempo com essa senil, por quê não nos preparamos para deter Bael?”
    Diz com tanta classe e imponência, que todos se curvam perante a ela, menos
    a sua genitora. Sem dizer mais uma palavra, Lúcifer segue sua rainha, e a primordial se vai, deixando apenas o
    casal mal resolvido para trás.
    “Eu tenho que ir.” Luciféria se prepara para partir, porém o arcanjo não a deixa sair.
    “Não me importo com a vontade de Harmonia. Eu amo, e sempre vou amar você, somente você.” Diz em seu ouvido, e aquilo mexe com a sua cabeça, porém antes que aconteça algo, ela se lembra de Azazel, e se esforça para seguir
    para longe.
    “Meu marido acabou de morrer. Seria desrespeitoso.” Diz com a voz fraca, lutando para se soltar, e um sorriso bem saliente, se forma no rosto do arcanjo. “Mais desrespeitoso que ter relações com ele no dia do nosso casamento? Eu acho que não.” Rebate, beijando-a de surpresa, ela tenta resistir, só que não consegue. Seu coração ainda pulsava por ele, mesmo que agora fosse uma pequena parte, e por isso aqueles
    segundos se prolongaram.
    “Chega.” Tem força para empurrá-lo, e este passa a mão nos cabelos sedosos. “Só foi capaz de dizer isso agora?” Brinca fazendo referência ao tempo que passaram, sentindo seus lábios se tocarem.
    “Isso não vai acontecer novamente.” Sai um pouco envergonhada, ajeitando os seus cabelos ruivos, e para o seu azar a prima vê tudo.
    “Beijando a esposa do seu irmão? Nossa Miguel, você já foi mais certinho.” Diz a moça de cabelos negros, exibindo os seus seios enormes para o anjo.
    “Ela teria sido minha esposa, se você não contasse a Azazel onde ela estava no dia do casamento. O quê quer Eke?” 
    O soldado volta para o seu estado natural de desprezo e indiferença.
    “Eu quero você meu doce de abóbora.” Diz ela com voz infantilizada subindo de quatro na mesa de rocha, e o ser alado a ignora. Uma coisa era sensualizar, outra era o baixo nível de Eke.
    “Até mais, e se cobrir um pouco mais não vai te matar.” Diz se retirando do local, e a jovem sopra o cabelo no
    rosto.
    “Ela dorme com o seu irmão no dia do casamento, e fica com você no dia que ele morre, e eu que sou a meretriz?!” A morena provoca, e isto irrita bastante
    o ser celestial.
    “Não ouse sujar o nome dela. As coisas que Nahemah faz, são porquê ela ainda não se decidiu sobre nós 2. Mas assim como eu a beijei, tenho certeza que o idiota do Azazel a seduziu! Ela não
    é como você!” Discursa defendendo a sua amada, e sai do lugar, deixando vilã jovem enraivecida, pois sempre Luciféria, se livra da culpa, e não só é dona de um coração, como de 2 seres bem poderosos. O quê significa que tem chance de reinar no céu, ou no inferno, enquanto ela está fadada aos nobres, que considera os restos da hierarquia satânica.
    “Nahemah é? O quê diria se ela virasse uma prostituta na boca dos homens?” Diz Eke passando a língua entre os dentes, e então toma a forma de Isis, e resolve dormir com os 10 primeiros que encontra no oriente. 
    Fazendo-os espalhar a fama de que Isis da Suméria, era uma vagabunda, que não prestava, e aceitava qualquer coisa por umas moedas de ouro. 
    No entanto quando isto chega aos ouvidos de Miguel, este gargalha, pois agora que Luciféria tinha o dom da manipulação da realidade, podia não só vigiar a inimiga, como também provar suas artimanhas.
    “Vai deixar isto barato?” Diz Miguel ao mergulhar nas linhas do destino, e Luciféria cai no escárnio. 
    “É claro que vou. Meu nome de batismo é Luciféria. Se ela quer sujar Nahemah que vá em frente, mas aguente as consequências mais tarde.” Responde entre risos com o olhar diabólico.
    “Pra mim você sempre vai ser a Nahemah verdadeira.” Diz-lhe meio sem jeito, e a jovem se afasta dele. Tinha lhe dito que o fato não se repetiria, e se dependesse dela, não iria mesmo. 
    Só estavam juntos neste momento, porquê Luciféria e ele ficaram de vigiar as entradas do refúgio.Já que ninguém do inferno quis fazer par com a deusa
    angelical, por ter libertado Yaweh.
    “Foco na missão soldado.” Diz com a voz falha, e este ri da péssima 
    atuação.
    Após alguns anos...Luciféria e o 
    arcanjo, desenvolveram certa amizade, 
    o quê deixava os deuses apreensivos.
    “Seu filho não cansa de avançar em
    uma jovem viúva, não é Yaweh?” 
    Lilith culpa o arcanjo, cruzando os
    braços.
    “Sua filha é que não para de tentar encantar o pobre menino!” Yaweh
    rebate, observando os dois 
    rindo.
    Depois daquele estranho momento 
    na sala, o anjo lhe prometeu que esqueceria o romance, mas não iria
    deixá-la se sentir solitária. Algo que
    veio a calhar, pois depois de “trair
    o Inferno.” Amizade estava fora
    de cogitação.
    “Princesa Luciféria.” Disse-lhe uma 
    das criaturas infernais, e esta lhe deu atenção. “Eu sempre a admirei, mas não acredito que libertou Yaweh, não depois de tudo o quê ele fez.” Falou
    sem pensar duas vezes.
    “Foi por causa do arcanjo?” Pergunta sendo intrometida, e a bela levanta as mãos, pedindo uma pausa. “Não fiz isso por Miguel. Fiz por Azazel, ele é o meu par, e apenas por ele me sacrificaria”
    Respondeu-lhe com um sorriso. Sem saber que aquelas palavras, entravam como uma lança no peito do alado, 
    que apenas se distanciou, evitando por 
    hora aquele pequeno conflito.
    “Não espero que entendam. Mas que no mínimo compreendam, Harmonia faria pior, se eu não o libertasse.” Diz e a tal criatura se transforma na jovem e sedutora Éke Hécate II.
    “Não me importo com os seus atos. Faça o quê quiser, mas alguém que se importa, acabou de ser ferido, e eu estou pronta para consolá-lo” Diz 
    Indo atrás do anjo. 
    De certa forma aquilo lhe preocupa, contudo não considera uma má notícia,
    e por isso em vez de impedir Éke, de ir atrás do seu grande amor, apenas volta a caminhar e supervisionar as tropas
    dos demônios.
    As fofocas voam como moscas, e chegam aos ouvidos de Luciféria, que fica furiosa. “Eu não acredito que de fato chegou a este ponto.” Pensa
    ao ouvir o falatório dos
    guerreiros.
    Como de costume vai para um 
    canto deserto, longe de tudo e de 
    todos. 
    Só que desta vez, arranja companhia, sem sequer desconfiar que está 
    sendo seguida.
    Um ser que segue aos outros, a agarra por trás, e coloca uma lâmina na sua garganta.
    “Quieta princesa, sem nobreza 
    alguma. Primeiro veio o boato de que dormiu com o seu irmão, depois com o próprio pai, e agora beijou seu antigo noivo, no enterro do atual marido” 
    Disse-lhe o ser embrulhado em roupas típicas do calor.
    “É óbvio que gosta muito de coisas carnais, e eu estou louco para lhe dar uma.” Prosseguiu retirando o seu membro, e a jovem gritou sem pensar duas vezes, estava tão assustada com atual situação que se esquecia dos
    poderes.
    “Afaste-se dela.” Disse uma voz no 
    meio da areia, e o arcanjo pousou atrás do demônio abusado.
    “Ela gosta destas coisas.” Mas a criatura repugnante prosseguiu, e 
    ainda passou a mão na pele da 
    garota.
    “Todos sabem o quê você fez com ela, e ainda sim ela caiu nos seus braços.” O provocou. O arcanjo não se conteve, e
    o partiu no meio, derramando sangue
    sobre a princesa que estava em 
    silêncio.
    Após salvar a sua vida, e depois do tempo que passaram juntos, ele achou que poderia acalmá-la, mas quando colocou a mão em seu ombro, ela
    saltou para longe.
    “Eu não vou te machucar.” Disse ao guardar a espada, tentando se aproximar.
    “Fique longe.” Foi o quê conseguiu sussurrar, só que ele não cedeu, e lhe puxou pelo pulso para o seu peito.
    “Você, você não é o herói. É por sua causa, que não, não pude me defender” 
    Disse com os olhos grandes de medo,
    mantendo-se firme para não surtar.
    “Nem eu me perdoo por aquilo Nahemah.” Respondeu-lhe ainda mantendo-a no calor dos seus
    braços.
    Ao vê tal cena Éke surtou, e saiu berrando aos 4 ventos que Miguel tinha matado um demônio inocente, porquê a prima tinha tentado dormir com este, e o pobre agricultor a rejeitou.
    Percebendo o alvoroço, Lilith logo notou que havia algo errado, e abandonou a aula que estava dando, para ir atrás 
    da filha.
    “Luciféria está tudo bem?” Lilith 
    pegou no rosto da jovem, e esta continuava num estado de 
    catatonia.
    Como só encontrou ela e Miguel, logo
    quis acusá-lo de abuso, só que ao ver que a menina não largava a mão dele, e estava coberta de sangue roxo, soube
    que desta vez ele não era o 
    culpado.
    “O quê aconteceu?” Perguntou limpando a face da rebenta, sabendo que algo muito ruim havia acontecido.
    “É minha culpa. Eu a desrespeitei, e agora muitos outros pensam que podem fazer o mesmo, por sermos amigos.” Responde sentindo-se o 
    maior causador dos problemas, e 
    ele era mesmo.
    “Amigos? Você a beijou no mesmo 
    dia que o marido dela morreu!” Gritou Eke, e Lilith lançou um olhar de incredulidade para o rapaz.
    “Como eu disse, eu sou o culpado.” 
    Sorriu sem vontade alguma, apenas pela vergonha de encarar a rainha demônio.
    “Cuide dela. Não a deixe sozinha
    .Eu vou resolver essa situação.” Disse para os dois, e partiu até o marido.
    Eke detestou o fato, de Lilith dá a benção para Miguel resguardar a filha, e por isso foi até a sua avó, e lhe contou tudo, sobre o quanto Luciféria estava atrapalhando o destino, e que não
    abria mão do anjo.
    Para dar-lhe uma lição, e satisfazer o desejo da sua neta favorita, Harmonia então jogou a alma de Azazel no portal,
    e jurou que se Luciféria continuasse a interferir, iria destruí-la também.
    Luciféria após se recuperar do choque, sentiu-se ultrajada com tal afronta. Não foi ela que beijou Miguel, nem era ela que o procurava, porquê tinha que
    pagar e levar Azazel junto?
    Graças a Eke parte das tropas celestiais e infernais que tinham aprendido a conviver, agora lutavam entre si.
    De um lado os demônios acusavam Miguel de assassinato, e do outro os anjos diziam que foi para proteger a garota.
    E isso trazia velhas memórias, do porquê tinham batalhado uns contra 
    os outros anos antes do conflito.
    Tudo estava tomado pelas desavenças,
    como se o inimigo tivesse se infiltrado 
    dentro das colônias, para 
    separá-los.
    “Papai não é justo!” Grita a primeira filha do imperador infernal. “Eu sei minha pequena, mas ainda sim voltou
    a se relacionar com Miguel? Mesmo
    sabendo como terminou?” Diz um
    pouco surpreso com a notícia.
    “Foi apenas um beijo, e nem fui eu que o dei.” Retruca envergonhada, mexendo uma das pernas. “Mas você retribuiu. Senão Éke não contaria a ninguém.” 
    O pai rebate.
    “Filha eu amo você, e quero a sua felicidade. Sua avó é louca, só que sobre você e Miguel, eu concordo com ela, não é para acontecer de novo.” O rei
    lhe dá um sermão, e ouvir aquela frase
    sobre ser melhor evitar, lhe deixa um
    pouco triste.
    “Eu não o beijei. Nem o quero de volta.
    Miguel é só um amigo agora.” Tenta responder. “E será que ele sabe disso?”
    Diz Lilith interrompendo a conversa,
    e pede para o amado se retirar.
    “Luciféria desde que nasceu, sempre fiz o possível e o impossível para que não se magoasse.” Diz Lilith, acariciando a bochecha da filha, como se fosse uma criança.
    “Eu não me importo com Miguel! 
    Aquilo foi um erro! Eu só queria que Azazel estivesse bem, e não naquele portal, cheio de criaturas bizarras, de 
    onde só meu pai voltou!” Berra antes que venha outra lição, sobre a impossibilidade de se relacionar com um celestial. 
    Todavia a rainha que é bastante perceptiva, nota uma certa irritação quando lhe é negada a oportunidade de ter algo com o arcanjo. “Ela ainda não o esqueceu também.” Pensa com os seus sábios olhos de coruja. “Luciféria Lilith II.” Chama-lhe a atenção antes de 
    sair.
    “Você não pode mentir para nós. Nem para si mesma.” Diz encarando-a com calma, porém com seriedade, e a moça passa pela porta da frente. 
    “Você? Não morres cedo.” Diz ao ver
    o arcanjo encostado na porta, mas este não ri da piada, ao contrário dos outros, acha mesmo que Luciféria, só o vê como
    um bom amigo, e apesar de relevar isto
    , não gosta nem um pouco da ideia.
    “Não me afastarei de ti. Sabe-se lá, quantos mais poderão vim.” Responde com frieza, e a bela só o olha sem muito interesse. É quando um belo pardo vem
    ao seu encontro, e a cumprimenta.
    “Olá irmãzinha. Vou ser seu novo guarda. Papai não quer que ande com
    esse cara.” Asmodeus olha com raiva para o arcanjo, pois Azazel era mais
    que seu irmão, era seu melhor
    amigo.
    “Eu tomo minhas próprias decisões.
    Lúcifer não pode me impedir de ficar perto dela.” O arcanjo dá um passo
    a frente, com o peito estufado.
    “Ah posso sim. Ela é minha filha, e 
    eu não a quero com um psicopata como você.” Responde o rei, e os mais novos
    silenciam-se, assustados com esta
    intervenção direta.
    “Eu a salvei, de um dos seus babilônicos.” O arcanjo rebate com um sorriso de vitória. “É, depois de ter feito pior, e ter lhe levado a tirar a própria 
    vida!” O pai diz sem paciência, e notando o conflito, a jovem fica no
    meio dos dois. 
    “Por favor parem. Papai está certo, é melhor ir com Asmodeus, pelo menos desta forma, ninguém pensa coisa
    errada.” Diz indo embora com o irmão, e o arcanjo fica incrédulo, enquanto
    Lúcifer sorri com satisfação.
    A última batalha antes do fim. Parte IV
    Em meio há tantas desavenças, Lilith 
    se posicionou para defender a filha.
    “Eke foi a responsável por tal conflito.
    O demônio Arctus, não é inocente, e todas que o conhecem sabem 
    disso.” Anunciou para a multidão que
    lhe observava atentamente.
    “O único erro de Miguel, foi tê-lo matado tão rápido.” Disse 
    gargalhando.
    “Sabemos que nós somos diferentes.
    Porém são estas diferenças que nos farão vitoriosos na próxima batalha.
    Por isso guardemos as raivas que temos uns dos outro para o inimigo!” Exclamou com ferocidade e todos lhe aplaudiram, contentes por tê-la como
    líder.
    No entanto havia alguém não muito contente em meio a multidão.
    Embora discursasse como a deusa guerreira, a bela não despertava muita confiança em Lúcifer, por isso ele 
    saiu.
    Ao vê-lo partir Luciféria ficou desconfiada, e deixou Asmodeus no canto com uma linda alada, que estava interessada nele. Indo atrás do seu 
    pai de imediato.
    Notando que estava se colocando 
    em risco, o arcanjo foi atrás dos dois, para garantir que ninguém fosse atrás da garota outra vez, sumindo do meio da multidão, sem ser notado até por
    Eke.
    Quando chegou no fundo do deserto, onde não havia mais ninguém, Lúcifer virou furioso pegando-a pelo pescoço, 
    e atirando um raio em Miguel, achando que estavam tentando matá-lo.
    Contudo ao ver que era sua filha e 
    o irmão, baixou a guarda, e os soltou . 
    “Me perdoe Luci. Você não, você mereceu.” Disse para o arcanjo que
    apenas revirou os olhos.
    “O quê está acontecendo?” A dama lhe perguntou, e o pai ficou de cabeça baixa , não sabia como lhe contar, estava se sentindo envergonhado demais para
    falar.
    “Vamos papai diga!” Disse-lhe temerosa sobre o quê estava vindo a acontecer. “É sua mãe. Desde que o Inferno foi invadido, ela não é a mesma.” Responde com 
    tristeza.
    “Estes ataques mexem com a nossa cabeça mesmo. Não deve ser nada.” A jovem tenta acalmá-lo, e este fica um pouco chateado. “Ela tem sido infiel a mim!” Grita para a pequena, e os
    seus olhos crescem.
    “Como assim?” Miguel pergunta desconfiado, entrando na conversa sem ser chamado, mas Lúcifer está tão triste que resolve desabafar. “Oras ela tem se deitado com nossos servos, todas as noites, pelas minhas costas!” Berra
    em tom de fúria, e os dois se entreolham.
    “Não me importo com isso em si. A infidelidade aqui, a traição, é porquê 
    ela não me contou nada, eu tive que descobrir!” Diz com lágrimas douradas descendo pela face, e a filha o 
    abraça.
     “Eu que a fiz minha melhor amiga, 
    e agora ela vem e me apunhala  pelas costas!” Ele retribui o abraço, e a moça olha para Miguel, que fica apenas a
    analisar os fatos.
    “Apesar de achar que traição é comum na sua família, não acho que Lilith está fazendo tal coisa.” Responde o anjo, 
    e a princesa o fulmina com o 
    olhar.
    “Elas não cometem traição, sem haver sentimentos, e não creio que Lilith ame a todos os servos.” Conclui olhando nos
    olhos da dama, que fica desconcertada 
    com tais palavras, mas não desvia
    dele.
    “Há algo errado, e precisamos averiguar sem chamar a atenção.” É
    o quê fala para os infernais. “Então a minha Lilith, não é...?” Lúcifer pergunta voltando a razão, e Miguel ergue uma sobrancelha, indicando um talvez.
    “Deixem comigo. Eu tenho acesso 
    as cordas do destino, posso descobrir o quê está acontecendo.” Luciféria se 
    dispõe a ajudar, e os irmãos 
    concordam.
    A bela se afasta de seus familiares, 
    e vai para um canto silencioso, onde fecha os olhos, e se concentra nas
    linhas do destino de sua 
    mãe.
    Está tudo escuro, uma gosma de 
    plasma pinga no piso. Tudo o quê se houve, é o gotejar da água, que parece ecoar como se fosse dentro de uma 
    caverna.
    Lilith está colada a uma teia de 
    aranha, enrolada como se fosse um casulo, e sempre que as linhas brilham, esta agoniza, e cospe sangue. Há uma
    aranha gigante ali, pronta para lhe
    devorar, mas está a aguardar o
    momento certo.
    “Lúcifer por favor não acredite nela.” É o quê sussurra, como se estivesse num terrível pesadelo, e Luciféria volta a si,
    num suspiro profundo, caindo na 
    areia.
    “Nahemah! Tudo bem?” O arcanjo corre para ajudá-la a se levantar, e a moça o olha com indiferença. “Já disse que é Isis.” O corrige. “Já disse que é Nahemah.” Ele rebate.
    “O quê viu?” Lúcifer aguarda ansiosamente pela resposta. “Mamãe está em apuros.” A menina responde 
    se levantando, e quase desmaia pois
    o lugar, lhe sugou muita energia.
    “Cuidado.” O arcanjo a pega nos braços antes que caia, e esta fica vermelha de vergonha. “Estou bem, não preciso de...” Seus olhos se fecham outra vez, e ela vai para uma outra dimensão, onde se encontra em meio ao deserto, sentindo
    o vento árido em seu rosto.
    “Onde estou?” Pergunta erguendo o
    pulso contra a testa, para se defender
    do ataque do Sahara.
    “E importa?” Responde-lhe uma voz familiar, e ela reconhece como seu pai,
    mas basta ver os olhos negros para
    saber que não se trata dele.
    “Socorro!” Berra desesperada, e acorda no mundo das aranhas. “Luci está tudo bem?” O arcanjo lhe pergunta, e ela
    se solta, afastando-se de todos.
    O sol está raiando, o calor se faz presente, mas a princesa do inferno
    sente muito frio. Com as mãos na cabeça, ela cai no chão arenoso.
    E então uma mulher de cabelos negros,
    e olhos verdes como neon, vem ao seu
    encontro para socorrê-la. 
    “Você está bem?” Perguntou-lhe a moça. “Sim” Respondeu, mas quando sua palma entrou em contato com
    ela, a moça soube quem 
    era.
    “Você é a filha de minha irmã Lilith!
    Como está grande!” Cumprimentou-lhe
    , e a dama ficou confusa, e sem dizer
    nada, a mulher lhe roubou um
    beijo.
    Em vez da saliva comum, saiu um espírito verde da sua boca, que veio a entrar na garganta da jovem, como
    se fosse uma fumaça viva e
    brilhante.
    Após a menina engolir até a última
    molécula da energia, as estranhas veias
    secam, e a mulher vira pó. Ao sentir isso
    na pele, a dama não suporta a força
    em sua carne, e desmaia.
    “O quê é você?” Pergunta-lhe dentro
    da própria mente. “Eu sou você agora, e juntas formamos uma. Mas no futuro só uma restará, com poderes duplicados.”
    Responde-lhe a forma estranha.
    “Não, eu não quero lutar pelo  
    domínio do meu corpo.” Retruca. “Devia ter pensado nisso, antes de se matar.” É o quê rebate, em meio a gargalhadas
    de escárnio.
    “Aaaaah!” Ela grita em desespero, 
    e ao voltar a consciência, procura algo 
    para se cortar. “Não vai funcionar.” Lhe
    diz com confiança, e ela se força a
    vomitar.
    “Não.” Nega com alegria. Ao vê-la 
    se contorcendo, o arcanjo corre para lhe ajudar. “Saia daqui!” Ruge como um leão, e tal como o felino, salta
    para trás.
    “Nahemah? ” Ele pergunta assombrado com a voz demoníaca saiu da garota. A pobre, corre por entre o deserto, em completo desespero.
    “Socorro!” Grita aterrorizada, no 
    meio do nada, e ninguém vem para resgatá-la, pois estava longe, até 
     do quê até os deuses podiam
    alcançar.
    Ao adquirir tamanho poder, ficou
     tão veloz, que ao correr, pulou por
    mais de 5 das 9 dimensões 
    divinas.
    “Pequena criança, você precisa 
    de  ajuda não é?” Disse-lhe um ser, passando a mão em sua cabeça,
    enquanto ela ficava de 
    joelhos.
    “Papai?” Levanta o olhar, e se
    depara com o senhor supremo. “Não,
    é o titio Bael.” Respondeu-lhe com um sorriso, e esta se afastou indo para 
    trás.
    “Fique longe de mim!” Grita como 
    um humano, após ver o demônio. “Seu
    pai, e eu compartilhamos a mesma forma. Não há o quê temer.” Ele
     tenta lhe ajudar, mas ela 
    recusa.
    “Aceite. Tudo ficará bem.” Diz ao
    erguer a mão, e esta se levanta sem
    lhe dá outra oportunidade. “O quê
    queres de mim?” Inquire de
    imediato.
    “Tirar toda esta dor e sofrimento 
    minha pequena.” Responde, e ela ri
    “Em troca de quê?” Questiona de
    imediato, sendo sarcástica.
    “Você receberá fama, glória, e 
    fortuna.” Responde criando a maior
    ilusão de poder. “É tudo o quê sempre quis não é? Isis.” Alega colocando
    um colar de ouro em seu 
    pescoço.
    “Isis, o nome de uma deusa. Mas olhe para você, já foi uma princesa, adorada, respeitada, e amada, e no planeta em que vive agora, não passa de uma
    serva.” O diabo toca na sua
    ferida.
    “Eu sei o quê tem no seu coração. 
    Apesar de aparentemente ser feliz por
    servir os deuses, na verdade gostaria de voltar a ser um deles.” Passa a mão
    em seu ombro, rondando-a como
    uma serpente.
    “Isis. Você pode ter tudo isso 
    outra  vez, basta me entregar a chama da velha. Este poder, só te trará dor, e
    sofrimento, mas em mim será a
    razão do futuro.” Persiste em
    seduzi-la.
    “Um futuro onde todos curvam-se 
    para você? A onde minha posição irá se encaixar?” Pergunta-lhe com ironia. “
    Na imaginação deles, e todas as vezes
    que ouvirem o teu nome e te adorarem
    , você ficará mais forte.” Responde.
    “Sendo real e irreal?” O olha com dúvidas. “Exatamente. Querida aos meus aliados, tudo será permitido. Não
    Importam as regras, pois sou a favor da total liberdade.” Sorri, imaginando todas as atrocidades que irão
    permear o mundo.
    “E os outros?” Pergunta-lhe com 
    total ceticismo. “Eles não merecem esta honra.” É claro e objetivo. “Tem que me prometer, que não os machucará.” 
    Lhe impõe.
    “Suas mortes serão rápidas e silenciosas.” Promete-lhe, e a pega
    nos braços. “O quê está fazendo?” Ela
    pergunta. “Da mesma forma que o
    recebeu, deve transmitir.” Lhe
    esclarece.
    “Certo. Mas se a sua boca encostar
    na minha, eu enlouquecerei de tanto nojo.” Responde. “Eu sou tão belo quanto Lúcifer.” Retruca, sentindo-se
    insultado.
    “Será como beijar o meu pai. Tu Enlouqueceste?!” Grita, e ele tenta abocanhar o ser primordial. Ela lhe
    transmite, evitando o contato bucal, 
    até olhar para a mão deste, e notar 
    que os dedos estão cruzados.
    Sabendo que será enganada, em 
    vez de lhe transmitir o espírito, usa o
    magnetismo, e puxa a essência dele
    para si. Suas veias pulsam sem
    parar, seu corpo parece
    não suportar.
    A regra para receber a chama de Harmonia era clara, ela tinha que ser dada ao próximo, mas a de Caos só
    podia ser tomada, por aqueles que conseguissem dominá-la.
    “O quê está fazendo?!” O demônio
    grita com ela, mas esta continua a se
    manter com os pés firmes, e tenta em
    segundos dominar o Caos, com o
    poder de Harmonia.
    Notando que está sendo roubado, o
    diabo acovardado corre, e a moça cai de joelhos no piso. Ao ver que as suas
    células, estão se desfazendo sem 
    voltar ao normal, ela se
    assusta.
    “Socorro!” Berra ao voltar para 
    frente de Miguel, que a pega em seus braços, com estranheza. Para os seres
    carnais, só haviam se passado alguns segundos, como se ela tivesse se
    telestransportado.
    “Temos que salvar Lilith agora!” Grita
    em desespero, e seus cabelos começam a enegrecer, enquanto a pele empalidece.
    “Luciféria o quê fez?” Lhe pergunta 
    seu pai, e ao ver que o olho da menina está colorido com um violeta quase branco, descobre.
    “Você se encontrou com Bael!” Urra
    claramente furioso com o fato. “Ele, me procurou, mas, eu, disse, não.” Ela tenta responder. “Não, há, tempo.” Segura a mão de seu pai, e do seu tio, e os leva
    para o mundo obscuro.
    Ao chegar lá, se deparam com a 
    pobre rainha aprisionada num casulo, 
    e sem perder tempo, correm para lhe
    tirar dali. Contudo ao dar o próximo
    passo, Luciféria não suporta, e
    desmaia.
    “Vá resgatá-la, eu cuido da Lucy.” 
    Responde o arcanjo, quando o rei dos demônios, vira-se para ver se a filha está bem. O alado pega a jovem no
    colo, e tira seu cabelo do rosto, 
    para ver se está bem.
    “O quê houve Lucy?” Pergunta-lhe o 
    Jovem homem. “Preciso, salvar, todos.”
    Responde, e o agarra pela roupa, lhe beijando de surpresa. Mas não se
    trata de um beijo sentimental, 
    pois o faz de maneira 
    agressiva.
    “O quê foi isso?” O anjo lhe pergunta,
    sem entender porquê a dama o atacou, e antes que diga algo mais, ela o beija
    outra vez. “Retribua” Tenta lhe pedir,
    e este o faz, ainda desconfiado.
    “Nota-se que não está com Azazel 
    não é Luciféria Lilith II?” Diz-lhe sua mãe, saindo de trás de Lúcifer, que
    também não fica feliz com a cena
    , que está vendo.
    “Eu precisava descarregar a energia,
    e a melhor forma foi esta.” Responde e
    o anjo fica espantado. “Eu fui usado?
    Sem piedade?” Diz com o olhar 
    cheio de dor.
    “Não é hora para chorar. Eu estou 
    com a chama do Caos, e a de minha avó Harmonia, acho que não passo de hoje
    .” Mostra os braços, e olha para as
    veias radioativas no seu 
    corpo.
    “Como isso é possível?!” Lilith a questiona, sem entender o quê está havendo. “Bael tentou me seduzir com promessas falsas, e eu arranquei esse poder dele, fingindo ceder a chama.”
    Responde lembrando daquela
    estranha dimensão.
    “Como você tem a chama de Harmonia?” Inquire ainda abalada 
    Pelas revelações do dia. “Há quanto tempo roubaram a sua forma?” Ela
    Fica incrédula.
    “Desde que Belzebu invadiu o 
    Inferno.” Responde de má vontade.
    “E quem descobriu a verdade?” Ela
    pergunta, curiosa para saber a
    quem agradecer.
    “Fui eu.” Miguel dá um passo
    a frente. “Ah ninguém importante.”
    Passa pelo arcanjo, e abraça a
    sua filha.
    “Mamãe adoraria ver a reunião
    entre o filho renegado e a mãe que
    o despreza. Mas não há tempo.” É
    o quê diz, destruindo o clima de
    tensão.
    “O quê quer fazer  agora que tem 
    tais poderes ?” Pergunta desconfiada, e a dama desmaia em seus braços. “Lucy”
    Miguel é o primeiro a reagir com
    preocupação. 
    “Onde estou?” Se pergunta deitada no quê parece ser uma tela vazia, e então se levanta, observando ao redor. 
    Uma silhueta familiar vem ao seu encontro, parece ser o seu pai na forma demoníaca. O quê lhe trás apreensão, 
    pois acredita que é Bael.
    “Papai?” Pergunta desconfiada, 
    então ouve risos piedosos, mas a voz não pertence ao imperador, ou ao inimigo, o quê lhe intriga.
    “Não, mas ficará igualmente feliz ao
    saber” Responde, e o olhar dela brilha.
    Seus passos se tornam velozes, e ela
    se atira nos braços da criatura.
    “Azazel!” Dá um grito jubiloso, e 
    ele a carrega sem problema algum, 
    sentindo-se feliz pela recepção
    tão calorosa.
    “Como isso é possível?! Eu vi a 
    anciã jogar seu períspirito no portal!” Ela pega no rosto do amado. “Sim, 
    e ela o fez.” Esclarece, ainda a
    abraçando.
    “Então?” Questiona mostrando-se confusa. “Lúcifer e eu, já estávamos prontos, para tal eventualidade. Nós
    Já havíamos atravessado a barreira”
    Enfim revela. “Por quê?” Inquire em tom imperativo. 
    “Fora o fato de que era divertido, 
    nós acreditávamos, que nas outras dimensões, haviam materiais para 
    deter Yaweh, de uma vez por 
    todas.” Responde.
    “E para deter Bael?” Pergunta de imediato, e o charmoso demônio só abaixa a cabeça. “Yaweh era só mais 
    um Deus, mas Bael tem o poder do
    nosso avô.” Mostra-se um pouco decepcionado.
    “Então estamos fadados a nos 
    Render a ele?” Volta a interrogá-lo. “Não, se nós separarmos a chama
    de Zebub dele” Lhe dá uma 
    saída.
    “Que bom. Porquê eu consegui.” Ela o surpreende, e o faz sorrir. “Isso explica a aparência nova e soturna. Mas como?” Não consegue deixar de sentir 
    curiosidade.
    “Longa história. Só que em resumo: Ele me fez receber um poder, que acreditou que eu lhe entregaria, para voltar a ser
    reconhecida.” Conta-lhe com
    tristeza.
    “Tocou na sua maior ferida, e você quase lhe entregou, mas no fim se virou contra ele, e conseguiu roubar o poder do seu avô de volta.” Conclui, e ela
    se envergonha por quase 
    cair.
    “Exatamente, e estou amando cada segundo que desfruto com você, mas eu preciso voltar pro outro lado, antes que os poderes extremos do universo, me 
    despedacem, e gerem mais uma dimensão.” Responde se 
    afastando.
    “O quê vai fazer?” Lhe pergunta com
    certa preocupação, pois tal poder iria de fato matá-la para sempre. “Eu não sei,
    só sei que preciso consertar o mundo
    antes que seja tarde demais” Lhe
    diz, e ele a pega pelo 
    pulso.
    “Luciféria, tome cuidado.” Pede-lhe 
    com medo, e esta sorri sem vontade, se
    distanciando dele, até acordar num
    suspiro profundo.
    “Nahemah.” É a primeira palavra 
    que ouve, e já se irrita. “Já disse que é Isis.” Diz acordando num tapete, e olha para os seus pais, que estavam lhe
    esperando aflitos.
    “Precisamos fazer alguma coisa logo.”
    É o quê diz ao acordar, e então a mãe se ajoelha ao seu lado, empurrando o arcanjo para longe.
    “A sua avó deve saber o quê é melhor”
    Responde-lhe, e então a menina grita em desespero, sentindo o raio de Caos saindo do seu corpo. “Idiota. Achou
    mesmo que tinha domado o Caos
    por completo” Ouve-se na
    escuridão.
    E todos se preparam para lutar, mas
    o demônio gargalha, e rouba a menina diante dos seus olhos, tornando-a sua refém ao prendê-la contra o
    peito.
    “Se machucar a minha garotinha, 
    vai se arrepender do dia que saiu da prisão!” É o quê Lúcifer brada, com a saliva de ódio, escorrendo pelos
    lábios.
    “Ora irmãozinho, por quê eu destruiria alguém tão preciosa?” Pergunta-lhe ao tocar no rosto assustado da dama, que não consegue reagir, porquê ele está
    sufocando seu poder, tornando-o
    nulo.
    “Achou que meu propósito era 
    oferecer um pacto?” Pergunta para a jovem, e esta é libertada somente para falar. “Na, não era?” Responde ainda em pânico. “Não, eu queria que me
    sugasse a energia, para ter o total
    controle de você.” Revela.
    “Por, por quê?” Sussurra com a voz fraca, mostrando-se debilitada. “Oras por quê Harmonia fez o quê eu queria, te deu o poder da filha morta, para
    libertar Yaweh.” Continua  a
    falar.
    “O único poder que poderia atravessar o tempo, e tirar toda a minha capacidade.” Sorri, pegando no cabelo da jovem, que era estava ondulado, progredindo para o liso.
    “Mas... você, você disse que a vovó só me entregou a essência, não, não a  chama.”  O contesta, e este 
    gargalha.
    “E você é tão tola que acreditou.” A insulta, ainda atento ao possível ataque 
    que Lilith, Lúcifer, e Miguel planejavam com o olhar. “A mulher que vi...?” Se
    pergunta.
    “Era a Deusa que se foi. Ilusionismo necromântico, seu pai e eu fazíamos na infância, antes de Yaweh me prender, e o torná-lo o favorito.” Se interpõe, e
    a dama olha para o pai.
    “Isso é entre nós dois Bael. Sempre foi
    , achei que o tempo o faria amadurecer, 
    mas vejo que apenas apodreceu.” O 
    ofende, e este ri com escárnio.
    “Que seja. Mas vamos ver como a
     sua amada filha vai se sair no meu lugar!” Responde, e aperta a cabeça
    da menina, gerando uma corrente
    elétrica, que afeta os seus 
    nervos.
    A dama grita desesperada, e quando
    está livre para usar os seus poderes, ele volta a anulá-los. “Solte-a agora!” Grita
    o imperador dos demônios, e o arcanjo
    assisti aquilo, pronto para reagir.
    Só que Lilith pela primeira vez, em 
    um gesto de compaixão, segura no seu
    ombro, impedindo-o de se arriscar. Ele
    é o único dentre os três, que poderia
    servir de agente duplo.
    Já tinha provado que faria qualquer
    coisa por sua filha, e por isso embora ele tenha tentado proteger Azazel, o
    grande traidor, certamente iria 
    lhe chamar de volta.
    Só que se atacasse neste momento,
    iria colocar tudo a perder, e Luciféria não teria nenhum amigo, para lhe
    ajudar a escapar.
    A menina urra e seus olhos sangram
    com tanta intensidade, que o sangue se
    parece com tinta negra. Ela vai para o
    seu próprio inferno, no qual volta
    a reviver o dia que traiu
    Miguel.
    A cada segundo o impacto dele 
    contra o seu corpo, se repete, se iniciando apenas na hora que
    lhe causa dor.
    E desta vez é pior, pois ela sente algo
    dentro do seu corpo, mas vê o arcanjo ao longe, apenas observando tudo
    sem mover um dedo para 
    ajudar.
    Ao olhar para cima, descobre que 
    quem está montado sob as suas costas
    é o próprio Bael, e que seus olhos estão brancos como a luz solar. “Faça o quê
    lhe ordeno” Diz como se comandasse
    alguém.
    Num outro quarto escuro, há uma cortina caída sob a cama, e uma moça
    ruiva como Luciféria, sobe nos lençóis.
    Ela tira as roupas do pai, e se deleita
    em seus braços, fazendo-o lhe
    penetrar.
    “O quê?” Luciféria se  pergunta,
    vendo tal cena, não era sua mãe ali, não chegava nem perto disso. Era uma menininha de 1700 anos, só que ao
    vê-la, sua mãe lhe chamava de
    “Luciféria”.
    “Não! Não sou eu!” Ela esbraveja, horrorizada, tentando escapar do seu torturador, e este sorri deixando-a ali
    estirada, enquanto chama o arcanjo
    , para tomar o seu lugar.
    “Está feito. O coração de Cerridwen
    não será o mesmo, e logo Luciféria será
    destruída meu pai.” Diz o anjo com tanta felicidade, que assusta.
    “Você não falou que a destruíria!”
    Miguel se impõe entre Bael e Yaweh, e o executor se retira, deixando o pai e
    o filho discutirem.
    “Pai por quê fez isso comigo?” 
    A ruiva sussurra, e Yaweh e Miguel correm ao seu encontro, e ambos lhe
    fazem esquecer o ocorrido, dando-lhe
    novas memórias, aquelas que ela
    se lembrava antes.
    “Luciféria nunca mais pisará no meu
    castelo.” Diz uma voz familiar, e agora
    a jovem vê a floresta negra, na qual 
    ocorre um encontro.
    É a sua irmã mais nova, Lilá que está
    conspirando com Bael. E isto faz com a jovem grite, porquê a menina além de
    ter o seu sangue, era a sua melhor
    amiga, e tinha lhe traído.
    “Por quê ela fez isso?! Logo eu que sempre a protegi das represálias de nossa mamãe, e os castigos de
    papai!” Isso lhe atordoa.
    “Por quê!?” Ruge e os fatos se 
    repetem outra vez. Voltando sempre para a traição e o estupro, até que
    ela não suporta. “Por favor!” 
    Ela implora.
    “Por favor Bael faz isso parar!”
     As lágrimas vermelhas escorrem pelo seu rosto, e o deus sorri. “Como desejar.” Diz ele.
    Então todo o pesadelo se desfaz, 
    e se transforma num paraíso perfeito,
    no qual ela e Azazel estão felizes, e
    há um novo deus, o seu pai que
    trás felicidade a todos.
    Os gritos cessam, e ela fica em silêncio.
    Lúcifer observa aquilo com cautela. “O quê fez a Ela?” Pergunta entre dentes.
    “Apenas a mandei para um mundo
    maravilhoso.” Responde, e seus
    olhos ficam sombrios.
    “Luciféria, ataque-os!” Ordena, e os
    olhos da jovem brilham como neon, até carregar duas esferas de energia violeta nas palmas. “Nahemah..Não...” Miguel
    implora, lutando para não reagir, e
    a bela voa na sua direção.
    “Você não vai destruir os meus 
    pais!” Grita enquanto o ataca, mostrando que claramente não está naquela dimensão.
    O soldado, segura seus punhos, mas
     a dama lhe acerta o chute. “Vocês são
    Monstros! Devem ser exterminados!”
    Continua a atacá-lo violentamente,
    com voz de trovão.
    Lilith e Lúcifer se entreolham, e 
    ambos unem forças para atacar Bael. Eles voam na direção do senhor dos
    raios, e aterrissam transformados
    em dragões , só que o ser ri, e
    também muda de
    forma.
    Na forma de um ser com patas de elefante, e o corpo gigantesco, com vários tentáculos do rosto, e asas de morcego. Ao vê-lo, os dragões 
    arrancam-lhe a cabeça.
    Porém este gargalha, e o crânio 
    se refaz. A criatura solta um rugido forte, e os atordoa ao ponto dos 
    seres voltarem a forma 
    humana.
    “Behemoth.” Diz Lúcifer, e o Demônio 
    ri daquilo. “Com todo o poder de Caos e o universo, e você ainda lembra deste nome ridículo.” A criatura caminha,
    cercando-o.
    “Foi como nosso pai o chamou, quando atingiu a sua verdadeira forma irmão.” O eterno rei responde. “De fato, mas
    não altera a questão.” Retruca, e
    o ataca.
    Porém Lilith cria um escudo, e o impede de ser atingido. “Deixará sua mulher, te salvar mesmo?” O provoca, e este ri. “De forma alguma.” Olha para a
    bela, e esta entende o 
    recado.
    “Iremos resolver este problema 
    juntos!” Grita e os dois atacam em
    sincronia, atirando-lhe um raio, no
    meio de um dos 5 corações, que
    rapidamente se regenera.
    “Nahemah.” O arcanjo segura o punho
    da princesa, e bloqueia suas pernas. Ela podia ter grande energia, mas ele foi
    o seu mestre, e sabia como
    pará-la.
    “Vocês são monstros!” Esbraveja, sentindo-se vulnerável. “Acorda...Lucy.”
    O anjo segura-lhe o rosto, enquanto
    prende seus finos pulsos, com 
    a outra mão.
    “Como sabe o meu nome criatura?” 
    Pergunta-lhe claramente assombrada
    com a descoberta. “Porquê não sou um
    demônio.” A imagem do ser horrendo
    desvanece, e ela volta para o tempo
    atual.
    “Para onde me trouxe demônio?!”
    Ela grita, se afastando dele. “Lucy.” O
    ser a agarra. “Este é o mundo real. Não
    o outro.” Ele tenta fazê-la perceber que
    era tudo ilusão. “Do quê está falando?
    Num momento estou em casa, e no
    outro aqui não faz sentido.” É o
    quê lhe fala com desagrado.
    “Aquele lugar não é a sua casa.” Ele lhe responde. “É claro que é. É o lugar que o meu avô cedeu ao meu pai, depois de o perdoar por seus pecados.” Ela mostra
    está distante da realidade.
    “O quê? Não! Yaweh nunca perdoo
    Lúcifer! E por isso você sofreu, e eu tive
    parte no seu sofrimento.” O pobre se
    esforça para fazê-la lembrar, mas
    está evidente que não irá
    conseguir.
    “Yaweh perdoo meu pai sim! E ele e
    a minha mãe foram felizes! Assim como
    sou com o meu único amado Azazel.” A
    última frase, é como uma flecha 
    que o dilacera.
    “Você nunca se apaixonou por 
    mim, digo por Miguel?” Ele pergunta preocupado com o quê iria ouvir. 
    “Está louco? Miguel é meu tio, e 
    O marido da minha querida prima, a 
    quem eu nunca trairia.” Responde, 
    certamente o vendo como um
    ser das sombras.
    “Então no seu mundo perfeito, 
    nós nunca tivemos nada.” Aquelas
    palavras trazem dor ao arcanjo, e
    este se torna sombrio.
    “Com você nada mesmo demônio.”
    Ela responde sem pensar duas vezes,
    e ele abre as asas, levando-a para fora com o brilho no olhar, que lhe era bem conhecido. Era raiva, raiva provocada
    pela rejeição, pela dor, e o medo.
    “Tio o quê planeja?!” Ela grita, ao
    sentir os braços dele entorno dela, e vê que estava com Miguel, e não uma criatura grotesca.
     “Eu não sou um demônio. Demônios não tem asas de penas.” Responde, 
    e seus olhos se encontram.
    “Certo, tem anjos maus no reino do terrível Ismael, isso faz de você um demônio.” Ela o corrige, e este 
    sorri com furor. 
    “Não é o caso.” Levanta voo, em rumo
    a lua, que estava cheia.
    “Então o quê quer?! Yaweh não 
    gostará desta brincadeira.” Ela fica assustada ao ver o quanto estão
    distantes do chão.
    “Não me importo.” Retruca, e a
    moça fica incrédula. “Só quero que
    se lembre de mim outra vez.” É o quê diz, e a larga entre as nuvens. “Louco!
    O quê está fazendo?!” Berra, ao ser
    jogada há 50 mil pés do solo.
    “Eu não sou o marido de Eke!” Ele a
    pega nos braços. “O quê? É claro que é! Harmonia os uniu! Eu vi o casamento!” 
    Ela responde, se debatendo em seus
    braços, e este a solta outra vez.
    “Socorro!” Ela urra temendo a distância entre a areia e o seu corpo. “Eu fui o Seu noivo!” Ele conta. “Não foi nada! Só tive Azazel na minha vida!” Ela grita, e de
    novo, ele a deixa cair.
    “Você foi minha, e eu te amei, como você me amou!” Ele revela, e isso faz com ela sinta uma pontada no peito.
    “Eu não...Por favor para!” Ela lhe
    implora, antes que ele volte
    a arremessá-la.
    “Não sei que poção te deram. Mas 
    você está confundindo toda a história. Eke é a sua paixão, e a única que você ama!” Ela o pega pela gola da camisa, que fica embaixo da armadura, ele
    em desespero, olha-lhe com
    medo.
    Seus antebraços se enrijecem, e as
    mãos a puxam para o peito, enquanto
    os lábios dele, mergulham nos seus
    em um beijo roubado.
    “Como pode achar que eu amo Eke?
    Se você foi, e sempre será a mulher da minha existência.” Ele sussurra, e ela lhe dá um tapa. “Bem que Eke me
    falou que era cafajeste!” diz
    ao limpar os lábios.
    “Lucy não...” Ele diz com aqueles 
    olhos azuis de gato assustado, mas ela nem se esforça para lembrar, pois tem certeza de quê está certa. “Eu não 
    sou nada do quê pensa.” Se
    defende.
    “Eu te defendi pra Ela. Disse minha prima Ele só tem olhos para Você, e é assim que me retribui? Fazendo com que seja uma das suas conquistas?!” A dama rebate, demonstrando sua
    raiva.
    “Eu e você somos amigos?” Ele lhe pergunta. “Sim, éramos. Azazel não irá gostar disso, nem Eke, e eu não posso seguir sabendo de suas intenções 
    insidiosas.” Ela responde, e isso 
    de certa forma o entristece. 
    No mundo real eles eram um par, e 
    se amavam intensamente. No perfeito 
    nunca deram sequer um beijo. Porquê
    se juntaram a outros pares, e ele
    não passa de um canalha.
    “É assim que é perfeito para ti Lucy?”
    Ele questiona. “Não ter nenhum tipo de envolvimento, com o pior marido que há? Sim.” Ela fala sem sequer 
    analisar.
    “Tudo bem. Me perdoe pelo beijo, 
    vamos fingir que não aconteceu.” Ele
    cede ao mundo em que ela quer viver,
    mesmo que isso o machuque, e que
    não seja o seu desejo.
    “Não posso. Eke é como uma irmã
    que nunca tive, seria errado.” Ela lhe
    diz. “Faça o quê achar melhor.” Ele
    responde com voz fraca e sem
    ânimo.
    “O melhor, é você voltar pra sua 
    mulher, e nunca mais se aproximar 
    de mim.” Ela responde, e ele só
    balança a cabeça.
    “Como quiser.” Ele pousa na areia,
    e a deixa ir. “Não me levará de volta pra casa?” Lhe inquire. “Você vai achar o seu caminho, tenho certeza.” Diz
    deixando-a para trás.
    “Nem sei onde estou. Este lugar tão sombrio, cheio de lama e lodo, me dá calafrios.” Caminha ao lado dele, e este ri sem vontade, de fato ela permanece presa ao controle de Bael. “Se sou
    tão ruim...” Inicia descendo 
    a montanha.
    “Por quê está seguindo comigo?” Ele
    ergue a sobrancelha, curioso pelo que há de vir. “Eu não conheço este lugar,
    e Yaweh te nomeou, um dos seus
    generais.” Diz de imediato.
    “Ah tá.” Respira fundo, Bael foi bem esperto, deu a ela elementos reais, só para garantir que jamais acordaria. “O beijo foi ruim?” Ele pergunta. “Não
    quero falar.” Responde com
    indiferença.
    No fundo se sente envergonhada, no
    mundo perfeito, jamais tinha beijado a outro anjo, pois seu corpo e espírito,
    eram somente do marido.
    “Se não responder, serei obrigado a
    fazê-lo outra vez.” Ele brinca, e a bela congela. “Por quê é importante? Eke 
    me disse que já beijou várias.” 
    Tenta desviar o assunto.
    “Várias me beijaram, mas eu só 
    beijei uma.” Ele a corrige, e ela o ignora. “A sua mulher.” Responde seca. “É, se 
    é no quê quer acreditar.” O soldado 
    do céu, revira os olhos, com o 
    seu sorriso maldoso.
    “O quê quer comigo?! Por quê veio
    me perturbar tão de repente?!” Ela o inquire, movendo os braços, e ele a
    joga contra o ar, prendendo-a
    aos seus braços.
    Para ela, foi jogada contra a árvore
    , e esta desapareceu. Sua mente fica a falhar, e cenas sombrias dominam a sua cabeça. “Eu quero que lembre de mim.”
    Ouve ao longe, vendo a sua verdadeira
    vida, se passando como um filme
    antigo.
    Uma dor extrema, lhe faz fraquejar,
    e gritar aos ventos. Ao ver que surtiu 
    efeito, ele tenta elevar o choque, e
    a abraça forte.
    Novamente os lábios dele, vão de encontro aos seus, e ela o empurra em pânico. “Miguel você perdeu o parafuso foi?! O outro beijo foi só para diminuir a carga de Harmonia, não confunda as coisas !” Grita, e ao ver que voltou 
    ao normal, ele volta a beijá-la
     de alegria.
    “Você voltou!” Ele a cumprimenta, e
    esta o estranha. Do quê estava falando
    ? E onde estavam? Eram perguntas que não se calavam. “É uma longa história.
    E o beijo foi necessário.” Ele responde
    , e sai com um sorrisinho de
    vitória.
    “Volta aqui, pervertido.” Ela o segue, 
    e ele vira. “Quer repetir a dose?” Ergue a sobrancelha, sentindo-se atraente e
    irresistível. “Não.” Diz friamente,
    e ele continua rindo.
    “Está agindo como um idiota.” Ela o
    julga, mas a felicidade dele é tanta, que
    isso não o atinge. “Um idiota feliz, por
    saber que minha amada, voltou a
    se lembrar de mim” Lhe
    diz.
    “Está amando outra pessoa? Porquê
    eu não lembro de ti!” Ela fica defensiva,
    e ele outra vez a agarra. “Eu sei que se
    lembra. Não adianta esconder.” Diz
    olhando-a no fundo dos 
    olhos.
    “Um beijo pra não morrer, e fica assim.”
    Ela o desdenha. “Três beijos na verdade. 
    Para te fazer lembrar de mim.” Retruca.
    “Três?!” Ela se horroriza. “Ou mais.”
    Passa na frente dela, com o
    olhar confiante.
    “Você deve beijar mal mesmo. Por isso
    demorou tanto para eu voltar” Brinca, e ele olha sério para ela. “Quer testar ?”
    Questiona, e ela nega repetidas
    vezes.
    “Então não diga mentiras.” Segue
    bem animado, levando-a para longe do conflito. Infelizmente sua felicidade não dura, a grande luz os cega, ele se põe
    na sua frente, e segura-lhe atrás
    dele.
    “Nahemah Lilith.” Diz a voz de Bael, 
    e esta retorna para o seu controle, deixando o arcanjo, para seguir
    com o novo Deus.
    “Lucy não!” O arcanjo diz ao vê-la
    indo para os braços do demônio, que
    a acolhe, e diz algo no seu ouvido,
    que o guerreiro não é capaz
    de entender.
    A dama então voa na direção dele,
    e passa direto, indo até os humanos
    que assassina um a um, drenando
    o sangue deles, com uma única
    mordida.
    Quando não, os abre ao meio com
    um sorriso macabro, tendo piedade dos bebês, mas não dos adolescentes, aos
    quais acerta golpes, que são fortes
    para arrancar-lhes o 
    coração.
    Devido a alguma frase que o sol 
    negro lhe disse, ela assassina mais de
    mil pessoas, em questão de minutos, e
    pouco á pouco, vai pintando o mundo
    de sangue inocente e culpado, até
    restar só os que seguem a
    Bael. 
    Fim?
  • Assassino Familiar

    Todos estavam festejando e brindando com as suas caras garrafas de champanhe em um pequeno círculo. Era fim de ano e toda a família estava comemorando por estarem bem e juntos em uma bela cobertura de frente para o mar. Não era uma família muito grande, tendo uma esposa e seu marido, que tinham uns 45 anos, e seus 4 filhos: um casal de gêmeos com 20 anos, uma menina com 18 e um menino de 15 anos. Antes mesmo da meia-noite e ainda com vários pratos à disposição para serem devorados, todos estavam dormindo e nem os fogos de artifício que brotavam de todos os cantos foram capazes de acordar essa família.
    O primeiro a acordar foi o jovem de 15 anos. Ele abriu os olhos bem devagar como se as suas pálpebras pesassem dezenas de quilos e percebeu que ainda estava de noite. Ele tentou se levantar jogando um dos braços para a frente para se apoiar no chão, mas não conseguiu e acabou com a cara no chão. Na queda, mordeu a língua e uma dor aguda foi direto para o seu cérebro, fazendo todos os músculos faciais se revirarem. Foi aí que percebeu que os seus braços e pernas estavam amarrados de maneira bem firme, chegando inclusive a doer um pouco. E o cheiro, o cheiro também era forte e confundia os sentidos. Ele vinha de todos os lugares: das roupas, das paredes e da enorme poça em que estava sentado. Finalmente percebeu que estava em uma piscina inflável que nunca tinha visto antes com outras três pessoas ainda desacordadas. Piscou algumas vezes tentando aumentar a velocidade dos seus olhos para fazer com que o seu cérebro pegasse no tranco. Depois de uma dezena de piscadas, percebeu que o cheiro era de gasolina. E que não era pouca, pois parecia que tinha uns três postos à sua volta em um dia bem movimentado de promoção. Sentiu o seu estômago se revirar por causa do cheiro e do medo crescente. Os seus olhos começaram a marejar, mas pouco antes de sua visão ficar encoberta pelas lágrimas identificou que aqueles que estavam ao seu lado eram a sua família com a exceção dos gêmeos.
    Ele não tinha forças o suficiente para voltar a ficar sentado, então foi tentando se virar de barriga para cima para tentar achar os seus irmãos. Quando se virou para o lado oposto, o seu rosto ficou paralisado tentando entender o que estava acontecendo. Ele viu a sua irmã segurando uma faca enquanto encarava o gêmeo que estava amarrado em uma cadeira de madeira. Ela sorria com os seus olhos vidrados no gêmeo, sem desviá-los nem mesmo por um segundo. Ainda deitado no chão, ele tentou falar alguma coisa, perguntar o que estava acontecendo, o porquê disso tudo ou qualquer outra coisa que levasse a algum diálogo, mas só conseguiu balbuciar alguns sons sem sentido. Foi o suficiente para que ela virasse o rosto. Embora os seus olhos parecessem aterrorizados, o sorriso macabro continuava em seu rosto. Ela deu alguns passos em direção a ele e ao resto dos seus familiares amarrados, mas repentinamente e bruscamente parou na metade do caminho. Ficou os encarando por uns 10 segundos antes de começar a falar:
    — Finalmente acordaram para o show! — a sua voz estava trêmula — Não é nada pessoal com nenhum de vocês, só quero me divertir um pouco. Se me deixarem em paz, a vida continuará! — ela voltou a andar na direção deles, levantou o irmão que estava no chão o deixando sentado e depois deu as costas e voltou a encarar o seu gêmeo. Durante toda a fala os olhos dela estavam marejados e assustados, mas o sorriso maníaco não saiu em momento algum.
    Todos da família estavam assistindo atentamente cada movimento que ela fazia sem pronunciar nenhuma palavra. Ela ficou olhando para uma mesa que, pela distância, a sua família não conseguia saber o que tinha nela. Depois de quase um minuto em que ficou quase sem se movimentar, a não ser por uns leves movimentos de não com a cabeça, ela pegou um martelo e um prego de uns 8 centímetros, posicionou o prego no joelho do gêmeo que não parava de repetir a palavra “não”, tomou distância com a mão, disse “sim” e com apenas uma martelada enfiou o prego inteiro bem na articulação do joelho. O gêmeo deu um enorme grito de dor e recebeu um soco por causa disso. Ele chorava como um recém-nascido e, talvez por causa do barulho, ela amordaçou o gêmeo. Os seus pais começaram a implorar para que ela parasse e por isso foram amordaçados também. Os outros dois irmãos não emitiram nenhum som. Eles olhavam, mas não acreditavam. Talvez pensassem que era um pesadelo ou que tinha alguma droga alucinógena no champanhe, aquilo só não podia ser real. Mas para o gêmeo era real e ficava ainda mais a cada minuto que passava e a tortura aumentava.
    Logo quando terminou de amordaçar os pais, voltou para o gêmeo e pregou o outro joelho dele. A família tentava desviar o olhar, mas sempre um acabava vendo alguma parte da tortura. As unhas sendo arrancadas lentamente com alicate ou rapidamente com pedaços de madeira embaixo delas, os diversos cortes feitos pelo corpo, a órbita ocular sendo arrancada com uma colher, a língua sendo arrancada com uma faca quente e as articulações sendo rompidas uma a uma. Essas foram apenas algumas das que eles tiveram estômago para ver. Normalmente elas aconteciam depois de um momento de alívio quando tudo ficava em silêncio. Esse silêncio era a esperança de que o gêmeo tinha morrido e que o seu sofrimento tinha acabado. Mas em todas as vezes ele só tinha desmaiado e em todas elas o gêmeo era obrigado a acordar seja por injeções de adrenalina ou por cheirar amônia, a tortura tinha que continuar.
    Ela só acabou depois de umas duas horas quando ela encharcou o corpo do gêmeo com gasolina e ficou parada na frente de todos com o seu maldito sorriso e com lágrimas saindo dos seus olhos.
    — Todos nos comportamos muito bem e por isso vamos sobreviver. Logo tudo isso irá acabar e poderemos voltar a viver nossas vidas normalmente. — Ela acendeu o isqueiro e ficou com ele no ar de olhos fechados enquanto as lágrimas aumentavam. Depois de uns quinze segundos a sua mão ficou mole e o soltou, caindo em uma poça de gasolina no chão e iniciando um incêndio sobre o corpo do gêmeo. Todos da família assistiam sem acreditar no que os olhos viam, quietos, pasmos. Eles viram o fogo atingir primeiro as pernas do gêmeo, fazendo com que os músculos da panturrilha se contraíssem em meio aos gritos de dor. Quando o fogo atingiu a barriga e o peito, os punhos já estavam fechados, mas os músculos da nuca se enrijeceram forçando o pescoço a virar a cabeça para o alto como se os seus gritos praguejassem contra um deus cruel. Até que um silêncio quase total atingiu a cobertura, a não ser pelos choros e pelo baixo estalar do fogo. O gêmeo agora parecia uma estátua de pedra completamente cinza e sem vida, mas que ainda transmitia a dor e o sofrimento que a artista queria provocar.
    Logo depois que os gritos acabaram, o resto da família foi dopada novamente e posta para dormir. Eles só acordaram quando a polícia chegou e todos esperavam que os policiais dissessem que tinha sido só um pesadelo. Quando era confirmada a realidade, o choro intenso voltava a acontecer. A gêmea também foi encontrada desacordada e quando voltou a consciência não parava de repetir que foi forçada a fazer tudo. Durante os depoimentos da família à polícia, tudo a apontava como culpada, mas ela insistia em sua inocência. Segundo sua versão, ela também foi dopada e acordou um pouco antes de todos. O seu irmão gêmeo já estava amarrado e, por mais que tentasse, não conseguia tirar o sorriso do rosto que parecia pregado na face. Foi aí que começou a ouvir uma voz em seu ouvido direito como se tivesse outra pessoa falando em um ponto nele. Era essa voz que estava ordenando cada ação que ela fazia e, se sequer hesitasse em obedecer, a voz dizia que toda a sua família iria sofrer e morrer por culpa dela. Então ela teve que decidir quantos iriam morrer e ela optou pela opção que tinha menos vítimas.
    Apesar de uma extensa investigação, nenhuma prova que sustentasse a versão dela foi encontrada. Não havia sinal de toxinas em seu organismo que pudessem ter causado o sorriso e nem algum vestígio de qualquer equipamento eletrônico que pudesse justificar as vozes em seu ouvido. Quase toda a sua família acreditava que ela era um monstro, com exceção do seu irmão que se apegava ao terror que viu nos olhos dela no dia do ano novo. Mesmo com o apoio dele, ela foi condenada a quase cem anos de prisão em um hospital psiquiátrico. Será nele onde passará o resto de sua vida como uma vilã sádica para alguns e, para outros, como uma heroína que se sacrificou para que sua família pudesse sobreviver.
  • Bem seja a vossa morte!

    Breves relatos sobre as histórias do leão Nero o palhaço Puppy e a octogenária Catarina.
    Cecília (2003-2018)
               Cecília levantou-se mais cedo naquela manhã domingo. Havia esquecido o cordão de ouro na casa de Maria Júlia e precisava buscá-lo antes que a mãe desse falta da valiosa jóia. O colar foi presente de aniversário da falecida avó Adélia quando Cecília completara quinze anos e trazia  aquela velha história de tradição familiar. “Fora da sua bisavó depois passara a sua avó e que agora passava para neta”. Coisa de uma geração de apegados a bens materiais, pois o colar era de ouro legítimo e valia uma boa nota. O resto era conversa fiada porque aquela baboseira de valor sentimental realmente não procedia.
              Cecília pegou a bicicleta do irmão Miguel por volta das seis e vinte da manhã. Aquele foi o último ano em que o horário de verão fora obrigatório e quando a adolescente saiu de casa o dia ainda não havia amanhecido e a escuridão tomava conta da paisagem. Cecília pedalava rapidamente, assim chegaria mais rápido à casa de Maria Júlia e a mãe nem ficaria sabendo da saída da filha.
              Cecília jamais chegou à casa de Maria Júlia.
                                                                            
    Mariana (2005-2018)
              A celebração da missa era um laivo de pureza naquele mundo lascivo e desregrado. Mas para a adolescente Mariana era entediante.  A menina ainda não trazia dentro de si os vícios de uma mulher adulta. Era pura e virgem e não enxergava qualquer beleza no grisalho e viril padre Julian, com quem a mãe tanto sonhava. Para a menina, o padre era somente um homem simpático e com uma linda voz. Nunca suspirara pela voz rouca do religioso e nunca se deitara sonhando com o padre.
             Mas ela só tinha treze anos.
              Assim que terminou a missa, Mariana logo quis ir embora para assistir Stranger Things, uma série da Netflix que fazia o maior sucesso entre as adolescentes no ano de 2018. A série estava em sua primeira temporada e a menina não perdia um único capítulo e só tivera que parar naquele dia porque a mãe a intimara a comparecer à missa, caso contrário, ela ficaria sem internet durante todo o mês. Depois das ameaças, o jeito foi se enfiar em uma velha calça jeans e partir resignada ao lado da mãe. Rezando para aquele suplício terminar logo e ela possa voltar para se divertir com Mike e seus amigos.
              Na porta da igreja a mãe pegara-se de conversas com o padre Julian e um idoso ajudante de missas, conhecido como Marcelinho sacristão. Mariana pediu autorização à mãe para que ela fosse à frente. A mãe permitiu, não sem antes adverti-la a olhar para todos os lados. Mariana foi embora e o padre Julian pediu licença para se juntar a outro grupo de fofoqueiras que o requisitava há horas.
              Já no sossego de seu quarto, Mariana escutou a gata Serafina arranhando a porta querendo entrar em casa. A menina se levantou para buscar sua companheira de quarto. Aproveitaria também para escovar os dentes, pois trazia na boca, o gosto do vinho artesanal, produzido pela casa paroquial. A bebida tinha gosto de sangue e sentia o estômago embrulhado. Ela bebera do vinho diretamente do cálice de padre Julian, assim que recebera a hóstia das mãos de Marcelinho durante a comunhão. Foi quando uma mão forte na escuridão da sala a agarrou com força a impedindo de chegar até a porta.
               Mariana nunca mais assistiria a nenhum capítulo de Stranger Things. Sob os lençóis da Tinker Bell o notebook ficaria pausado para sempre. Assim como a garota havia deixado.
             Do lado de fora da casa, Serafina jazia decapitada.
                                    
                                             
    Angústia e Desespero
              A notícia do desaparecimento das jovens tomou grande repercussão nacional. O assunto foi amplamente divulgado nas mídias sociais. Jornais sensacionalistas com seus repórteres sedentos de sangue esmiuçaram sem cessar sobre o sumiço das adolescentes. A princípio pensou se tratar de uma peraltice das garotas, mas com o passar dos dias elas não retornaram e nem fizeram nenhum contato. A polícia, com o auxílio de cães farejadores, vasculhou os arredores de toda a cidade. Mas nunca houve uma pista concreta que os levasse até as meninas. Nenhum corpo atirado numa vala foi encontrado. Nenhuma gota de sangue no trajeto percorrido pelas adolescentes foi deixada para trás. Não havia nada, uma pista sequer.  Um mistério que nem Sherlock Homes poderia desvendar.
             O caso permaneceria incógnito por um ano. 

    O aprendiz de assassino
    (1960-1971)
            Ainda moleque,  Luiz Marcel cismara de fugir com o circo dos irmãos Freitas. Era deslumbrado com a balbúrdia que reinava naquele alegre e festivo ambiente. Tinha boa vontade em ajudar e por isso foi bem recebido por todos. A princípio ficara responsável pela montagem do circo. Capinava, roçava o que preciso for para que o circo tomasse forma e despertasse imponente nas pequenas cidades por onde passava. Com o passar do tempo aprendeu malabarismos com Genaro, que além de exímio trapezista, um ótimo malabarista. Sem citar que Genaro enlouquecia as mulheres em um justo macacão branco que usava em suas apresentações. A veste deixava parcialmente a mostra o desenho perfeito de seu corpo moreno.
             O moleque Luiz Marcel era de grande valia para o circo. Malabarista engraçado, trapezista desengonçado, ajudante de palhaço e servia de ponte para as repetidas piadas do astro maior do circo, o palhaço Puppy.  Foi durante as apresentações com o palhaço que Luiz Marcel tomou-se de grande admiração por Adalberto de Freitas, o artista que interpretava o divertido Puppy.
              Adalberto de Freitas era um artista muito experiente e desempenhava com perfeição o palhaço Puppy.  Era o mais velho dos irmãos Freitas e também um dos proprietários do circo. A responsabilidade desde a tenra idade não deixara Adalberto menos alegre e brincalhão. Bem diferente da maquiagem sisuda e assustadora de palhaço que ele trazia estampada no rosto. As crianças tinham um verdadeiro pavor do palhaço Puppy, que se divertia com o medo delas.
              Luiz Marcel tornou se fiel companheiro do palhaço. E foi Adalberto quem ensinou a Marcel, a arte da hipnose, que era o uso do poder da voz para encantar. O moleque aprendiz passou a seguir Adalberto como um cachorro vira-lata, vindo a descobrir mais tarde que o palhaço Puppy nas altas madrugadas saía na escuridão da noite para desempenhar o papel de que mais gostava. A arte de matar.
    As preferidas de Puppy (1938/1971)
    _Sejam bem vindas senhoras
    Vovô, vovó, e o neném!
    Sejam bem vindos compadres!
    A moça bonita e a feia também.
    _Seja bem vindo doutor!
    Comadre Candoca,
    E compadre Nereu!
    O véio cuida das véia
    E das novas quem cuida sou eu!

             Palhaços galhofeiros divertiam o público. Gracejando com o povo que se amontoava em filas para garantir o ingresso para a entrada do espetáculo.   Eles davam piruetas e recitavam trovas divertidas. Encantando a todos e levando alegria ao povo simples do interior.
             Crianças driblavam os vigias, tentando com sucesso, pular a grade que separava o circo do povo e correndo em direção à lona colorida. Que mal pregada no chão era facilmente rompida pelos moleques que acabavam assistindo ao espetáculo de graça.
               O circo era um grande evento naquela época. Não havia televisão e atrações como essas eram novidades e traziam vida e movimento para as pequenas cidades.
             A cada apresentação, deleite e delírio. Ingênuas mocinhas sonhavam em serem trapezistas, imaginando-se vestidas em collants cintilantes que brilhavam mais que as estrelas.  Muitas se apaixonavam pelos artistas e não eram poucas as que acabavam fugindo e se integrando à trupe para viverem àquela vida nômade de circo.
             Puppy surgia no picadeiro trazendo uma pesada maleta de caixeiro viajante. De dentro dela surgiam cuecas de bolinhas, meias furadas e sombrinhas coloridas. Era ali também que ele guardava o mapa da morte. O público aplaudia.
             O palhaço assassino fazia mesuras seduzindo donzelas. E diante delas ele escolhia a sua vítima. O esquema sinistro era tramado naquele instante e sob o olhar de fascínio da platéia.
             Uma garotinha ruiva sorria. Seus seios haviam acabado de desabrochar. Eram tão pequeninos e delicados feitos botões em flor.
             Depois de meia hora fazendo as habituais palhaçadas, Puppy se despedia da multidão. Sua voz grave entrava no ouvido das mocinhas que ficavam a imaginar como seria o rosto do palhaço debaixo da pesada maquiagem. Sua face era feia, assim como sua alma.
             Antes de deixar o picadeiro ele se virava para a plateia e olhava fixamente nos olhos de sua vítima. Parecia dizer com aquele olhar frio: _Chegou a sua vez!
             A garotinha ruiva com um pacote de pipoca nas mãos acenou sorrindo.
             Só mais um pouco.  
             Ao fim de sua apresentação o palhaço assassino tirava a maquiagem e trocava de roupa, esperando pacientemente o espetáculo terminar. Quando, em seu camarim, ele escutava seu irmão caçula Emílio Freitas se despedir do público, ele sabia que havia chegado o momento. Então se espreitava para fora do circo para fazer o reconhecimento do terreno. Naquela época as ruas eram mal iluminadas e tornava-se fácil cometer um assassinato. A certa distância, Puppy observava onde era a morada da jovem que seria assassinada aquela noite. Afinal o leão Nero tinha fome, estava há dias sem comer. E Catarina, cada vez mais branca, ansiava urgentemente por um copo de sangue jovem.
             Ele a viu entrar em casa. Seus cabelos ruivos iluminaram a noite.
             Quando o relógio soava meia noite, ele pegava a maleta e saía em direção à vítima. A machadinha afiada, o acompanhava silenciosa.
             Ah como era gostoso matar! Só de imaginar as suas mãos frias quebrando pescoços jovens e brancos, ficava excitado. Meu deus era tudo tão fácil! Ele, tal qual um anjo da morte espreitava a casa simples, trancada por insignificante tramela. Adentrava silenciosamente no quarto escuro a procura de sua escolhida.
             A lamparina no canto da sala morrera, sorvendo a última gota de querosene. A fumaça preta que se esvaía do pavio queimado reverenciava a morte. E a morte chegava.
             A vítima não tinha tempo de gritar. Uma mão assustadoramente grande já enlaçava o pescoço num só bote, feito uma jibóia, ansiosa em destilar seu veneno.
             O anjo da morte saía levando a jovem vítima desacordada. Numa clareira qualquer, ele depositava seu corpo seminu, mal coberto por mimosa camisola de algodão. A machadinha afiada reluzia o olhar apavorado da donzela.
             E o espetáculo só estava começando.
               Primeiro ele tinha de deflorá-la. O grito de dor na primeira estocada. Muitas perdiam sua virgindade na hora da morte. Como era prazeroso ver o sangue da membrana rompida manchar a camisola. Segundos depois já satisfeito, era hora do rotineiro ritual.
             A machadinha reluzente de lâmina afiada, mal tocava a pele do pescoço e o sangue já começava a brotar na pele alva. Era só um pequenino talho para que ele pudesse colher o sangue que seria tomado por Catarina. A donzela ainda vivia. Ela tinha de estar viva. Deleitava-se em ver o terror em seus olhos.
             Depois de guardar o frasco de sangue na maleta, finalmente era chegado o momento da degola e do desmembramento. Mas antes, ele tinha de sentir o gosto doce do sangue. E enquanto a vítima agonizava, ele lambia com sua língua viperina, o sangue vermelho que escorria do pequeno talho aberto na garganta. Tinha gosto de morte. E ele gozava.
             Fim do primeiro ato. Agora era dar cabo no corpo.
             A cabeça já pendente caía de lado com a primeira machadada. Ali mesmo seria enterrada. Ele gostava de marcar o lugar onde aconteciam os assassinatos e caso houvesse um retorno do circo à cidade, ele saudosamente visitava o local. Isso lhe dava certa sensação de poder. Somente ele sabia onde se escondia a franzina boneca ruiva.
             Ao terminar a degola e já de posse da cabeça, ele, com a precisão e rapidez de um açougueiro, cortava em miúdos seu corpo pequeno. Finda a fúnebre tarefa, amontoava os pedaços e os envolvia em asquerosa lona. Seria poucos dias de comida para o leão Nero. A menina era deveras pequena. A cabeça da vítima com seus olhos esbugalhados assistia ao massacre impiedoso de seu corpo. Agora era só enterrar a cabeça e anotar no mapa a localização do bizarro tesouro. O dia já começava a clarear.

       Enlace infernal (1933)
              Ao completar dezessete anos Adalberto de Freitas engravidara a cartomante Ágata, uma integrante do circo de apenas quinze anos.  Temendo reprimendas do pai da garota, o atirador de facas Damião Rocha, eles se casaram dois meses após a descoberta da gravidez da jovem.
             Quando Catarina nasceu descobriu-se que a menina tinha uma grave doença e que devido à brancura de sua pele jamais poderia se expor à luz do sol por mais de quinze minutos. O curandeiro argentino Tito Salles, diagnosticara que a menina tinha vampirismo e que não sobreviveria por muito tempo contanto que tomasse todo mês um copo de sangue animal, assim como faziam os vampiros.
             Catarina viveu reclusa e sempre protegida pelo pai. A mãe havia desaparecido quando Catarina estava com cinco anos. Na época imaginou-se que Ágata havia fugido com Gegê, um charmoso palhaço peruano, que havia se apresentado por alguns meses no circo Freitas. Gegê foi embora na mesma época do desaparecimento de Ágata, e por isso presumira-se que os dois artistas fossem amantes e que haviam abandonado o circo durante a madrugada. Mas o que jamais souberam era que o simpático Gegê e a cartomante Ágata foram às primeiras vítimas de Adalberto. Sendo enterrados em profunda cova, numa espinhenta mata na região de Curvelo. Onde aconteceram as primeiras mortes. Gegê e Ágata só não foram atirados ao leão Nero porque Adalberto não podia levantar suspeitas, chamando a atenção para a sua pessoa.
             Em ensebado mapa, escondido no fundo falso da maleta, ele marcava com uma pequena cruz, os locais onde ele havia enterrado a cabeça das vítimas. Estranhamente, o desenho maldito dera forma a uma sinistra cruz. Apelidada por ele de Cruzília da morte. Uma cruz formada por crânios enterrados no solo de Minas Gerais.
    Catarina
             Catarina aos trinta e três anos sobrevivera tomando o sangue que se esvaía da cabeça dos cadáveres. A pele continuava sempre alva, mas apesar da saúde frágil o pai a encarregou da alimentação do faminto leão Nero. Nero saboreava cada pedacinho de seu delicioso cadáver a passarinho. Quando indagado pela posse de tão fresca carne, o sinistro palhaço gabava-se de suas habilidades como caçador.
    Laços interrompidos
              A amizade entre puppy e Luiz Marcel ultrapassara a barreira dos anos e por mais de uma década, o aprendiz foi um silencioso expectador da fúria incontida do palhaço.  Até que em uma silenciosa noite de dezembro, enquanto Puppy saía para caçar, Luiz Marcel sozinho com seus pensamentos sentiu-se excitado e como de costume foi à procura do palhaço para convidá-lo a ir à busca de sexo com prostitutas.
              O aprendiz bebeu um generoso trago de cachaça e com a garrafa na mão foi à tenda do palhaço. Ao afastar a cortina rubra, pode apreciar parte da bunda alva de Catarina atiçando ainda mais o seu desejo.
              Sem demora ele pulou como um lobo em cima da mulher, babando em seu pescoço e separando-lhe as pernas com suas mãos ásperas. Catarina acordou assustada com o homem em cima dela.
             Luiz Marcel já lhe rasgava a camisola para consumar o estupro quando o palhaço Puppy surgiu e num salto pulou em cima do aprendiz com seu ódio mortal. Prestes a ser assassinado, Luiz Marcel pegou a garrafa de bebida que trazia, e com toda força que conseguiu encontrar, quebrou-a na cabeça de Catarina que caiu desfalecida. Um afiado caco de vidro reluziu na mão do aprendiz, que com certeira precisão a enfiou fortemente no peito do palhaço, que ferido, caiu morto ao lado da filha, com um punhal de vidro cravado profundamente em seu peito, atingindo-lhe o coração.
              Era o fim de uma era mortal que durante anos levou o terror aos quatro cantos de Minas Gerais. A Cruzília da morte quebrara-se naquela cidade.
              Mas ainda faltava um elo!

      Encontro fatal

    Dezembro/2018
             Foi na missa do dia vinte e quatro de dezembro que ela o viu. Fazia anos que não ia à igreja. Devido a um problema circulatório nas pernas deixara de andar e agora só podia se locomover com a ajuda de uma cadeira de rodas. Como gostava de ser independente a presença de acompanhantes deixava-a incomodada. Mas aquela missa era especial para ela, pois além de ser a missa do galo, comemorava-se também o aniversário de seu pai.
               A pele branca estava coberta por uma mantilha preta que ela jogara por cima dos cabelos brancos. E foi graças ao acessório que ele não pôde reconhecê-la. Mas Catarina, jamais se esquecera do aprendiz. O assassino de seu pai estava ali, bem diante dela. Distribuindo hóstias e sorrindo sedutoramente para as jovens beatas. Os cabelos grisalhos lhe davam um ar de santidade. Catarina relembrou o assassinato há mais de quarenta anos. Ela ainda podia sentir as mãos daquele homem lhe abrindo as pernas e o cheiro de cachaça que exalava de sua boca enquanto ele lhe beijava. Como ela ficara desprotegida sem seu pai. Catarina queria ter morrido junto com ele naquela noite.
              Mas Catarina sobrevivera! Ao ser atingida pela garrafa, ela desmaiara e graças a isso não assistira a morte violeta de seu pai, atravessado no coração por um pontiagudo caco de vidro. O aprendiz logo que se deu conta das mortes, pois achara que Catarina sendo raquítica e doente, havia sucumbido igual a seu pai assassino. Fugira do circo para sempre, levando com ele a maleta onde Puppy guardava o mapa da morte.
              Emílio e Antônio de Freitas só descobriram o cadáver do palhaço no dia seguinte e logo depois deste acontecimento decidiram vender o circo e levar uma vida mais tranquila em pequena cidade no interior paulista. Além do mais a polícia andava investigando o desaparecimento de moças e estivera no circo fazendo estranhas perguntas. As famílias das vítimas desaparecidas cismaram que suas desajuizadas filhas haviam ido embora com o circo. E queriam mais informações sobre o paradeiro de seus queridos entes fujões.
               O leão Nero foi abandonado acorrentado a um imenso pé de ipê e lá permaneceu com fome e com sede por mais de dois meses sem nenhuma alma caridosa disposta a sacrificá-lo. E lá ficou até morrer. Catarina com o dinheiro que lhe coube na herança pôde fazer um avançado tratamento em um hospital em Nova York vindo a recuperar sua saúde em pouco tempo. Nunca foi comprovado o vampirismo. Foi diagnosticado que Catarina nascera com albinismo. O sangue humano que bebera durante grande parte de sua vida só agravara ainda mais a sua doença, pois logo ao beber um copo cheio do líquido vermelho e viscoso, Catarina nauseada, vomitava todo o sangue ingerido, perdendo parte das vitaminas de que seu corpo precisava. Mas Catarina nunca contou este fato ao pai, que imaginava que o sangue de suas jovens vítimas fortaleceria a pobre doente. Durante o tempo que ficou em tratamento nos Estados Unidos, Catarina se apaixonou pelo doutor Carl Andrews, sendo correspondida pelo mesmo. Casaram-se assim que ela teve alta e moraram algum tempo nos Estados Unidos. E aos quarenta anos, ela ainda gerou os gêmeos, Melody e Carl Andrews Júnior.
             Em 2015, Catarina decidiu voltar ao Brasil. Morou três anos na capital Belo Horizonte, mas acabou fixando moradia naquela pequena cidade. Onde residia há poucos meses.
             De onde ela estava, podia enxergar através de seu escuro véu o rosto do aprendiz de assassino. E Catarina decidiu que o próximo encontro seria diferente. E saiu da igreja.  

     Fúnebre Homilia (maio/2019)
              No dia cinco de maio seria celebrada uma homilia em homenagem ao aniversário de desaparecimento das meninas, Mariana Figueiroa e Cecília Mendonça. O arcebispo da região juntamente com o padre Julian celebrariam inesquecível sentinela.
              Às sete horas do dia cinco de maio de 2019 o sino tocou bravamente anunciando o início da sentinela. Padre Julian deu início à solene homilia. Uma cadeira de rodas se movia silenciosa pela igreja. Havia chegado o aguardado momento. Após breve leitura do novo testamento, o arcebispo dom Miguel Prado tomou o centro do altar para a recitação do credo.  Foi neste momento de fé e louvor a Deus que um abafado estampido ecoou na igreja tomando a todos de susto e surpresa. Aos pés do arcebispo dom Miguel Prado, jazia morto o aprendiz Luiz Marcel, conhecido como Marcelinho sacristão. Sob as vestes imaculadas do aprendiz, brancas hóstias mancharam-se de vermelho testemunhando o assassinato que fecharia aquele ciclo mortal. O elo que prendia a Cruzília da morte se rompera para sempre.
            Bem em frente ao altar, Catarina assistia ao fim da fúnebre homilia com a pistola descansando em seu colo. Apesar da vista fraca acertara o aprendiz bem no peito, no mesmo lugar onde há quarenta anos, ele apunhalara o pai, tirando-lhe a vida. Enquanto a octogenária era detida por populares ela ainda vislumbrou no altar o fantasma do leão Nero, liberto das correntes que o aprisionavam e junto dele o palhaço Puppy, partindo juntos para o inferno. Adalberto tomava de volta a sua maleta e agora levava aprisionada dentro dela a alma do aprendiz. Adalberto acenou para a filha e desapareceu para sempre.
              Naquela mesma tarde descobriu-se enterrados sob carregadas parreiras da casa paroquial os cadáveres das adolescentes, Mariana Figueroa e Cecília Mendonça. A polícia descobriu ainda, mais dezenove corpos não identificados e caberia minucioso trabalho para a descoberta das vítimas, já que não houve queixas de desaparecimentos nestes últimos anos. O aprendiz havia aprendido com perfeição a lição que o mestre lhe ensinara. E superado há muito, em número de mortes. Além destas belas parreiras, existiam outras mais. O trabalho do mestre não podia terminar.
             Padre Julian, desnorteado, acompanhava o desfecho daquela história macabra. Jamais desconfiara de Marcelinho beato a quem recebera de coração e braços  abertos.
               E de repente ele se deu conta por que as uvas eram tão doces. Foram regadas com sangue de virgens.
                                            
                                                     Fim
    Itaguara 22 de fevereiro de 2018
    Considerações finais:
    Catarina nunca soube que seu pai, um mensageiro de alegrias, fosse o anjo da morte, que durante muito tempo aterrorizou as pequenas cidades de Minas Gerais. O segredo do palhaço morreu com o beato Marcelinho. O aprendiz que aprendeu a matar.
              
  • BOLA DIVIDIDA

    - Nunca confie numa puta – sussurrou seu pai na ânsia da morte, antes de desfalecer no meio da praça da cidade, com a jugular cortada por uma gilete, em razão de não ter pagado os honorários de uma garota de programa quando ele tinha somente oito anos de idade.
    * * *
    Depois do almoço, preparado no fogão à lenha, improvisado no cume do cupim de barro, edificado próximo ao pé do Jequitibá que servira de esteio para o barraco, Zeca olhou a faca de cozinha sobre a mesa feita a partir das lascas de Palmeira Sete-Pernas e pensou consigo mesmo: “si ligue man, é agora ou nunca”. Ele pegou a faca, bem como a lima que estava com a ponta enfiada no oco da viga de Embireira e começou a amolá-la sobre a coxa.
    - Que isso macho? – Interrompeu-o Jorge enquanto bolava o cigarro.
    - Vou preparar um palmito para a janta – respondeu-lhe Zeca de pronto sem deixar de fazer o que já havia começado.
    - Oxe, oxe, leve o facão é milhô – insistiu o amigo.
    - Quero trazer é picadinho – disse Zeca colocando a faca na bainha.
    Um granido de coruja rasga-mortalha cortou o céu sobre suas cabeças.
    - Mau agouro! Se cuide para não cair em cima dessa faca – comentou Jorge, tendo apenas um pequeno – que mais demonstrar-se-ia sarcástico – sorriso do amigo de resposta.
    Os dois arrumaram as tralhas e pegaram os 1500 metros de picada mata a dentro que dava até o leito do rio em que há mais de três meses vinham garimpando diamantes no meio da Floresta Amazônica.
    Jorge era do interior de Sergipe e Zeca, embora tenha nascido em Camaçari, vivia na periferia de Salvador. Os dois se conheceram no corte de cana no interior de São Paulo e dali nasceu uma bela amizade, talvez a falta da figura paterna na vida do baiano tenha permitido a conexão entre ambos, pois Jorge tinha idade para ser seu pai. O fato é que desde então os dois trabalhavam sempre juntos.
    O emprego atual fora encontrado por Jorge que convenceu o patrão a contratar o amigo. O que foi difícil, pois para quem tinha dezenas de balsas que extraía diamante ilegal do fundo das águas do Rio Madeira, qualquer funcionário devia ser passado pelo mais fino filtro, afinal, qualquer vacilo colocaria o empreendimento em risco.
    Ocorre que os planos de Jorge iam além de arranjar trabalho para o amigo. Consistiam também, em ter uma pessoa confiável para ajudá-lo a contrabandear a pedra de diamante vermelho de 10 quilates que encontrara no fundo do rio e escondeu, secretamente, em algum buraco do cupim de barro que servia de fogão.
    Jorge vestiu a roupa de mergulho e Zeca funcionou o motor para acionar o compressor que através de uma mangueira levava ar ao mergulhador que ficava a 10 metros de profundidade, extraindo materiais através de uma draga para a margem do rio. No final da tarde, quando Jorge deu três puxões na mangueira, anunciando que estava prestes a voltar a superfície, Zeca sacou a faca amolada da cintura e cortou a mangueira de ar, sentenciando, consequentemente, o destino do amigo.
    Dentro do rio, enquanto respirava água pela mangueira e não ar, como de costume, Jorge deveria relacionar o sinistro a qualquer intempérie da natureza e lamentaria profundamente que uma fortuna repousaria eternamente sob a base de um cupim de barro. Ao menos se avisara Zeca antes, este sim pudesse ter um melhor destino do que uma vida miserável de trabalhador itinerante. Mas, o medo da cobiça do amigo falou mais alto, impedindo que ele revelasse seus planos a tempo. Foram pensamentos que ocuparam sua cabeça, antes de puxar as últimas gotas de água que inundaram seus pulmões dando cabo à sua vida.
    Porém, o que sobrou de cuidados em relação ao caráter do amigo, faltou-lhe em relação a Rosa, a puta com quem transava na cidade. O pobre deu-se de apaixonar pela vadia que transava com todos os garimpeiros da região a troco de qualquer merreca, ou migalhas de pedras as quais trocava por roupas e joias que lhe refinavam a profissão. Foi bêbado, no meio de alguma madrugada perdida, que o infeliz contou sobre a pedra e o seu desejo de voltar para o sertão sergipano, construir um açude e viver nas terras em que nasceram e morreram seus pais e avós, juntamente com Rosa e os rebentos que proliferariam desta relação. A puta logo viu que o modesto garimpeiro além de não ter ambição era burro. Não sabia o verdadeiro valor de uma pedra tão rara.
    Quando Zeca surgiu na região juntamente com Jorge, a vadia logo deu de trepar com os dois ao mesmo tempo. Situação que não seria estranha para uma mulher da vida, salvo o fato de que Jorge lhe pagava uma vultuosa quantia para que largasse a vida de rameira. Valendo-se dos seus conhecimentos sexuais, adquiridos com a vasta experiência noturna, com os mais variados tipos de homens – e também mulheres, pois só se relacionava com o sexo oposto por profissão e não por prazer – desde os treze anos de idade, a doce prostituta dos olhos de mel, cabelos amarelados e pele branca e macia tal qual o algodão, não custou um mês para deixar Zeca aos seus pés, pronto para atender aos seus desígnios.
    Depois de ceifar a vida do amigo, Zeca desligou o motor, saltou da balsa para a barranca do rio e rumou picada adentro. Com a faca cavou o pé da casa de cupim e lá estava a pedra envolta em um pedaço cortado de pano de prato. Beijou a pedra rubra e colocou-a no embornal. Olhou para o céu, pela clareira onde construíram-se os barracos pode ver que as primeiras estrelas começavam a brilhar sobre a selva amazônica. “Logo chegarão os outros”. Pensou.
    Vestiu o casaco para proteger-se da rala garoa que começara a cair sobre a mata, bem como dos pernilongos que apareciam sempre em nuvens quando a tarde ia se esvaindo e os bichos noturnos abriam suas bocas em cantoria. Pegou a picada que dava acesso a seva de pacas na esperança de topar na estrada de terra e que dava acesso a cidade que ficava a mais ou menos uns vinte quilômetros dali.
    Quando rompeu os cinco quilômetros, na mata escura, viu um descampado que parecia ser o que era a estrada. Ao sair da última moita e pisar na estrada de terra batida, viu Rosa, sentada no capô do Chevette prata, no local combinado. O vento da noite batia em sua saia branca e rodada e os vagalumes iluminavam a vadia tentando com os braços conter sua saia para que o vento não lhe revelasse as coxas, cena que remetia o varão a lembrar-se das telenovelas, bem como do quanto ela era boa na cama. Definitivamente a vida de puta não lhe havia desgastado o corpo. Por tudo isso, suspirou aliviado, tudo o que fez, realmente valera a pena.
    Foi quando o vento estalou e passou frio e cortante em seu peito. Ele olhou para onde estava alocado o que era o seu coração e viu que uma mancha redonda e avermelhada, como a poça de lama da estrada, surgiu em seu casaco. Ele voltou a olhar para frente e viu que atrás de Rosa, a vadia desgraçada, uma leve fumaça azul saia de um cano de revólver. Emergindo da escuridão, com arma em punho, uma outra vadia que beijou a boca da puta amada.
    Suas pernas bambearam e ele caiu de joelhos sobre o solo, como quem pede perdão a Deus pelos pecados cometidos em vida, na esperança de partir purificado para o descanso eterno. Antes, porém, que deitasse sobre a poça de lama na estrada, a outra vadia tomou-lhe o embornal e com o pé em seu peito o fez deitar sobre a estrada.
    Ele não pode ver o carro sumir na garoa da penumbra da noite, pois o respingo de barro que subiu da poça em que caíra, mesclado com a fumaça preta do carro velho, taparam-lhe os olhos, mas pôde, no entanto, lembrar-se do pai e murmurar para si mesmo, enquanto dava o último suspiro: “nunca confie numa puta”.
  • CARMOND - CAPÍTULO I

    CAPÍTULO UM

    Foi em meados de junho e o inverno era um dos mais rigorosos já vividos no vilarejo, até aquele ano. Na noite em que o jovem médico chegou à pequena e distante Carmond, além do frio, caía uma chuva torrencial.
    _ Aqui é sempre tão frio assim? Ele perguntou ao simpático motorista que o havia buscado, na estranha estação ferroviária, algumas horas atrás, e agora, o ajudava a retirar suas malas do carro.
    _ Sim, e é bom ir se acostumando, doutor! Lá pro final do mês tende a ficar pior, muito pior. Às vezes chega a nevar.
    Augusto sorriu e pensou tratar-se de uma brincadeira do homem que caminhava apressadamente à sua frente em direção à porta da pensão. A única do local.
    _ Porque está sorrindo, doutor? Acha que estou de brincadeira?
    _ Então é sério? Oh meu Deus! Isso é inacreditável, lá na capital quase nunca faz frio.
    _ Nem mesmo no inverno?
    _ Muito pouco, meu amigo.
    O motorista colocou a última mala na recepção, deserta, e tocou algo parecido com um sino.
    _ Espere só mais uns dias e verás o que é frio, meu doutor. É de trincar os dentes.
    Nesse momento, os dois ouviram passos apressados no chão de madeira que vinham em direção a eles e não demorou a surgir uma senhora baixa e rechonchuda que carregava um castiçal com velas acesas. Só então, Augusto se deu conta que todo o vilarejo estava na escuridão. Estranhou, mas, imaginou que a chuva fosse a responsável pela falta de luz elétrica.
    _ Boa noite, meus senhores!
    _ Boa noite, Xica. Demoramos, mas, chegamos.
    _ Já estava mesmo preocupada, Piu. Essa chuva toda e vocês à deriva nessas estradas perigosas.
    _É, minha amiga! Realmente o trajeto não foi fácil, penso que o doutor nunca tinha enfrentado uma chuva dessas na vida. Mas, ele teve sorte em ter esse velho aqui como motorista. Além disso, ele está estranhando muito o frio aqui da região, não é mesmo, doutor?
    _ Pois não? Augusto perguntou meio perdido, pois ficara observando o casal conversando e imaginando há quanto tempo eles se conheciam. Na maioria das vezes e em lugares pequenos como Carmond, as pessoas se conhecem de uma vida toda.
    O motorista tocou em seu ombro e repetiu parte do diálogo:
    _ Estava a dizer para Xica que o senhor não está acostumado com o frio que faz por essas bandas.
    _ Ah sim! É verdade, dona...?
    _ Francisca, mas eu prefiro que me chamem de Xica.
    _ Como quiser, dona Xica! Pois então, eu realmente não estou acostumado com tanto frio. Lá na capital a temperatura está sempre muito elevada.
    Xica e Piu trocaram um sorriso cheio de cumplicidade, como quem queria dizer: “É bom se preparar” e ela que havia deixado o castiçal sobre o balcão, voltou a pegá-lo e pediu que eles a seguissem.
    _ Não posso me demorar, Xica. Agora que o doutor está entregue, sã e salvo, preciso ir pra casa descansar pro dia de amanhã.
    _ Nada disso, Piu. Você não vai embora sem antes tomar um prato daquela sopa que você adora e que está ali quentinha esperando por vocês.
    Augusto entendeu que não seria necessário a dona da pensão insistir, Piu tomou suas malas nas mãos outra vez e foi seguindo dona Xica através do imenso corredor cheio de portas, até que ela parou diante de uma delas e entregando o castiçal para Augusto, retirou do bolso uma chave.
    _ Este é o seu quarto! É tudo muito simples, mas muito bem cuidado, doutor.
    Mesmo com a pouca claridade, Augusto percebeu que o quarto, apesar de simples, era aconchegante.
    _ Tem tudo o que eu preciso aqui! E sendo assim, não poderia ser melhor, podem acreditar!
    _ Fique tranquila, Xica. O doutor aqui não é cheio de frescuragens como aquele último que esteve no vilarejo. Não é mesmo, doutor Augusto? O motorista perguntou enquanto terminava de colocar as malas alinhadamente num canto do quarto.
    _ Não se preocupem comigo, tenham a certeza que ficarei muito bem acomodado. Só preciso tomar um banho e trocar essa roupa que está um pouco úmida.
    _ Aqui nessa cômoda tem toalhas limpas e passadas, e o banheiro é logo ali no final do corredor. Vou acender algumas velas para ajudá-lo.
    _ Por falar em acender, o que houve com a luz? É por decorrência da chuva?
    _ Não, meu doutor. A chuva não tem nada haver com isso. Todas as noites, após as oito horas, a vila fica na escuridão. Com chuva ou sem chuva.
    _ Como assim? O que há com a eletricidade daqui?
    Piu se posicionou ao lado de Xica na porta do quarto e os dois trocaram um olhar de cumplicidade que deixou ainda mais claro para Augusto o quanto aquele casal se conhecia.
    _ É uma longa história, meu jovem. Por ora, tome o seu banho e venha nos fazer companhia na cozinha. Estaremos te esperando para tomar uma sopa deliciosa, modéstia à parte, eu sempre acerto na sopa. Não é mesmo, Piu?
    _ Tenha a certeza disso, doutor Augusto. Não existe sopa melhor, nem na capital, nem no mundo inteiro.
    Augusto sorriu e os dois deixaram o quarto indo em direção à cozinha. Enquanto o barulho dos passos ia se distanciando, o médico ficou a pensar na questão da luz elétrica e inevitavelmente as histórias que seus amigos haviam lhe contato sobre a vila retornaram à sua memória com força total.
    Não! Pensou ele. Todas aquelas histórias eram bobagens dos meus amigos, que não queriam que eu viesse à Carmond.
    E foi tentando afastar esses pensamentos que Augusto seguiu para o banheiro do final do corredor.
  • Carta de um tímido

    Querido amigo extrovertido,
    Eu adoraria chegar num local e sair fazendo amigos… Só não tenho extroversão para tal.
    Eu não sei quem as pessoas novas são, por isso tenho um pouco de medo de me abrir com elas.  QUEM SABE SE VOCÊ NÃO É UM LOUCO PSICOPATA QUERENDO SABER MINHA ROTINA PRA ME MATAR, JOGAR MEU CORPO NUM RIO E DEPOIS... ok, talvez eu tenha exagerado um pouco.
    NÃO ME MANDE IR ATÉ ALI E PERGUNTAR ALGO PARA AQUELE DESCONHECIDO. Eu agradeço se VOCÊ, EXTROVERTIDO, puder fazer isso pra mim.
    Se você quer saber se a pessoa que está te olhando gosta de você, vá até ela e pergunte.
    Se eu quiser saber se a pessoa aue está me olhando gosta de mim, vá até ela e pergunte.
    Não faça jogos, não espere que eu vá até você perguntar se você quer ser meu amigo. Eu quero muito ser se amigo, mas eu preciso que você venha até mim e me pergunte para que eu só precise responder que sim.
    No fim, se você ficar irritado e quiser me abandonar, pergunte antes se aquela pessoa sentada ali não pode esperar o ônibus comigo… Por favor.
    Atenciosamente, seu amigo tímido.
  • Coletânea LAWFORD- Terror

    A Aldeia da Morte
    Gostaria de contar-lhes sobre a aventura do capitão Charlie Evans,da Academia Militar Inglesa.Nossa amizade teve início quando partilhávamos o mesmo alojamento na Academia militar de Westpoint,Meu amigo,ao contrário de mim,seguiu uma brilhante carreira nas fileiras da armada inglesa,ao oposto do que se sucedeu-se comigo,que fui convidado a retirar-me de Westpoint devido a minhas freqüentes visitas as cantinas e bodegas que rodeavam o local.
    Mas o que aconteceu comigo é assunto para outra oportunidade.
    A mando do Primeiro ministro Lorde Jonh Ruschel,Evans partiu no dia onze de fevereiro de 1852 do porto de Woolwick,em Londres.Uma cidade naval banhada pelo rio tâmisa.
    A área portuária era extensa,na parte mais afastada do cais mantinha-se ancorado permanentemente uma embarcação de reclusão,onde prisioneiros faziam a limpeza e manutenção de toda  a orla do porto.
    O destino do capitão era uma região distante chamada de Gloucestershire,na nascente do rio Tâmisa.Chegando lá,deveria deslocar-se até a aldeia de Kemble,que ficou conhecida por ter conservado  em suas terras um cemitério pagão anglo-saxão do século passado.
    Lorde Ruschel sabia que o capitão Evans tinha vasto discernimento no que se referia a procedimentos médicos,visto que boa parte de sua permanência em Westpoint,foi  como auxiliar direto do Dr. Maknamara,major e professor na instituição.O motivo de sua jornada até esta remota aldeia seria elucidar a causa de proliferação de uma enfermidade até então desconhecida pela ciência.
    A pedido de Evans,acompanhei sua jornada,o que sabíamos era que  alguns habitantes da aldeia de Kemble apresentavam sinais de demência,erupções na pele,e que após manifestarem os sintomas teriam apenas alguns dias até a morte.
    Nossa equipe que havia saído pelo mar,terminaria sua viagem de pesquisa utilizando quatro coches.Alem de Evans e Eu,vieram dois enfermeiros,seis combatentes e inúmeros equipamentos que o capitão poria em uso para desvendar a estranha enfermidade.
    Vagarosamente os coches adentraram em Kemble.A vila era toda construída por pedras,suas casas,em torno de oitocentas,segundo o que havia me dito Evans,coladas umas as outras formavam um triângulo,sem que por lugar algum se pudesse entrar ou sair da aldeia sem que fosse pelo portão principal.Nas casas não havia nenhuma abertura para o lado de fora da vila,alguns carroções ficavam em frente as casas,enormes bacias eram pendurados nas paredes externas das casas,certamente serviam para banho.Pois a água vinha em carroças com talhas de barro e distribuída a população.Percebi que em algumas casas as trepadeiras repletas de flores amarelas cobriam boa parte da frente e os telhados,isto era,sem dúvida uma bela imagem.  
    Na formação da aldeia,a mais de cem anos,nativos da nova guiné foram trazidos para trabalharem na construção das casas,todas de pedras.Depois de algum tempo,estes nativos foram considerados membros da comunidade,tiveram família,ainda hoje existem descendentes morando no povoado.Certamente havia uma imensa miscigenação de raças e credos naquele local.
    Ao redor da aldeia se podia ver um grande cultivo de hortaliças e uma  plantação de milho.
    Ao avistarem nossa chegada,alguns aldeões reuniram-se na praça central.No centro do povoado havia um palanque,também construído por imensas pedras,que servia,pelo visto,para reunir os habitantes locais.A igreja da vila,a poucos metros do pomposo palanque,tinha um enorme portão estilo romano e uma torre altíssima,que parecia-me um original estilo gótico do século passado.Por este portão caminhou,lentamente até nós,um homem de cabelos brancos,creio que na faixa dos setenta anos,com uma longa batina,ou algo assim,na cor lilás,e um pequeno manto branco sobre os ombros.
    Extraordinariamente alto e delgado,curvava-se muito ao andar,tinha a testa enorme, a boca larga,e os dentes, embora sãos, eram os mais pontiagudos  que jamais vi.
    --- Sejam bem vindos senhores... sou o prelado e conselheiro Samuel Tollins...venho da Abadia de Yorkshire.  Disse o religioso.
    ---Sigam-me até a igreja e poderemos conversar com mais privacidade,pois imagino o motivo de sua visita.Completou. 
    Caminhamos por alguns metros e adentramos na pequena igreja do local,já de chagada pude observar que mesmo sendo uma igreja de origem católica,ou assim me parecia,nenhuma imagem sacra era vista ali.Apenas uma enorme cruz em madeira estava colocada sobre o altar.Fileiras de bancos também em madeira estavam colocados nas laterais do local,pequenas janelas com vidros bastante sujos deixavam entrar um mínimo de luz ao ambiente.
    O prelado Conduziu nosso grupo ao fundo da velha igreja,lá adentramos em uma pequena sala,com uma mesa de madeira escura ao centro e três cadeiras ao seu redor.
    ----sentem  cavalheiros. Disse o pontífice.
    O capitão sentou-se ao meu lado, enquanto nosso anfitrião sentou-se mais distante,no lado oposto da mesa.
    Tollins abriu  uma bolsa de couro que havia sobre a mesa,nela haviam muitas folhas de papel com nomes escritos por ele,era desnecessário dizer que se tratava das inúmeras pessoas já mortas pela tão famigerada doença.
    ---Quais os sintomas desta praga.  Perguntei.
    ---Confesso que não sei como a informação chegou até o Lorde Ruschel,mas são muitos os sintomas. Disse ele...e continuou..
    ---Primeiramente parece haver uma paralisia mental,depois surgem acessos de risos histéricos,a estrutura física vai ficando terrivelmente debilitada e tumores afloram por todo corpo,este é o estado terminal,do início até a morte passam-se apenas 15 dias.
    A lista de pessoas que já haviam morrido pela doença era enorme,mas segundo o prelado,era uma questão de tempo para que tudo voltasse ao normal.
    ---Tem alguma idéia da causa disto? perguntei ao prelado
    ---Creio eu,não ser isto uma obra de Deus,mas sim a soturna sombra do demônio,que encravou neste esquecido lugar suas mais terríveis malignidades.Estou nesta aldeia a dezoito anos,e nunca houve nada igual.
    Era visível a preocupação do prelado com as mortes,mesmo sendo obra de Deus,ou do Diabo,prefiro crer que a ciência vai encontrar a origem de todo este trágico relato,antes que toda aldeia venha a perecer.
    Mas e se fosse um castigo de Deus, pensei eu,por quais pecados ?
    A que mandamentos desobedeceram este povo?
    Para merecerem castigo tão assombroso.
    Após mais alguns detalhes fomos encaminhados a uma casa abandonada,no final da vila.Lá ficaríamos alojados e poderia o capitão instalar seus equipamentos de pesquisa.Nossa missão mostrava-se muito desafiadora,estávamos a frente de algo ainda desconhecido pela ciência,se é que a ciência poderá explicar algo tão terrivelmente cruel.Não sei dizer como, mas tudo ali cheirava a morte,como um veneno,uma praga mais cruel e impiedosa que a própria guerra havia dominado o povoado,creio eu,uma peste que exterminava barbaramente os moradores,e de uma maneira nunca por mim presenciada.
    Enquanto caminhávamos até o local onde por algum tempo,seria nosso laboratório e hospedaria,percebi que no vilarejo não havia hospital,e com certeza também não seria encontrado nenhum médico.Durante nosso trajeto,alguns moradores chagavam as pequenas janelas,e acenavam timidamente.Devo admitir que esta reação gerou inúmeras ponderações em minha mente,estariam eles,depositando em nós a última esperança de livrar-lhes do extermínio completo?
    Ou zombando de nossa presença,pensando não sermos capazes de acabar com as misteriosas mortes?
    Mas qual seria a origem desta pestilenta moléstia,e de onde vem ?
    E de que maneira se espalha vertiginosamente entre os moradores ?
    Pouco depois,já em nossos aposentos e subjugado decerto pela força da viagem,e pela minuciosa incumbência de instalar seu material de pesquisa,o capitão  deixou-se cair sobre uma cadeira.Pensava fazer o mesmo quando um passo rápido ecoou na rua e bateram à porta com violência.Abri apressadamente com o intuito de prevenir nova batida,quando um menino,com olhos arregalados frente a porta falou-me nervosamente...
    ---O prelado os chama com urgência...na capela.
    Já havia chegado a noite,de uma maneira estranha,fúnebre, maléfica.Por algum motivo aquele lugar me dava calafrios.
    Atendemos de pronto ao chamado,quase a correr Evans e eu chegamos a capela,que estava quase totalmente escura,apenas duas pequenas velas serviam de iluminação,estendido ao chão do altar,(que já mencionei anteriormente só tinha uma cruz de madeira,sem nenhuma imagem.)um corpo totalmente coberto por panos.O prelado e mais duas pessoas,um homem bastante velho e uma mulher,creio eu de meia idade, permaneciam ajoelhados junto ao que suponho,seria outra vítima da epidemia.
    ---Aproximem-se senhores.  Disse Tollins
    ---Este é o corpo de Suzzane.Tinha vinte anos,estes são seus pais.
    Os limites que separam a vida e a morte são quando muito sombrios,e imensamente vagos.Eu estava cônscio do horror pavoroso daquela situação. A cena que se oferecia aos meus olhos,embora sem merecer um nome tão teatral,,apresentava um aspeto indescritível de lúgubre desolação e pavor.O corpo envolto em trapos,tinha na cabeça um volume maior de bandalho,como se a conter um sangramento,e uma imensa mancha de sangue denunciava que eu esta certo na minha dedução.
    ---Podemos ver o corpo para fazer algumas análises? Perguntei.
    ---Infelizmente não. Respondeu rapidamente o prelado.
    ---Nosso povo purifica seus mortos e os envolve em panos,para evitar o ataque de maus espíritos.Ele será agora levado ao sepulcro,onde descansara em paz.
    O corpo foi erguido por Tollins,juntamente com os dois participantes do estranho velório e lavado ao fundo da igreja,lá colocaram-no em uma carroça para ser conduzido ao cemitério.Uma velha carroça,atrelada a um magro cavalo.Um homem com uma capa escura e uma longa barba grisalha guiava o carro fúnebre e o funesto cortejo.Na carroça um corpo coberto por trapos sujos,galhos e folhas verdes(existe uma crença que os ramos verdes servem para livrar a alma dos maus espíritos).Os enterros eram sempre a noite,uma lanterna presa na lateral do carroção servia como iluminação pelo penumbrante caminho.Em outro coche,de tamanho menor seguiu tollins,juntamente comigo e Evans.
    ---Precisamos examinar os corpos. Disse Evans ao Prelado....
    ---Caso contrário,de que maneira vamos chegar as causas da doença?  Afirmou.

    Tollins permaneceu olhando fixamente o préstito a nossa frente.
    ---Este povo tem suas crenças cavalheiros,eu não sou o único que não considera o catolicismo a única religião existente no mundo,Deus se manifesta de várias formas...mas o Diabo também.Desafiar os costumes locais seria inflar uma revolta,e já temos problemas demais.Não estamos em Londres,senhores.
    A névoa  foi se tornando mais espessa à minha volta, o que me obrigava,ao longo do caminho,a forçar a visão para ver a frente.A bruma espessa e tão singular, característica da região, estendia- se pesadamente sobre tudo,e era tão densa que não se distinguia o carroção a nossa frente,a não ser pela fraca luz da lanterna.
    O cemitério ficava oito quilometros longe da aldeia,oculto atrás de muros altíssimos de pedras e um enorme portão.Para os moradores locais,a entrada de estranhos era profanar a memória dos mortos,o prelado Samuel era o responsável pelo local.Não havia caixões,os corpos eram envoltos em panos a jogados em covas.não se podia ver o cadáver,nem fazer qualquer tipo de exame pós-mortem.Ao adentrar no horrendo cemitério,mesmo entre a forte neblina podíamos ver  esculpidos nos muros carrancas com chifres,orelhas enormes,olhos malignos e expressões de pavor na face.Era um panteão  de Deuses e Demônios.Nenhuma cruz,nenhuma imagem sacra.Apenas aquela terrível impressão que se esta entrando nos portais do inferno.Sem dúvida havíamos encontrado o cemitério pagão anglo-saxão.Rapidamente o corpo foi colocado em uma cova, a mulher e o velho usando as mãos cobriram  Suzzane totalmente com terra.

    ---Agora dormes a sombra do teu sepulcro.Que a tua sabedoria passe aos teus descendentes.
    Com estas palavras Tollins encerrou a cerimônia,se é que assim posso chamar,e silenciosamente retornamos ao vilarejo.Mesmo sem haver feito nenhum comentário, Evans sabia,que como eu,não estava disposto a aceitar os costumes locais,e deveríamos imediatamente investigar a respeito,mesmo que sigilosamente.Na mesma noite, acompanhado de dois soldados,atrelamos os cavalos e saímos a galope em direção ao local do enterro,lá teríamos nossas respostas,ou pelo menos assim pensava,mas algo de mais terrífico estava por ser descoberto.Um caminho longo,era tão estreita a entrada do desfiladeiro e de tal maneira estava oculta,que parecia inacessível,aumentando a certeza que minha teoria não era nem um pouco disparatada.Havia algo de muito misterioso neste povoado.
    Chegamos ao local e fomos de imediato ao sepulcro de Suzzane,que a poucas horas recebera seu mais novo lar,Evans ordenou aos soldados que retirassem as pás que haviam trazidos em suas montarias,para desenterrarem o corpo.Enquanto a terra era tirada,o local cobriu-se de intenso nevoeiro,era aterrador o que eu sentia naquele momento,uma mistura maligna de medo,pavor e curiosidade invadiu meu corpo.
    Rapidamente o corpo foi retirado e Evans imediatamente foi logo a  região onde deveria estar a cabeça do cadáver,mas o que vimos deixou a todos paralisados,encontramos um rosto disforme,onde deveria haver um cérebro,apenas um enorme buraco,o cérebro fora retirado,quebrando de maneira rudimentar os osso do crânio.Enquanto Evans desenrolava o restante do corpo,era possível verificar feridas enormes.Nem mesmo a peste negra,que a pouco tempo devastara a Europa, deixara tão horrível terror em suas vítimas.
    ---Precisamos investigar mais, vamos abrir outros túmulos.  Disse o capitão.
    E assim foi feito,e a cada corpo a mesma bizarra imagem,o cérebro extirpado e erupções múltiplas.Após devolver os mortos aos seus devidos lugares,retornamos ao vilarejo,ainda um tanto aterrorizados com o que vimos,para colocar em ordem nossos pensamentos.Semelhante a um espelho quebrado,que  multiplica as imagens da dor e da deformidade,ali proliferavam o obscurantismo e a brutalidade.Disto eu não tinha a menor dúvida.Na nossa saída do horrendo ligar não percebemos,mas alguém nos observava.Estávamos a menos de um dia na aldeia,e as incertezas e a incredulidade já tomavam conta de nossos pensamentos.Fatos dignos do mais veraz circo dos horrores,uma terra esquecida por Deus,mas dominada por uma força sinistra e fatal.
    Retornamos aos nossos aposentos,mas eu caminhava de um canto ao outro do quarto,Evans notou minhas mãos trêmulas de maneira quase descontrolada,então puxou de dentro de seu baú de viagem um garrafa de Brandy,e tirando a tampa estendeu sua mão oferecendo-a a mim.
    --Vamos beber e descansar, precisamos por as idéias em ordem,amanhã falaremos com o prelado.  Disse ele.
    É irrelevante dizer que os fatos daquela noite ficaram irremovíveis de minha mente, não poderia ser de outra forma,como fechar os olhos para buscarmos um minuto de calmaria se estava impregnada em nossa mente os momentos apavorantes que passamos.Não demorou muito para que outra batida a porta me fizesse erguer-me rapidamente de minha cama, pensei logo ser o anúncio de outra morte,mas felizmente esta errado.
    ---Senhor,desculpe a hora,mas preciso falar-lhes.
    Estas foram as palavras de Fernando,um dos soldados de Evans quando me viu a porta.Era um homem de grande estatura,pele escura,e a expressão em seu rosto e o adiantado da hora mostravam uma certa urgência na conversa.
    Evans apenas sentou-se em seu leito e falou em voz alta ao soldado..
    ---O que desejas Fernando ? Não pode esperar até amanhecer?
    ---Capitão  Disse o soldado.Creio saber de algo de pode ser um dos motivos para estas tão horríveis mortes.
      A sua declaração fez Evans quase saltar de onde estava e ficar de pé ao lado da porta.
    ---Entre Fernando,parece que temos muito que conversar. Disse ele.
    ---Como sabe,meu capitão...Disse o soldado....Em minha infância fui criado em uma aldeia na Somália,quando era menino fugi escondido em uma caravana de mercadores de peles...fugi para não ser morto por uma peste semelhante a esta.Toda minha família estava doente.
    ---Mas qual a causa desta doença Fernando? Perguntei, antecipando-me ao capitão.
    O Soldado parecia bastante nervoso,continuava de pé á nossa frente,esfregava as mãos de uma maneira quase descomedida.
    ---Meus ancestrais...Continuou ele....Cozinhavam o cérebro de seus familiares após sua morte,na inútil intenção de absorverem seus conhecimentos,porem ao invés de conhecimento,trouxeram a morte.
    As palavras de Fernando foram, para mim e para Evans,como se a sorver de uma só vez um copo da mais pura Vodka Russa.Evans olhou rapidamente para mim,com seus olhos arregalados e incrédulos,enquanto eu recostei-me na porta,que já havia fechado,sem saber qual pensamento antepor em minha mente,já tão confusa.
    ---Não vamos esperar mais...Disse o Capitão...Vamos de imediato falar
     com Tollins.
    Ao sairmos da velha casa, fomos novamente surpreendidos,os habitantes da aldeia com certeza já haviam descoberto nossa visita ao cemitério,e se encaminhavam todos ao palanque da praça.Um estranho e profundo sentimento de hostilidade fez-me sentir quando fomos avistados por eles e rapidamente fomos para a capela,evitando a rua central do vilarejo,usando um estreito e afastado caminho pelas laterais das casas.Estávamos certamente a profanar ou descobrir algo muito mais obscuro que uma simples enfermidade.É certa a afirmação de Novalis quando diz que estamos mais perto de despertar quando sonhamos que sonhamos. Mas posso afirmar que o que passava-se naquele momento era um imenso pesadelo.Ao abrirmos a pesada porta da igreja, Fernando,Evans e eu,percebemos que já estavam a nossa espera.Dispostos nos bancos laterais,os aldeões observavam nossa chagada silenciosamente,o Prelado Tollins estava de pé enfrente ao altar,iluminado por três pequenos lampiões. 
    ---Aproximem-se senhores. Disse ele.
     Aproximamo-nos lentamente do religioso (se assim posso chamá-lo) ao mesmo tempo em que ouvíamos o ruído da porta sendo fechada as nossas costas.Certamente tínhamos a certeza que algo de muito ruim esta prestes a acontecer.
    --- Os senhores desrespeitaram nossos mortos,profanaram seus corpos,deixaram suas almas a mercê do mensageiro das trevas.Colocaram sua ciência acima de nossas tradições e crenças.Devo dizer aos senhores que isto foi sem dúvida,um grande erro.
    Evans aproximou-se do prelado,falando em voz alta...já prevendo algum tipo de represália.

    ---Devo lembrá-lo Prelado,que eu e meus homens estamos a serviço de vossa majestade.
    ---Seus Homens...Disse Tollins,em tom de sarcástico....e continuou
    ---Seus homens,meu capitão,dormem agora o sono eterno,e seus cérebros serão servidos em um banquete a todos,todos menos os senhores,pois também estarão mortos,os senhores estão sozinhos,aquelas pessoas que viram lá fora,estão neste momento destruindo seu laboratório.
    Fernando e Evans desembainharam suas espadas e puseram-se em posição defensiva, em segundos estávamos cercados por homens com facões e foices.Graças a um presente de meu padrinho em Westpoint,Coronel Konrad,tinha comigo um pistola fabricada em aço e madeira com detalhes em prata,e foi com ela que,com um único disparo joguei ao chão um dos três lampiões que estavam sobre o altar.O fogo propagou-se rapidamente atingindo as veste de Tollins,que não conseguiu livrar-se das chamas,a fumaça tomou por completo o infernal local.Naquele momento,o Diabo despejava sua fúria em forma de fogo e sangue.Um pavor indescritível,em um local de deveria ser sagrado.A ouvir gritos enlouquecidos e o ruído de foices e facões a golpearem as espadas de Evans e Fernando,fiz alguns disparos a esmo,sem nada ver a frente,até cair quase desfalecido,com os pulmões repletos de fumaça,e um desespero nunca antes por mim sentido por não poder respirar,acompanhado pelo medo aterrador da morte.Arrastei-me até um púlpito de pedra que ficava sobre o altar,e aos poucos os sons foram ficando mais distantes,e todos os meus sentidos sensivelmente enfraquecidos.Minhas visões eram como vapores que se perdem ao vento.  
    Quando recuperei minha consciência,ainda jogado ao chão do altar e com muita dificuldade de respirar,senti que parte de minhas roupas haviam queimado,minhas mãos e meu rosto pareciam incender devido as queimaduras,o local estava destruído por completo.Com muito esforço,consegui erguer-me,pois não podia apoiar as mãos totalmente deformadas pelo fogo,caminhei entre cadáveres fumegantes até chegar ao que restava do portal,o odor de carne humana queimada era nefando.Suportando toda dor consegui chegar ao portal da saída,e avistei alguns aldeões que permaneciam em frente aos escombros daquele inferno.
    Quando surgi cambaleante sobre as cinzas do portão da demoníaca capela, causei espanto e curiosidade,deveria eu,estar morto,sacrificado em nome de seus ancestrais.Ainda não recobrado da horrenda experiência,mantinha-me sempre de pé no limite de minha resistência,e deveria eu,naquele momento,ostentar aos olhos dos curiosos agitados uns ares de spectro,fantasmagórico,de uma aparição de mau agouro, quando,com o corpo quase a decompor-se pelos ferimentos,perpassei ante eles,em direção ao centro da praça.Enquanto passava entre eles,a multidão abria espaço para o moribundo sobrevivente,um silencio horripilante caiu sobre o vilarejo.
    Caminhei lentamente,até uma de nossas carruagens que estavam atreladas na praça,sem que nenhum aldeão tentasse impedir,com muita dificuldade subi ao coche e parti em meio a escura noite,e sob os olhares daquelas criaturas demoníacas,fugindo aterrorizado por entre a neblina,do lugar que posso chamar de A Aldeia da Morte.   
      
        
      Morte no Nevoeiro
    Estava no inverno de 1848,após sair de Londres pela ferrovia National Rail até o Condado de Doncaster,Dirigi-me até a estalagem próxima a estação,onde  tratei imediatamente de alugar um coche,pois meu destino era a pequena cidade de York,no vale que levava o mesmo nome.Pelas informações que tinha coletado com alguns amigos que conheciam a região,antes de chagar ao Vale eu passaria ao lado do rio Ucre,que acompanha grande parte a estrada,e chegaria a vila de Runswick,onde a peculiaridade são as pequenas casas,perigosamente construídas a beira das falésias(escarpas),misturando beleza e perigo ao local.
    Todas as informações a mim passadas estavam extremamente precisas,e o coche e seu condutor me conduziam ao encontro do meu amigo e prestigiado médico e psicanalista francês,Dr. Frontin T...,segundo o que me havia relatado por carta,meu nobre amigo teria desenvolvido métodos revolucionários para controle da mente,Um deles,a Psicastenia,usava a hipnose individual para controle da histeria.
    Quanto mais distante ficávamos dos vilarejos locais,mais a neblina cobria nosso caminho,que agora já era feito em uma estreita estrada entre os charcos e pântanos,certamente usados pelos agricultores nos cultivos da região.Pela janela do coche,que balançava fortemente devido as condições inóspitas do trajeto,a visão dos charcos,entre o intenso nevoeiro que a tudo cobria no cair da noite, era realmente algo assustador. Depois de atravessarmos  os charcos e a névoa que permanece dia e noite no local,e entre solavancos da carruagem,chegamos ao vale de York,mesmo sendo já escuro devido ao adiantado da hora,quase meia noite,não foi difícil ao cocheiro encontrar na estrada,a estreita  bifurcação que levava a cidade de York e ao Sanatório San Juan,meu destino final,se é que assim posso dizer.
    Meu velho amigo,agora com 65 anos,era diretor da clínica,e desenvolvia métodos não muito convencionais para estudo da mente humana,alem de eletro choques e imersões em água extremamente gelada,ainda incluíam seu conjunto de ferramentas,incisões cirúrgicas para estudo da massa encefálica e é claro,o hipnotismo,motivo de minha visita,pois alentava relevante interesse pela metodologia.
    Enfim,após transpor o gigantesco portão de ferro,onde tinha em sua parte superior ,distinta em letras grandes o nome da instituição,fui recebido pelo meu anfitrião e convidado a conhecer o incomum local.
    A construção era muito antiga,toda em enormes blocos de pedras escuras,um local extremamente grande,mas com apenas dois andares,a ala principal ficava no térreo,sem quartos,com camas colocadas encostadas nas paredes laterais,alguns pacientes permaneciam amarrados as bordas  de ferro de seus leitos,outros perambulavam como sonâmbulos pelo corredor central.Apenas umas poucas janelas deixavam o ar fluir para dentro do degradante local,impregnado com o cheiro pestilento de excrementos humanos. Devo admitir ser aquilo, um hórrido cenário.
    Seguimos nossa caminhada,um tanto espantosa para mim,até o fundo da extensa ala,uma escadaria levar-nos-ia aos porões,lá permanecia, em condições sub-humanas e bestiais,pacientes com um elevado grau de demência,assassinos condenados a morte,encarcerados em minúsculas jaulas,aguardando o momento de,na condição de cobaias humanas,darem sua contribuição,mesmo não sendo espontânea,para a ciência.
    Somente ali,tive consciência da total agonia que a mente humana pode chegar.O extremo da alienação incontrolável. 
    Gentilmente,Frontin conduziu-me até meu quarto,no andar superior da clínica,mas durante a caminhada pelo local,dois pacientes despertaram minha atenção.Um deles já me era conhecido,tratava-se de Robert Roster,um jovem de Swuan Valey,que após matar a própria irmã Catarine Roster,afirma ser atormentado pelo espírito da falecida.O segundo caso é Charlott Dolms,uma jovem,na casa dos seus 25 anos,que segundo o médico,vive a circunvagar e dançar pela clínica,usando um retalhado figurino de bailarina.
    Depois de dois dias,Mesmo bastante concentrado na leitura das anotações sobre os experimentos em Psicastenia,cedidas a mim pelo médico,outros episódios despertaram  minha curiosidade,o fato de haver um cemitério,em uma ribanceira nos fundos do manicômio poderia ser até julgado natural,mas cadáveres eram arrastados para lá diariamente,isto  aguçava minha imaginação.Outra situação inquietante era a noite,quando de minha janela,podia testemunhar o Dr. Frontin,iluminado apenas pela luminescência da lanterna que carregava,abrir o pesado cadeado que enclausurava todos que ali estavam,permitindo a jovem Charlott ,com seu desgastado traje,propalar-se em meio a noite.
    Recordo-me da primeira noite,quando ainda a explorar o local,passando pelo gabinete de Frontin,notei  que Charlott,totalmente despida,dançava freneticamente por toda sala,enquanto o médico admirava a cena recostado em um divã.Naquele momento pensei,quem naquela sala era mais insano.Percebo agora que alguns favores tinham seu preço,até mesmo no mundo irracional dos loucos. 
    Ausentando-me  furtivamente pela ribanceira do campo santo,onde as inúmeras ossadas por mim descobertas eram uma imagem aterradora,tentei por várias noites seguir a paciente predileta do doutrinador de mentes.O seu desregrado trajeto repetia-se a cada noite,em frente a tavernas,na área mais miserável da cidade,até que entre os casebres e populaças,e em meio a odiosa névoa,eu sempre a perdia.Só a reencontrando na manhã seguinte,na clínica.
    Até que em uma sombria noite,após seguir a jovem por logo tempo e novamente perde-la de vista,resolvi tomar outro percurso de retorno,fazendo um trajeto em meio aos charcos.Lá,o nevoeiro era ainda mais intenso,mas para minha profunda surpresa,encontrei Lady Charlott,em uma cena digna da mais implausível lenda animalesca,ajoelhada que estava ao lado corpo de um moribundo mendicante,sugava  ferozmente com seus lábios as golfadas de sangue que  jorravam do pescoço de sua caça.Estava eu,vivenciando naquele mórbido momento,algo que jamais esqueceria.
    Tão demoniacamente estava a sorver sua presa,que creio eu,minha presença não foi por ela notada.O lamaçal provocava sensações de medo e pavor.Afastei-me lentamente até uma boa distancia,sempre em silencio,até por-me a correr.Enquanto corria desesperadamente por entre os pegadiços charcos,não saia de minha mente a imagem da face de Charlott,com as mãos e a face cobertos de sangue,estava eu,aterrorizado.
    Entrei naquela maldita casa de monstros da mesma maneira que saí, furtivamente,fiquei em meu quarto até o amanhecer,ainda incrédulo do que havia presenciado.Ao clarear do dia,informei ao dr. Frontin haver um compromisso inadiável,e sem nada comentar,deixei aquele abismo de trevas.
    Para nunca mais voltar.  
                                                    
                              
     O Palco do Terror 
    A cidade de Mersin,ao sul da Turquia,tem belezas naturais de tirar o fôlego.Por ser uma cidade  as margens do mar do mediterrâneo e também pelo imponente castelo de Korikos,uma construção medieval que fica as margens do mar.Mas de tirar realmente o fôlego é o que irei relatar aos leitores.Fato que me foi descrito por pessoa que não posso nomear neste registro,mas tem de mim toda credibilidade desejável.Mesmo sendo algo que se possa atribuir a alguém da mais astuciosa imaginação,e que jazem a miúde em recantos secretos do pensamento,inacessíveis a compreensão humana.
    Porem devo dizer que tudo o que vivenciamos é real,ao seu modo.Acontecimentos naturais e inevitáveis exageros em que caímos quando relatamos situações cuja influência foi forte e ativa sobre as faculdades da imaginação.Alem do fato de os incidentes a narrar serem de uma natureza tão fantástica,não tendo,necessariamente, outro apoio senão eles próprios.
    Era maio de 1861,e Mersin sendo uma cidade ainda pequena,em plena primavera,se via agitada pela presença do circo dos irmãos Kolberts,artista andarilhos que viajavam por todo pais,e que carregavam a fama de levarem ao locais em que passavam grandes espetáculos.Entre as diversas atrações,um ilusionista chamado Dhed tinha lotação total em sua tenda durante  suas apresentações,usando uma capa de cor avermelhada e sempre acompanhado de sua assistente,a quem ele intitulava ser Norma,a esposa do deus Osíris.No palco,durante suas exibições,é colocado sobre uma pequena mesa uma diminuta estatueta de pedra,que segundo o artista,daria origem ao seu nome.Dhed, é um dos símbolos mais comuns e mais encontrados na mitologia egípcia.É um hieróglifo em forma de pilar que representa estabilidade.É associado a Osíris,o deus egípcio do pós-morte,do submundo e dos mortos.O símbolo é comumente interpretado como sendo a representação de sua coluna vertebral.O pilar de Dhed foi também utilizado como amuleto para os vivos e mortos em tempos remotos.
       O místico mestre das ilusões encantava a todos com seus inúmeros truques.Entre os mais esperados pelo público,alem de espelhos,fumaça,espadas e o brilho das pedrarias de sua capa,estava a façanha de fazer desaparecer objetos e reaparecerem em outros locais.As apresentações se seguiram por doze noites,e após terminar sua última apresentação,Dhead notou que nem todos os expectadores deixaram sua tenda.Cinco homens permaneciam sentados em suas cadeiras,na primeira fila.

    ---Senhores...agradeço a presença,mas o show já terminou. Disse o ilusionista.

    Um indivíduo,muito bem vestido e aparentando mais de cinqüenta anos,com um vasto bigode grisalho ergueu-se  de sua cadeira e aproximou-se do palco,enquanto os demais permaneceram sentados,observando o mágico recolher seus objetos.

    ---Sr. Dhed,creio que na sua última passagem pela cidade de Antalia,uma grande quantia em jóias desapareceram do Antalia Bank,como em um passe de mágica.

    O artista nem por um instante mostrou-se abalado pela acusação do estranho expectador.

    ---O que eu faço são truques de mágica,não roubo bancos senhores!É mera ilusão,que somente seus olhos podem torná-las reais.Seja o que foi que os senhores imaginaram,não passa de ilusão.

    Aquela explicação  um tanto arrogante,de um cinismo incrível,deixou a todos   estarrecidos.Encontravam-se todos diante de uma situação,no mínimo intrigante,na qual o acusado fundamentava sua inocência de modo quase inacreditável,sem cabimento algum.Fazendo o que sabia fazer de melhor,iludir.
    O homem de pé enfrente ao palco,abriu levemente seu paletó,mostrando preso em seu colete  o emblema de metal da policia Turca.

    ---Sou o inspetor Mallet,e creio que o senhor deve me acompanhar,juntamente com a moça a qual chama de esposa de Osíris.Precisamos de uma explicação,mas na delegacia.

    Mesmo com o que disse o inspetor, Dhed permanecia extremamente calmo.

    ---Prezado inspetor,nada possuo,a não ser minhas roupas e minha tenda.Como poderia eu,possuir jóias de grande valor e viver miseravelmente neste circo?

    ---Tenho acompanhado suas apresentações.Disse o inspetor .  E continuou

    ---Parece-me que infelizmente por cada cidade que o senhor passa,misteriosamente objetos valiosos desaparecem sem deixar vestígios,sem nenhuma pista.Já revistamos sua carruagem,e encontramos algumas peças lá.Desta vez o senhor não vai escapar.

    O ilusionista mantendo a mesma serenidade,agachou-se no palco para ficar mais próximo a Mallet.

    --- Existem dias em que gostaríamos de voltar e começar tudo de novo inspetor,mas quem poderia afirmar que se pudéssemos começar de novo não terminaria da mesma forma.Poderíamos dizer que é o destino.O inspetor é um homem justo,por este motivo não vai negar-me um último pedido antes de conduzir-me a delegacia. Gostaria de fazer minha última apresentação,um único número.E somente para os senhores.
    Houve uma breve hesitação por parte do policial,mas recuando até sua cadeira,fez um aceno com a mão sinalizando que concederá sua  derradeira solicitação,e sentou-se novamente.
    ---Cuidado com o que vai fazer Dhed,desta vez estamos preparados.

    ---Que mágica poderia eu fazer para fugir dos senhores?Acho que somos livres para sermos,bons,maus ou indiferentes.penso que o caráter determina o destino inspetor,porem não creio que o resto é predeterminado. É apenas conseqüência.Após terminarmos o número,estaremos aqui mesmos,a sua espera.

    Com esta resposta,o homem das ilusões colocou sua auxiliar de joelhos no palco,e pegando um  sabre que estava sobre a mesa,colocou a lâmina na parte frontal do pescoço da moça.Imediatamente os policiais ergueram-se de suas poltronas
    Mas o ilusionista interveio...

    ---Devo alertá-los que é apenas mais um truque,jamais teria eu,a intenção de ferir minha tão linda assistente. 

    Dizendo isto,o ilusionista com um rápido e certeiro movimento atravessou de um lado ao outro o pescoço da jovem com a afiada lâmina do sabre.Um silêncio mortal caiu sobre a tenda.Até que segurando a mão da jovem,ajudou-a a levantar-se e com um breve movimento de reverencia, agradeceram a  minúscula platéia que os assistia.
    Era com certeza o melhor e mais difícil número de ilusionismos já feito,mas para o desencanto de Dhed,de seus expectadores nenhum aplauso ouviu-se.Permaneciam sentados,imóveis,com suas gargantas cortadas,e suas cabeças jogadas ao chão.    
           
                                             
                                            
            
     O Quadro  Maldito    
             
    Estimulado ao vício por incontáveis meios,fiz também incontáveis amigos ou assim me pareciam,entre as frivolidades da noite Parisiense.Havia entre meus amigos de infortúnio,um Jovem de Yorkshire,com sua estatura extremamente pequena,mas de um talento impar para pintura,Henry de Toulouse,que dedicava seu tempo a pintura que ele mesmo denominava de pós-impressionista.Em uma das noites de devaneios em que o absinto misturado a conhaque e gelo batido,que batizamos de  coquetel terremoto, conduzia-nos a incontroláveis alucinações  indescretiveis,Henry regozija-se a beber com os demais,enquanto eu me vi subitamente atraído pela beleza de uma das inúmeras mulheres que frequentavam o Bataclâm.Emily era seu nome,ou pelo menos  foi o que disse-me quando  aproximei-me e fiz minha apresentação a ela,Impossível com palavras descrever a beleza da encantadora dama.Porem algo mais deixara-me intrigado na alegre acompanhante,tinha eu,a vaga impressão de já ter visto aquele lindo sorriso em outra ocasião,ou talvez em meus mais intensos e perturbadores sonhos.E este pensamento  inquietava-me. Não poderia definir melhor a sensação que me dominou,se não dizendo que me era difícil  libertar-me da idéia de já haver conhecido a pessoa que se encontrava  diante de mim,em alguma época muito longínqua,em algum ponto do passado,mesmo que infinitamente distante.
    Minha natureza explodiu em uma breve confusão,trazendo a mente imagens já a muito esquecidas,com um certo temor  e na  louca embriaguez de minhas  devassidões  calquei  os pés nas mais vulgares lembranças.Encontrava-me agora,com infinitos motivos para duvidar do testemunho de meus próprios sentidos.Mas  a debilidade do vício  deixa- nos na terrível sombra cinza de qualquer recordação por mais irregular que possa ser,trazendo-nos uma confusão de fracos prazeres e desgostos fantasmagóricos.Mas porque envolver-me em pensamentos dispersos,se na minha solitária vida,uma luz brilha com intensa magia e jovialidade.
    Enquanto meu pequeno amigo tinha sua atenção direcionada as bailarinas que rodeavam nossa mesa,as quais ele pacientemente reproduzia em forma de arte através de suas pinturas a óleo,o anjo,ou demônio,que estava a meu lado fazia-me entender,através de seus lindos lábios,que compartilhávamos diversas predileções,fato este,que devo dizer,não era muito comum para mim.Visto que tinha eu vícios em demasia,e não havia me relacionada com nenhuma pretendente depois da morte de minha esposa,a bastante tempo. 
    Mas afinal de onde teria vindo,de que passado nebuloso teria ela voltado,de qual vida passada,se é que tenho alguma,surgiu este manto de candura.Durante toda noite foi-me presenteado momentos de intensa alegria,felicidade,sentimentos estes,que até então pensara não mais existir em minha alma cansada e fracassada.Ao amanhecer,inebriado pela noite inesquecível na companhia da agradável dama,tratei de despedir-me da maneira mais formal possível,beijando-lhe as mãos,conduzindo-a até o coche que a levaria ao seu destino,local este que ela não  revelou,por mais insistentes que fossem minhas tentativas de descobrir em qual vale iluminado esta magnífica fada se escondia.
    Feito isto,e ainda sobe o forte efeito do absinto,que ingeri toda noite sem medir conseqüências,causando-me uma tontura,que confesso,quase me impossibilitava de andar, e do ópiun que chegou até mim pelas mãos do amigo Henry,mistura diabólica que me lavava e histeria e ao delírio insano de sonhos irreais,direcionei-me para minha casa,a qual cheguei depois de perambular perdido pela noite londrina.Agarrando-me ao velho corrimão de madeira  que levara ao primeiro andar do chalé,onde tencionava jogar-me na cama como um desfalecido,quando,não sei bem dizer porque,um quadro,entre muitos,pendurado na parede subindo a escada,chamou-me a atenção em particular.
    Aproximado- me de tal maneira,quase encostando o rosto no quadro,vi ali,pelas luzes dos pequenos lampiões,uma pintura que,a princípio,me tinha passado despercebida.Era o retrato de uma Linda Jovem já amadurecida,quase mulher.Direcionei ao quadro um olhar rápido e fechei os olhos.Aquele rosto me era deveras familiar. 
    Ao princípio eu próprio não soube por quê.Mas enquanto mantinha as pálpebras fechadas,analisei rapidamente a causa que me obrigara a fechá-las assim.Fora um movimento voluntário para ganhar tempo e para pensar,para me certificar de que a vista não me enganara,para acalmar e preparar o espírito para uma contemplação mais a frio e mais segura.Ao fim de alguns instantes,olhei de novo fixamente para o quadro.
    Não podia duvidar, mesmo que quisesse,de que via então com toda a nitidez, pois a luz que vinha das fracas lamparinas laterais elucidavam o espanto e o devaneio de que os meus sentidos estavam possuídos,e chamara-me num instante à vida real.
    Na vasta escadaria da casa que herdara de meus pais,havia inúmeros retratos pintados a óleo,representando uma descendência decadente e recheada de escândalos.
    Um pavor descomunal,mesclado com o efeito das extravagâncias daquela noite me fizera cair de joelhos perante o maldito retrato,de alguém que a morte já tinha a muito carregado,com certeza para o inferno.Na parte inferior da quadro estava gravado em uma pequena placa de metal,já quase ilegível pelo tempo,o nome de sua modelo,
    que inacreditavelmente me fizera companhia por toda aquela noite...
    * Emily Elisabeth Crosec.*
                                                      
                                           
    O Protetor
     Romênia -  1885
    Eu permaneci imóvel,no canto do quarto,em completo silêncio,a sete dias era meu provisório local de permanência.Eu estava no vilarejo de Tarzem,Zalau,na Romênia,ao pé do monte Moldoveanu.Aqui a miséria e o abandono era irremediavelmente mortal.Um lugar que eu julgava  esquecido por Deus.Mas estava muito enganado.
    Em uma noite fria de inverno,a neblina que cobria o vilarejo era o ambiente ideal para que o mal se fizesse presente.E exatamente por isto eu estava lá.A carruagem de cor vermelha,com o símbolo da igreja parou em frente a velha casa da família Serbav.Dela desceu lentamente o padre Guilhermo,já havíamos nos encontrado em outras ocasiões,guardávamos boas e más recordações destes encontros.Sempre trazendo sua maleta e com sua casúla em veludo vermelho(talvez para combinar com a carruagem)  e uma capa de estofo branco.Uma estola na cor lilás com símbolo sagrado cobria-lhe os ombros.Era um homem velho,mas de muita coragem,eu até me arriscaria a dizer que admirava sua fé inabalável.
    Logo ao entrar na casa,que estava quase em ruínas,pressentiu minha presença mas não se deteve por ela,havia um forte odor de enxofre no ar,e o silêncio que vinha da noite lá fora,era assustador,apenas o barulho de seus passos era ouvido.Mas Guilhermo sabia da sua missão naquele local,o exorcismo.
    No cristianismo,exorcismo (do grego exorkismós,"ato de fazer jurar",pelo latim exorcismu)é a cerimônia que visa esconjurar os espíritos maus,forçando-os a deixar os corpos possessos ou dominar sua influência sobre pessoas,objetos, situações ou lugares.Quando objetiva a expulsão de demônios,chama-se Exorcismo Solene e deve fazer-se de acordo com fórmulas consagradas,que incluem aspersão de água benta,imposição das mãos,conjurações,sinais da cruz,recitação de orações,salmos, cânticos,etc.Mas nem sempre funcionam.Além disso,o ritual católico do exorcismo pode ser executado por sacerdotes somente quando são expressamente autorizados pelo bispo.Era o caso do padre Guilhermo.
    Na porta do quarto apenas uma fina cortina na cor azul,no fundo do imundo cômodo uma cama de ferro estava colocada no canto mais escuro,pois somente a fraca luz de um lampião servia de iluminação ao local.Ao lado da cama,uma cadeira acomodava uma velha senhora,que segurava apreensivamente um rosário entre os dedos.Jogados embaixo da cama vários pedaços de alho e galhos de ervas.Superstições sem sentido para tentar conter uma força para eles desconhecida.Eu permanecia distante,apenas observando o que viria a seguir.Ainda não era o momento de intervir.Na cama estava Gustav,um menino de apenas nove anos,mas que já passava por terríveis tormentos psicológicos,e havia uma razão para tudo isto.Horrorizado pelo medo de seus próprios demônios,pelos delírios de sua mente transtornada.A abominação no espelho,o lado maligno do ser humano,sua pobre e inocente alma estava em jogo,entre o céu e o inferno.Seus braços e pernas estavam grosseiramente amarrados aos lastros da cama,com retalhos de tecidos.Guilhermo largou sua maleta aos pés da Cama e observou o menino,o jovem estava bastante desfigurado,uma magreza quase cadavérica,seus pulsos e tornozelos bastante machucados pelas amarras,olhos arregalados,e um suor que molhava toda sua surrada vestimenta.Mas ainda estava consciente.

    ---Padre,ajude-me. Disse o menino

    ---Diga o que sentes,o senhor esta contigo meu filho ? Perguntou o padre

    ---Dói todo corpo...algo ruim esta em mim. Respondeu Gustav.

    ---O senhor esta contigo..ele te ajudará,te livrará deste mal. Disse Guilhermo.

    Sabendo que minha presença naquele momento certamente poderia atrapalhar seu trabalho,Guilhermo motivou-se ainda mais para provar a força de seu mestre.E é neste momento que os cavaleiros do bem e do mal exibem suas armas.A sempre a necessidade de separar a luz das trevas,pois as duas estão juntas na mente,no corpo e na alma.
    O exorcismo católico inicia-se com a expressão latina"Adjure te, spiritus nequissime, per Deum omnipotentem"(eu te ordeno, espírito maligno, pelo Deus Todo-Poderoso).E foi exatamente o que ele fez,retirando de dentro da maleta um vidro com óleo,aspergiu sobre o corpo do menino,em seguida com seu livro santo aberto,proferiu as palavras e teve início,naquele local de miséria e dor,mais uma eterna luta em busca de almas.
    A mão esquerda de Guilhermo segurou fortemente a cabeça do menino,enquanto orava fervorosamente pela salvação da alma daquela criança.Aproximei-me lentamente e fiquei a cabeceira da cama,era um momento de extrema tenção.Era o momento derradeiro.O menino ergueu seus olhos em minha direção,certamente conseguia ver-me parado a sua cabeceira,e isto deixou-o apavorado.  
    A avó de gustav permanecia sentada ao lado da cama,seus olhos cerrados e o rosário entre os dedos mostravam que ela estava em profunda oração pelo neto.Subitamente o menino começou a grunhir e debater-se como um animal,de sua boca golfadas de sangue eram lançadas sobre a cama,atingindo a capa branca de Guilhermo,entre gritos e lágrimas,seus dentes foram sendo cuspidos juntamente com o sangue.Somente as amarras poderiam conter-lhe,tamanha era sua fúria naquele momento.A fera estava surgindo,ela é parte humana,parte caçador,parte demônio.Quando se passa do limite da compreensão humana,qualquer coisa pode acontecer,os sonhos se tornam terríveis  pesadelos,e os pesadelos nossa mais cruel realidade.Um vento forte tomou o local,como se em instantes a uma tempestade estivéssemos expostos.Objetos começaram a voar pelo quarto,tocados pela força do vendaval.Era a luta pelo poder,pela alma de Gustav.Os cavaleiros estavam frente a frente.
    O animal que havia dentro dele urrava raivosamente,era a fera mostrando seu poder.O mal havia finalmente possuído sua alma,o que esta no inferno não é humano,não é inocente,nada vive nele,alem do medo e do ódio.A hora derradeira havia chegado.Aproximei-me mais da cama,pretendia tocar a cabeça do menino,este era o momento para fazer isto,a fera seria solta.Mas Guilhermo,pressentindo  o que poderia acontecer,colocando seu crucifixo junto ao peito do garoto,jogou-se sobre ele, abraçando-o.Um grito  igual a um animal mortalmente ferido saiu da boca do menino e ecoou no quarto,que aos poucos foi ficando em silêncio,a tempestade cessou da mesma maneira inesperada como começou.

    ---Filho...estas livre. Disse o padre

    ---Eu estou bem! Disse o menino,ainda chorando

    Guilhermo permaneceu abraçado a Gustav,ele estava liberto.Afaste-me imediatamente do local,pois mais uma alma estava em minhas mãos e foi perdida,salva pelo Protetor.   
                                                *********
    As criaturas angélicas estão presentes ao longo de toda a história da salvação: umas permanecem ao serviço do desígnio divino e prestam continuamente a sua proteção ao mistério da Igreja;outras, decaídas da sua dignidade,e chamadas diabólicas,opõem-se a Deus e à sua vontade salvífica e à obra redentora de Cristo e esforçam-se por associar o homem à sua rebelião contra Deus.
    ( do livro Celebração do Exorcismo-Concílio Ecumênico- Vaticano )
  • Complexo de Afrodite

    “O Reino dos Céus é semelhante a um Rei que comemora o casamento de seu filho (Mt-22:2)”, e um dia presenciarei isso em todos os casamentos da humanidade...
    E considerando que o Reino dos Céus é simplesmente um Reino erigido pela verdade não religiosa e não científica atual, quantos casamentos hoje seriam comemorados com alegria e total união de seus participantes.
    Mas...
    Se eu pudesse contar a quantidade de Afrodites que se encontram no mundo hoje seria esta quantidade o tamanho do mundo sem contar as suas respectivas descendentes onde uma coisa é certa de todas as Afrodites existentes algumas me chamaram a atenção e é destas que eu falarei.
    Antes preciso lembrar que uma Afrodite é aquela mulher que, independente de seus diversos romances em vida, diversas histórias que a envolve, o que claro será fatídico para personifica-la, permite entre todas as Afrodites um ‘que’ em comum, o ser Afrodite sempre amada e cuidadora de seu Cupido no seu mais elementar ‘ser’ em si mesma.
    Da Psique esta com certeza nestas entrelinhas se aqui descrita ou não, será sentida. E do Cupido conheceremos outros universos de Afrodite que o envolvem como as pequenas e futuras Afrodites também.
    Mas quem são realmente estas Afrodites e o que leva este amor muitas vezes exagerado, muitas vezes sufocado, muitas vezes manipulado, muitas vezes separado, esquecido, abandonado e sempre revestido de um certo oculto quase manifesto a acontecer e/ou sem acontecer, acontecendo no próprio oculto das coisas ser o que é...
    E é isto que mergulharemos em o Complexo de Afrodite.
    05 de agosto de 2016.
    Pequena Afrodite e o Monstro Embriagado
    Não conheci pessoalmente esta Afrodite, mas o relato de sua filha me foi suficiente.
    Contava sua filha que era ela uma Afrodite dedicada, guerreira, sonhadora como todas as Afrodites.
    Era ela aquela Afrodite bela, cozinheira, amada pelos filhos e filhas, mas que em um determinado momento do dia se deparava com uma situação monstruosa.
    Dizia a filha que um ser entrava em sua casa com um aspecto cruel e embriagado muitas vezes a noite, apontava sobre ela, sobre a Afrodite dedos sujos e junto com uma grande boca aberta gritava horrores e muitas vezes a espancava.
    Esta quem me dizia, a filha mais velha, em frente a sua Afrodite de tão pequena que era nada podia fazer, apenas assistia com medo e sufoco os maus tratos de sua Afrodite, assistia aquela Afrodite que a alimentava, cuidava e a embebia de leite ser muitas vezes quase devorada por aquela boca grande tão suja como seus dedos.
    Aquela Afrodite que ao mesmo tempo guerreira era tão frágil e perfeita e que insistia talvez por ‘amor’ em enfrentar do seu jeito Afrodite e não mais outra Afrodite de ser aquele monstro todos os dias, apenas enfrentava, do seu jeito Afrodite, mas por incrível que pareça, aquela embriaguez nunca teve fim, e aquela Afrodite a enfrentou por toda uma vida. Sim, toda uma quase miserável vida, pois se não fosse o Monstro Embriagado, talvez tudo seria diferente!
    A filha mais velha de Afrodite, desta Afrodite, por sua vez, foi crescendo e em um determinado tempo percebeu que poderia defender sua Afrodite, poderia enfrentar aquele monstro, mas muitas, muitas tentativas foram feitas, e aquela menininha de Afrodite já crescida não conseguia de alguma forma organizar aquela loucura defendendo casualmente sua Afrodite e assim junto a isso não só agora tentar de alguma forma defender Afrodite certeiramente, a sua amada Pequena Afrodite, como todos os filhos e filhas de seu clã e isto era nas suas noites acordadas uma meta a ser meticulosamente labutada.
    Ah o amor por Pequena Afrodite era tão excelso e ao mesmo tempo tantas dúvidas pairavam na cabeça daquela filha mais velha de Afrodite, que questões deste cunho no dia a dia eram normais:
    Porque aceitar esta monstruosidade embriagada que a todos nos fere?
    Porque permitir que isto aconteça?
    Minha Pequena Afrodite que me aleitou, me pegou nos braços, me amou, me alimentou, me envolveu por uma vida inteira não é capaz de desatar este nó, este laço dos lados demoníacos dos Deuses?
    Que monstro é este que fere minha Pequena Afrodite e meus irmãos e irmãs?
    Como resolver? O que posso fazer? Como fazer?
    E tentava, e tentava.
    Todos os dias quando aquele monstro chegava a sua casa embriagado e a filha de Afrodite cada vez mais esbelta, forte e crescida se deparava com ele contra sua Pequena Afrodite, contra todo o seu clã, desfalecia; desfalecia, mas não fisicamente e sim mentalmente, sentia até neste desfalecimento uma leveza e mal estar físico, porque suas pernas por mais que a cada vez conseguia enfrentar aquele monstro e aquela embriaguez: bambeavam.
    Mas Crhonos o tempo não lhe parecia nunca suave, pois dotado de seu Aeon aparentemente eterno nunca parecia predispor o tão esperado Kayros daquela situação e por isso distante de suas orações e medos, já realisticamente disposta a entender que não havia mais esperanças, principalmente por aquele ser forte, mas ao mesmo tempo sensível e medroso de sua Pequena Afrodite, desta Afrodite, e não outra; ela a filha em seu crescendo junto a Crhonos percebeu que o Éter tinha muito a lhe dizer.
    E em uma serena noite aparente vinha ali o Éter tocar em suas narinas suavemente através de Zéfiro e assim ela entendeu, uma mortal finalmente entendeu que a partir dali para se chegar ao Kayros no Aeon de Chronos era necessária sua transformação e que já vinha sendo perceptível fisicamente nos pelos de suas pernas, nos pelos de suas axilas, nos pequenos brotos mamários de sua pré-adolescência atado aquela perceptiva já pré-definida de amor e ódio por Afrodite e incrivelmente de amor e ódio por aquele Monstro Embriagado.
    Porque os Deuses deram a minha Pequena Afrodite, pensava ela, este Monstro Embriagado provindo das profundezas de Hades quando se deparado a Dionísio após o entardecer e muitas vezes nos dias em que Apolo não provia o trabalho e o fruto das colheitas?
    Porque meu Anima tocado por Zéfiro através do Éter para entender as determinações de Chronos em seu Aeon do Kayros naquela noite aparente consegue amar e odiar Pequena Afrodite e este Monstro Embriagado ao mesmo tempo?
    Amar e odiar?
    Amar e odiar.
    Porque estou começando a ter vontade de me aproximar também de Dionísio? 
    (continua....)
  • Coração Executor

    Aproximei-me de meu pai. Frio. Rígido. Inerte. Observei sua tez esquálida, e admirou-me a expressão serena em seu rosto, tão distinta da que trazia habitualmente. Talvez tivesse morrido no meio de um sonho bom. Olhando em volta, via-se que todos na sala mantinham uma postura cordial. Desentrelacei minhas mãos dos dedos gélidos de meu pai e me dispus a caminhar até as cadeiras mais afastadas do caixão.
    Já acomodado, comecei a analisar aqueles semblantes tristes. Indo e vindo. Conversando baixinho. Revezando-se para se aproximar do caixão e despedir-se de meu pai, alguns chegavam mais perto; outros, mantinham certa distância do defunto. Todos ali para ver meu pai morto. Nunca o visitaram enquanto estava vivo, por que vinham agora para vê-lo sem vida? Sempre considerei o velório uma cerimônia sem sentido. Contudo, para mim, aquele em específico significava não um ritual fúnebre, mas o início de uma nova vida.
    Cada um dos presentes, entre os familiares, amigos e conhecidos, vinha, em algum momento, prestar sua solidariedade a mim, que agora me tornara órfão também de pai. Perguntavam que terrível mal tinha acometido meu pai, que fizera sucumbir um homem ainda jovem, forte e que sempre sustentara um ar inabalável. Eu repeti, incontáveis vezes, reprimindo o sorriso orgulhoso, que nem com a necropsia foi possível definir o que causou a morte. “Causa indeterminada” é o que consta na certidão de óbito.
    Alguns questionaram se a morte não foi decorrente de sua doença do coração. Meu pai já havia sofrido um infarto, mas, como diz o ditado popular “vaso ruim não quebra”, ele sobreviveu sem sequelas. Minha mãe também esteve por perto para socorrê-lo. Se ele tivesse tido mais um depois que ela se foi, não haveria alguém que o socorresse. Minha tia me alertou, preocupada, que cuidasse de minha saúde, pois aquele mal poderia ser hereditário. Eu lhe disse que ficasse tranquila. Daquele homem, eu não havia herdado nada.
    Quando as pessoas começaram com a história de o quanto meu pai era um bom homem e que não merecia um fim tão prematuro, eu comecei a ficar inquieto e desejar ir embora. Queria sair do meio daquelas pessoas estúpidas que achavam que conheciam meu pai, quando na verdade não faziam ideia de quem era o homem que estavam velando.
    E, sobretudo, queria sepultar logo meu pai para que sua partida da minha vida se consumasse. A certa altura do velório, comecei a olhar para o relógio de minuto em minuto, ansiando para as 17h, a hora do enterro, e batia o pé impacientemente quando alguém vinha com o papo de “Ah, é uma pena, ele ainda era tão jovem”.
    Aquele homem desprezível não merecia nenhuma lágrima, mas é claro que eu interpretei bem meu papel de filho desolado pelo falecimento repentino do pai. Nenhum deles sabia quem era realmente meu pai e como ele fazia da nossa vida miserável. Assim como toda boa família problemática, escondíamos muito bem nossas desavenças dos olhares de fora. Comecei a imaginar a reação das pessoas nesse velório se soubessem que eu matei meu pai, o quão chocadas ficariam. É claro que ninguém nem desconfia. Ninguém desconfiaria sequer que eu seria capaz de tal ato infame. Eu mesmo me surpreendi quando me peguei desejando fazê-lo, e depois imaginando, e depois planejando, e, até executar de fato, não tinha certeza de que realmente conseguiria.
    Tudo que eu queria era que ele me deixasse em paz, que parasse de me atormentar, mas isso nunca aconteceria, então tive que fazer algo para obter finalmente o controle de minha vida. Para isso, tive que me tornar um assassino, mas não acho culpa em meu ato; apenas adiantei sua ida para o inferno, pois bem nenhum fazia na Terra. Queria que ele saísse da minha vida silenciosamente, por isso eu precisava de uma maneira de matá-lo sem deixar nada que pudesse ligar sua morte a mim, de preferência algo que parecesse um acidente ou morte natural. E foi aí que me ocorreu. Uma agulha. Seria essa a arma do meu crime, arma que não deixaria nenhum vestígio. Eu seria realizador de um crime perfeito. Seria, na verdade, algo muito simples, mas que não deixaria pistas que pudessem me incriminar.
    É isso, eu tinha tomado a decisão e já tinha um plano; só precisava concretizá-lo. Mas, para chegar lá, eu ainda precisava tomar coragem. Passei semanas imaginando o momento, premeditando cada ação com máxima prudência, dia a dia minha vontade de fazê-lo sendo alimentada pela presença odiosa daquele homem. Até que finalmente tomei coragem. Foi na madrugada de domingo. No dia anterior, decidira que já não poderia esperar mais. Tinha que ser feito. O maldito tinha que ter um fim.
    Fomos dormir costumeiramente às 23h. Eu tinha dissolvido pílulas do meu remédio para dormir no leite que ele tomava todas as noites antes de se deitar, apenas por garantia. Eu sabia que ele tinha o sono pesado; nunca havia tido problemas para deitar a cabeça no travesseiro mesmo sendo alguém tão abominável. Aguardei ainda algumas horas.
    Quanto mais o tempo passava, mais minha ansiedade aumentava, então, às três da madrugada, levantei de minha cama com minha agulha no bolso.
    Fui até o quarto dele, entrei cuidadosamente e, com passos lentos e hesitantes, aproximei-me de sua cama. Ele estava deitado de costas para mim, não vi seu rosto. Abaixei-me ao seu lado e, tentando ser o mais firme e preciso que conseguia naquele estado de tensão, enfiei a agulha atrás do lóbulo de sua orelha, até que tocasse o cérebro, causando sua morte instantânea. Uma forma muito eficaz de matar uma pessoa sem deixar vestígios que aprendi numa aula de biologia certa vez, uma curiosidade dita pelo professor. É claro que ele não achou que alguém realmente faria uso desse conhecimento um dia.
    Não vou negar que senti em meu íntimo um certo orgulho por não ter sido descoberto. Por ter cometido um crime perfeito, mas não pensem que fiquei feliz em ter que fazer aquilo. Em cometer um crime, em matar alguém. Fiquei feliz, sim, em não ser mais atormentado por aquele ser hediondo, ainda que, fatidicamente, fosse meu pai.
    Ao entrar no cemitério, estranhamente comecei a suar frio e sentir falta de ar, mas imaginei se tratar do cansaço e da ansiedade causados por toda aquela situação. Como era previsto para o final daquela tarde, começou a cair uma chuva fraca. Era um bom diapara um enterro, deve-se dizer. Debaixo de meu guarda-chuva, murmurei um adeus quando o coveiro colocou o último tijolo que lacrou o túmulo. Virei-me e fui embora, deixando para trás meu pai e meu pecado.
    Eu estava em casa. Estava sozinho. Finalmente conhecendo um pouco de paz. Sentei-me na poltrona em que antes costumavarepousar meu pai e apreciei o silêncio que inundava a casa toda. Notei, então, que ainda faltava uma coisa para me livrar completamente da presença de meu pai. À minha frente, na estante, estava a nossa foto de família. Eu pensei em cortá-lo da foto e deixar apenas minha mãe e eu. Mas assim que comecei a levantar, uma forte pressão veio sobre meu peito. Era como mãos empurrando meu peitoral. Era como as mãos pesadas de meu pai. Uma dor excruciante me atingiu. As mãos penetraram meu peito e esmagaram meu coração entre elas. Maldito! Ele não me deixou em paz! Sua sombra cobriu meus olhos e me mergulhou na escuridão.
  • Crime Perfeito

    Perina se levantou e foi até a cozinha, queria transformar toda a sua raiva em uma ideia de vingança, precisava encontrar uma forma de ridicularizar sua inimiga.

    Abriu os armários, seus olhos fixos e atentos a qualquer insinuação, a qualquer sugestão para um crime perfeito.

    “Cozinha é o melhor lugar para se premeditar um crime. Aliás, uma mente criminosa com certeza nasce ou se desenvolve aqui.”

    Pensou ela determinada, enquanto abria as gavetas.

    Um objeto atraiu seu faro, seus olhos fixaram-se nele, pura concentração, nada era mais importante naquele momento, nada que conseguisse quebrar aquela atração. Uma força magnética criou-se ali.

    Pegou-o, caminhou até a sala, sentou-se no sofá e explorou-o primeiro com os olhos e depois com os outros sentidos. Consumiu-o completamente, e depois daquela experiência intensa e voraz, deixou seu corpo cair cansado, deitando-se no sofá.

    Suas mãos sem forças se abriram e soltou a prova do crime, o objeto escorregou pelo sofá e caiu no chão, o conteúdo devorado até o final, sobrava apenas a embalagem daquela deliciosa e intensa experiência.

    Passado o torpor, Perina se sentia péssima, novamente foi dominada por aquela força e impetuosamente comeu toda a barra de chocolate. Daquela forma, jamais conseguiria colocar em ação sua vingança.

    Pra isto precisaria pensar como uma verdadeira criminosa. Saiu atrás de uma ideia assassina e o que conseguiu foi acrescentar mais colesterol à sua coleção devorando aquele tablete inteiro de chocolate.

    Perina era compulsiva, desde pequena, por sorte não tinha tendência a engordar, mas tinha problemas com o espelho e com a autoestima, o que afetava e muito suas relações. Eram sempre superficiais.

    Já havia pensado em procurar um médico, chegara até a marcar. Mas sempre desistia, não era fácil abrir mão daquela liberdade gastronômica.

    Mas agora era diferente, precisava começar a pensar com a cabeça, ou emagrecê-la, sim porque de tanto pensar em comida, achava que sua cabeça já estava gorda.

    Trabalhava atualmente numa loja de utilidade doméstica. Foi lá que conheceu Junia, uma mulher magra, linda, desenvolta... mas uma cobra, que além de colega de serviço era também vizinha, morava três casas depois de Perina.

    Junia era má por natureza, inventava mentiras, colocava amigo contra outro, fazia as maiores armações e saia de boazinha. Com Perina então, ela vivia aprontando.

    E desta vez Junia tinha passado dos limites, aprontou uma que Perina evitava até pensar, falar com os outros sobre aquilo então, de jeito nenhum.

    Ela injetou corante num chocolate que Perina amava e aqueceu – o um pouco. Quando Perina foi comê-lo ele estava todo derretido, e gulosa como era, se lambuzou toda. E o resultado, mesmo depois de lavar ficou com o rosto e as mãos todos manchados, deixando claro pra quem quisesse ver que tinha, como uma criança recém-nascida se sujado inteira para comer.

    As pessoas que já conheciam bem sua compulsividade, chegavam a olhar com dó pra ela, e fingiam não perceber aquela catástrofe.

    Aquilo despertou em Perina o que ela tinha de pior. Iria controlar sua fome para satisfazer seu ideal mais profundo: a vingança.

    Precisava de uma ideia.

    Abaixou e pegou a embalagem de chocolate e foi pra cozinha preparar o jantar. Ali pensando no que fazer... Veio o insight:

    “Lógico, comida envenenada, como não pensei nisto antes, uma comida irresistível e envenenada. A mesma arma da inimiga.”

    Escolheu a receita, planejou tudo. Tinha todos os ingredientes, faltavam apenas os morangos. E ela queria colocar numa travessa floral que tinha na loja que trabalhava, que aliás, ainda estava aberta. Resolveu dar um requinte de crueldade à sua vingança, ligou para Junia e pediu para que ela trouxesse morango frescos e a travessa quando viesse do trabalho. Falsa como era, ela se prontificou imediatamente.

    A quantidade de veneno tinha que ser bem dosada, senão poderia até matar. Decidiu colocar todo o frasco, porque sabia que Junia comeria um pedaço pequeno, assim teria uma baita dor de barriga e mais alguns incômodos. Era uma vingança arriscada, mas valia a pena.

    Lavou toda a louça, pôs o lixo pra fora e sentou no sofá para descansar.

    Mas enquanto descansava pensou melhor e desistiu da vingança, aquilo nada tinha a ver com ela, Junia era do mal, ela não.

    Estava decidida, pela manhã iria jogar a sobremesa fora e depois procurar um médico e começaria um tratamento, tudo aquilo já estava começando a mexer com seu caráter.

    Mas tinha sido bom pensar e executar até ali aquela vingança, era como um desestressante. Agora ia seguir com sua vida.

    Estava tão cansada que dormiu ali mesmo assistindo televisão.

    Perina acordou assustada, tivera um sonho tenso, mas delicioso. No sonho ela levantara e encontrara um pavê embrulhado pra presente em sua geladeira e comera quase todo.

    De tão intenso o sonho, ela se sentia até sem ar. Levantou-se e sentiu o corpo pesado, a cabeça girando, e muita tontura. Com muito esforço, foi pegar um copo de água.

    Abriu a geladeira e lá estava a sobremesa desembrulhada e comida quase toda.

    “Não foi um sonho!”

    Tentou entender, mas seus sentidos foram sumindo e seu corpo pesando até que caiu morta no chão.

    A faxineira chegou mais tarde e chamou a polícia. Encontraram o pavê envenenado e na investigação descobriram que foi Junia quem comprou os morangos e a travessa floral.

    A conclusão da polícia foi a óbvia: Junia fez uma sobremesa envenenada e deu pra Perina.

    Junia chegou algemada á delegacia.

    -Não fui eu, eu juro, ela que me encomendou a travessa e os morangos.

    Mas o delegado, que era gordinho estava enfurecido com tamanha maldade.

    -Você vai pagar pelo mal que fez a esta moça. Tentou um crime perfeito, seu álibi até que é bom, mas vou te alertar.

    -CRIMES PERFEITOS NÃO EXISTEM!

  • Desde a primeira vez

    Desde a primeiro vez em que te vi, eu sabia que você tinha algo especial guardado;
    Desde a primeiro vez em que te vi, eu senti uma forte atração por você;
    Desde a primeira vez em que nós conversamos, eu já sabia onde isso tudo iria parar;
    Desde a primeira vez que nos beijamos, eu já sentia que as borboletas iriam acordar;
    Desde a primeira vez em que transamos, eu já sabia que era você a pessoa certa;
    Desde a primeira vez que falamos o que sentiamos, eu me senti nas estrelas;
    Desde a primeira vez em que eu soltei um "eu te amo", me senti completa;
    Desde a primeira vez em que fiquei com ciúmes, eu estava ficado louca;
    Desde a primeira vez em que te vi na cama com outra, eu  já sai do meu mundo de fantasias;
    Desde a primeira vez em que você me deu um tapa, eu já não era mais a mesma;
    Desde a primeira vez em que nós brigamos, eu me sentia pertubarda;
    Desde a primeira vez em que você se desculpou, eu perdoei;
    Assim pensei que os primeiros versos rertonariam, mas me enganei.
    Pois desde a quarta vez que você me espancou, eu fiquei com os hematomas marcados na pele;
    Desde a quinta vez que você me forçou a fazer sexo com você, eu me sentia cada dia mais suja;
    Desde a sexta, sétima oitava vez em que você abusava de mim de todas as formas possíveis, eu desejava a morte, ela me parecia mais atraente do que você agora.
    Mesmo que eu falasse, gritasse, berrasse pela primeira vez pedindo socorro, ninguém me ouvia.
    Mesmo que eu tentasse sair, eu não conseguia, afinal, a culpa foi minha por não ter sido uma namorada melhor.
    Desde a primeira vez em que tentei esconder os machucados, eu estava me conformando.
    Desde a primeira vez em que fingir não ver aquela mensagem provocativa de outra mulher, eu estava me pondo no lugar.
    Desde a primeira vez em que eu tentei ignorar seus xingantos, eu estava me tornando uma mulher melhor para sociedade.
    Desde a primeira vez em que você pegou a faca pra mim, eu já não resistia;
    Desde o primeiro corte, nada me parecia melhor do que a morte;
    Desde que me senti agonizada no chão, senti que agora me livraria de tudo me matava lentamente a cada dia;
    Desde que me colocaram no caixão, agora eu poderia dormi em paz, sem medo do que você poderia fazer comigo enquanto eu dormia;
    Desde que tamparam o caixão, eu estava na melhor.
    Desdes que me jogaram na cova, eu não iria mais está acordada pra sofrer seus abusos;
    E essa foi a primeira vez em que me senti livre desde as outras primeiras vezes.
  • Dois. Capítulo três de seis

    São seis capítulos no total, postarei os seis. Este conto é de 2017. No perfil você poderá encontrar os capítulos.
    Capitulo três
    795713002952687
    O sol nasceu e o horizonte se fez belo, o casal de ladrões caminhou até a mesa e cadeiras colocadas no jardim, parecendo algo rotineiro para eles, conversaram bastante sobre a sombra da grande árvore.
      -O dinheiro está no quarto de nosso futuro filho, só iremos usá-lo daqui a uns dias é mais prudente mesmo já sendo ricos como fomos e agora voltamos ao patamar. A mulher beijou o marido ferozmente, como se nunca tivesse feito aquilo antes que tanto o fez e agora pela felicidade que transbordava. O sorriso do casal era como brilhos que sem que eles soubessem estavam em risco de perderem a luminosidade, eles estavam cientes de que dali para frente era só curtir a volta à vida normal, a riqueza e desfrutarem de seus desejos como a de ter um filho.
      -Que bom, agora sabemos onde o dinheiro está! Sussurrou Zé contente para Coutinho que por algum motivo não sorriu.
      Os ladrões terminaram de tomar o café e voltaram para dentro da casa, Zé e Coutinho já sabiam o que fazer entrar e ir ao quarto da criança, mas Coutinho estava comovido e comentou uma duvida:
       -Deveríamos desistir!
       -Como assim, agora é só esperar anoitecer e pegar a grana!
       -Você não os ouviu? É um sonho deles, ter um filho e dar de tudo o melhor para tal, deveríamos deixar o dinheiro para eles, de uma ou outra maneira eles conquistaram. Você não vê que eles precisam? Os olhos de Coutinho exibiam caridade.
      -Para o lazer deles perderíamos nosso emprego? E sua mulher, o que será dela?
      -Minha mulher é forte, aguenta de tudo, sabe se virar, nós conseguiremos seguir com o que nos for possível. Mas está família está acostumada ao luxo que perderam, me responde, devemos deixar o dinheiro e sairmos daqui?
      -Claro que não, eu preciso de meu emprego! Faremos nosso trabalho, você não acha que apesar de tudo isto é que é o certo? Zé tentou ouvir uma conclusão e Coutinho colocou mais razões ao seu pensamento revelando:
      -Eu não queria dizer, mas você sabe que este dinheiro entregue assim as escondidas certamente é o dinheiro do próprio povo?
      -Eu sei, mas estamos fazendo nosso trabalho seja este dinheiro vindo de onde vier, o certo é entregá-lo a quem o espera.
      Coutinho não insistiu, resolveu ouvir Zé. O aroma do café da manhã dos donos do casarão ficou como loureira. O tempo passou e a fome daqueles que estavam em cima da árvore foi aumentando e eles decidiram:
       -Vamos à cozinha! A fome era tanta que eles arriscariam serem vistos, mas se saciariam. Eles ficaram de olho e os ladrões terminaram o almoço, os empregados pareceram ir descansar era a hora certa de entrarem e enxerem de uma vez a barriga. Porem após alguns passos já na cozinha eles tiveram que se esconder, empregados ainda estavam lá, duas mulheres e os dois seguranças não tiveram como não ouvir a conversa delas, coisa que lhes foi interessante saber.
       -Você sabe que os nossos patrões estão quase falidos, já tiveram que demitir várias pessoas que trabalham aqui. Espero que eles voltem a serem os mesmos ricos de antes e que assim nós não sejamos as próximas, já pensou ficarmos sem emprego? E eles coitados nunca viveram sem o luxo, como se dariam de outra forma? Eu sou uma das que trabalha para eles há muitos anos, talvez eu seja a mais antiga, os vi ricos e não consigo imaginá-los de outra forma.
       -Nem posso imaginar, dei duro para conseguir estar aqui e eles não podem nos deixar de mãos abanando.
       -Os patrões trabalharão duro e vão conseguir nos manter, temos que acreditar que eles podem!
       -Eu quem não posso perder este emprego, tenho um filho para criar! Uma mulher falava para outra e Coutinho se comoveu e seus pensamentos de que deveriam deixar o dinheiro para os donos da mansão voltaram, pois percebeu que não eram só eles que iriam à falência, era uma espécie de peças de domino colocadas em pé em fileiras e estas iriam cair uma a uma.
    jardim europa mans o rx8091 4870007491335100825
    rio165 mansion for sale in jardim botanico 17
    Veja a seguir o capítulo quatro.
  • Em Branco

    O LADO REAL DO ABSTRATO, meu primeiro romance, disponível em: http://www.selojovem.com.br/pd-62fc17-o-lado-real-do-abstrato.html?ct=4356e&p=4&s=1 
    Ebook: www.amazon.com.br/dp/B07CZZTPJC 
    Assistam ao Book Trailer: www.youtube.com/watch?v=ojbpvk6CxvE&feature=youtu.be  

    Apoiem os escritores nacionais - êta Literatura rica essa! s2
     
    low key 2307042 960 720

    Pegou um copo d’água.
    E saiu andando pela casa enquanto o tomava. Entretanto, derruba parte do líquido no chão mediante seu então agitamento.
    Na escada, depara-se com alguém lá embaixo. Alguém que não reconheceu. Seria por culpa da distância? Distância astuta.
    – Quem é você?
    Então o homem – o desconhecido lá embaixo –, na verdade um senhor, que lia sossegado um jornal com auxílio de óculos, olha a menina um pouco perplexo, sem entender a pergunta, intolerante para brincadeiras.
    – Como quem sou eu?
    – Quem é você? Já disse! – agora o temor afasta-se dela, criando um tom autoritário e exigindo-lhe uma resposta exata.
    – Sou seu tio, oras! – perde a paciência. – Não está me reconhecendo? Será que tá precisando de óculos também? – agora parecia mais compreensivo.
    Desse modo, a garota sai correndo de volta à cozinha (de onde emergiu). Estava aflita, temperada ao desespero.
    Sabia perfeitamente que enxergava muito bem. E que a questão não era essa: também não reconheceu a voz daquele senhor. Seria, mesmo assim, verdade? Era cética demais para lhe acreditar. 
    Então, visando salvar seu pai (com quem vivia) do pior, busca pelo revólver que sabia que ele tinha em casa, onde, certa vez, ainda mais jovem, descobriu “por um acaso” o esconderijo do objeto – que, aliás, por falta de desconfiança, o pai nunca mais o mudara de lugar.
    Mas não havia revólver. Será que o idoso ladrão disfarçado de seu tio já tinha se apoderado dele antes?
    Num repente, se lembra de que o solicitado revólver fora enterrado junto de seu pai.

Autores.com.br
Curitiba - PR

webmaster@number1.com.br