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Breves notas sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, e dos Educadores, de 1959

Breves notas sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, e dos Educadores, de 1959

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

AZEVEDO, F.. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e dos Educadores (1959). Recife: Fundação Joaquim Nabuco/ Massangana/ Ministério da Educação, 2010. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4707.pdf>. Acesso em 28 Mai. 2021.

Redigido pelo educador e sociólogo Fernando de Azevedo (1894-1974), o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, e dos Educadores, de 1959, inserem-se no contexto da chamada “Educação Nova” e “Pedagogia Renovada”, movimento que se opunha à pedagogia tradicional, basicamente conteudista, sendo subscrito por significativa e numerosa intelectualidade brasileira no intuito de renovar a educação e alocá-la como proposta de alicerce do país que se desejava construir.

Na introdução, pugna-se pelo reconhecimento do “inaudito triunfo do homem sobre as coisas”, onde, porém, as conquistas de ordem moral não se colocavam como paralelas aos progressos científicos daquele tempo (p. 11). Sob influências, dentre outros, do filósofo e educador norte-americano John Dewey (1859-1952), e, entre nós, Anísio Teixeira (1900-1971), a leitura dos documentos nos conclama a alguns destaques, dignos de citação e breve comento.

Sob um mundo invadido por máquinas, ao invés delas auxiliarem o ser humano, sujeitaram-no, suprimindo a sua dimensão espiritual (p. 13), muito embora falharia o homem ao não conseguir colocar-se à altura do mundo e civilização que quis edificar (p. 15).

Ademais era denunciada a incapacidade do país em resolver substancialmente os seus problemas, em estatuto de confusão causado pelas disputas partidárias e pelo coaxar de ideias pouco úteis (p. 17).

Embora o país fosse celeiro de talentos, prevalecia a indisciplina mental, de forma que, em ideal de afirmação, a cultura superior necessitaria ultrapassar os limites característicos do universo profissional (p. 18). A educação tradicional e antiquada teria se tornado agravante dessa condição, no que urgia superar as lutas políticas em favor de se estatuir uma consciência educacional legítima (p. 18-19).

Sob o impacto da Revolução de 1930 – que pôs termo à República Velha –, pugnava-se por se relembrar deveres antes de direitos, ainda que sob a libertação do prejudicial tradicionalismo (p. 21-22). Haveria a necessidade de fixação de um ideal educativo à altura da então concepção de vida e mesmo de uma filosofia apta para a satisfação tanto de interesses particulares como à multiplicidade de ideias dogmáticas (p. 25). Não seria, portanto, outra a missão educativa: inserir o indivíduo no meio social, de forma que a escola seria uma das mais significativas influências que este em vida receberia (p. 26-27).

Já no texto do Manifesto de 1932 propriamente dito, recorda-se a educação como problema nacional de grande relevância a pedir solução (p. 33). Para tanto, haveria de se superar um empirismo grosseiro que presidia os estudos pedagógicos, expostos em horizontes pouco abrangentes e em opiniões alocadas apenas ao interesse individual ou em de ordem meramente política (p. 34 e 38).

Sendo o Brasil em essência uma pluralidade de grupos sociais, a educação deveria superar o viés de uma autonomia estéril, reconduzindo a disciplina, o trabalho, a solidariedade e a cooperação para a superação dos meros interesses de classe (p. 40-41). Missão de uma educação integral que colimaria esforços da família (deixando de ser mero “centro de consumo”) e Estado (p. 43 e 61), de forma que este último não poderia torná-la obrigatória sem que antes fosse gratuita (p. 45). Reconhecer à educação uma finalidade biológica e superar a sua estruturação em face dos interesses transitórios, contribuiria para desvelar a insuficiência das soluções e políticas até então adotadas (p. 46). Pugna-se, então, por uma educação em unidade nacional sem cair na armadilha do centralismo de uniformidade estéril (p. 47), sem prescindir de uma obra metódica e coordenada, superadora da deficiência de meios e capaz de proporcionar o intercâmbio pedagógico e cultural dos Estados (p. 48). Haveria assim de se superar a escola do passado que teria a pretensão de abarcar todos os conhecimentos e, ipso facto, conduzir o educando à formação do espírito e ao universo das profissões, transpondo, inclusive, uma educação superior que estava exclusivamente afeita ao serviço e órbita das profissões liberais (p. 55).    

Uma revolução educacional fecunda dar-se-ia pela educação como manifestação de uma doutrina democrática, apta a combater a desagregação moral e a indisciplina, erigindo força criadora em ambiente de solidariedade social, sustentadora da identidade e do destino nacional (p. 65).

Igualmente redigido por Fernando de Azevedo, no Manifesto dos Educadores: Mais uma vez Convocados, de 1959, diagnosticava-se a expansão quantitativa que rebaixou a qualidade de todos os graus de ensino, sendo necessária a superação do diletantismo, da improvisação e da falta de espírito público neste contexto (p. 73), reiterando-se de forma principiológica que unidade não significa uniformidade (p. 76). Curioso até mesmo, na época, a referência a Gilles Lapouge (1923-2020), cronista francês que durante muitos anos escreveu para o jornal O Estado de São Paulo, crendo que regredia na França o espírito laico na educação e, em consequência, via-se diminuída a resistência dos partidários da escola pública (p. 82). A afirmação era reveladora do conflito da educação católica face ao movimento da Escola Nova, no que já se denunciavam deficiências na educação particular sob a indulgência do Estado, em circunstâncias de mercantilização da educação que exigiam maior atenção dos poderes públicos (p. 87).

O texto afirmava que somente a escola pública se colocava livre da distinção de classes e crenças, não sujeitando-se a pensamentos sectários, no que o seu crescimento traduziria fortalecimento democrático; o Estado – por meio da escola pública – aumentaria a sua influência e a família reduziria a sua no indivíduo em face das novas exigências de então, aliadas à urbanização e industrialização (p. 89), algo que possivelmente encontra guarida nos presentes modelos de educação integral que proliferam pelo país.

A formação de seres humanos à altura de seu tempo – bem ao modo do pensamento do filósofo espanhol José Ortega y Gasset (1883-1955) –, capazes de servir o país e seu momento histórico (p. 90), requereria o preparo para o alcance de riqueza e objetivos, enaltecendo o trabalho como fonte de conquistas materiais, culturais e científicas (p. 91-92). Portanto, o preparo científico para as novas gerações as alçaria à sintonia com a frequência da civilização atual (p. 94), e em manifestação um patriotismo não violento e plural, aos moldes da percepção equânime do tema imortalizada na pena de Ruy Barbosa (1849-1923).

Por certo a leitura dos manifestos suscita o diagnóstico de problemas da educação brasileira, de longa data, não resolvidos, em um quadro no qual as disputas partidárias e ideológicas se sobrepõem ao esforço de unidade necessário para soerguer o ideal instrucional básico e educativo brasileiro.  

Estas são reflexões que, aliadas à fragilização da família enquanto instância afetiva e educativa, permanecem atuais, e que reclamam do Estado e da sociedade brasileira esforços para que a educação brasileira cumpra com a missão de dotar cidadãs e cidadãos do ideal transformador, apto a conduzir eficazmente o Brasil no contexto de regeneração que de nós é reclamado em favor de um mundo mais equânime, harmonioso e feliz.

Que possamos, então, (re)ler e refletir (e agir) sobre os textos dos manifestos de 1932 e 1959.

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Atualizado em: Seg 27 Set 2021

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