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O VENDEDOR DE SONHOS

Maria Rosa e a mãe, dona Esmeralda, moravam naquela época na pensão de dona Leontina.
Ali permaneceram por quase um ano até a chegada de Antônio Lemos de Oliveira, o chefe da família. Antônio fora transferido para aquela localidade como gerente da recém-inaugurada da agência do Banco do Brasil.
A maior parte da clientela aquele tipo de hospedaria era de viajantes, pessoas que andavam de cidade em cidade vendendo toda sorte de mercadorias.
Entretanto, dona Leontina tinha alguns clientes fixos. Este era o caso de Rosa e sua mãe.
Mas por lá passavam todos os tipos de pessoas, vindas dos mais diversos lugares e, portanto, com muitas histórias para contar sobre suas muitas andanças.
Na noite do primeiro dia de sua estava naquela hospedaria, depois do jantar, as novas moradoras da pensão receberam um cortês convite de dona Leontina.
Como era de costume fazer com os novos hóspedes, a dona da pensão convidou mãe e filha para irem à sala de estar, onde seriam apresentadas a algumas pessoas.
Como costumava dizer a proprietária, algumas daquelas pessoas já eram gente da família.
O prédio da pensão era uma casa enorme de dois pavimentos.
Na parte superior ficavam os quartos e no primeiro pavimento ficavam a cozinha e duas salas enormes. Em uma delas ficava um rádio sobre uma mesa, junto a uma das janelas, além de três enormes poltronas de couro.  
Naquele ambiente em todas as noites se reunia a maioria dos hóspedes para ouvir as radionovelas e alguns programas musicais.
– Este é o senhor Márcio e sua esposa, a dona Marinalva – foi logo dizendo a dona da pensão, ao entrar na sala em companhia de Rosa e sua mãe. – Este casal já está conosco há algum tempo. E este outro senhor aqui é seu José Fortunato, um de nossos hóspedes mais assíduos. Está sempre por aqui quando passa por Piracicaba em suas viagens pelo interior do estado – completou dona Leontina.
– Sentem-se – disse José em tom cortês. – São servidas de um cafezinho?
– Acreditem, minha filha não gosta de café – comentou Esmeralda, meio constrangida.
– Mas temos também chá. Chá você aprecia? – indagou a esposa do senhor Márcio se dirigindo à menina.
– Chá eu adoro – sorriu Rosa.
– Belíssima filha a senhora tem, dona Esmeralda – comentou José com um sorriso amigável.
– Estávamos aqui falando sobre as nossas profissões – comentou Márcio. – enquanto servia a xícara de chá à Rosa. – Eu sou comerciante, minha esposa Marinalva é professora e o seu José é vendedor. E a senhora, dona Esmeralda?
– Eu, como diriam alguns, sou dona de casa. Mas meu marido é funcionário do Banco da Brasil – completou a mãe da menina Rosa, com uma ponta de orgulho pela profissão do esposo. 
– E o senhor, seu José, o que vende? – quis saber Esmeralda. – Sempre fui fascinada por esta sua profissão. Andar por aí, conhecendo gente dos mais diversos lugares deve ser muito bom. E acho que todos os vendedores são uns artistas. Nos convencem de cada coisa – brincou.
– Vendo muitas coisas, mas em especial algo que a senhora talvez jamais tenha comprado, minha senhora.
– E o que é? – indagou curiosa a mulher.
– Sonhos. 
– Sonhos?! Como é possível se vender algo desta natureza?
– Isto mesmo, minha cara. Vendo sonhos.
– E como é isso?
– A senhora me diz qual é seu sonho e eu o vendo para a senhora.
– O senhor é uma espécie de mágico? – perguntou intrigada a esposa do senhor Márcio.
– Em absoluto. Diga-me qual o seu sonho.
Forçando para conter o riso, a mulher voltou a perguntar:
– Qualquer um? Mas eu tenho vários sonhos.
– Qualquer um. Mas precisa ser apenas um.
– Seria melhor se que fosse como no caso da lâmpada mágica do Aladin. Lá são três – comentou a menina Rosa achando interessante o rumo que a conversa estava tomando.
– Aquilo lá é fantasia, Literatura, minha jovem – comentou José com um sorriso. – Aqui é coisa séria.
– Deixe-me ver então qual seria o meu sonho... – disse Rosa pensativa. – Uma bela casa.
– Este sonho o seu marido já está realizando.
– Como o senhor sabe disso?!
Fiquei sabendo que estão morando aqui enquanto seu marido já está construindo a casa de vocês.
– É verdade. Então sonharei outra coisa.
– Agora é tarde. Perdeu a vez – riu o José.
– E a senhora, dona Esmeralda? Qual é o seu sonho?
– Um bom futuro para minha filha.
– E o que é um bom futuro em sua opinião?
– Um bom emprego, um bom casamento. A felicidade...
– Três?! Assim não vale. Diga apenas um.
– A felicidade então.
– E em sua opinião, o que é a felicidade?
– Sei lá. É tão vasto isso.
– Estranhas estas coisas, não?
– O quê?
– Este sonho que temos sobre a felicidade, ora. É o que todos procuramos em todos os dias de nossas vidas. Mas já perceberam que ela nunca chega? E por que isto aconteceu com todos nós?
– Não estou bem certa – respondeu a mãe de Rosa, sem saber o que dizer.
– O problema é que a colocamos sempre a uma distância considerável de nós. Por este motivo não a temos jamais.
De repente o vendedor parou de falar por um instante. Estava pensativo. Todos os presentes se voltaram para ele.
– Estou entendendo.
Depois de alguns instantes de silêncio José disse em tom teatral:
“Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa, que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,

Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.”
– Que lindo isso, seu José – comentou Rosa. – De quem é este poema. É de sua autoria?
– Não, minha querida. É de um poeta santista chamado Vicente de Carvalho.
– Muito lindo mesmo – reafirmou Rosa.
– Mas voltando à nossa conversa, vejamos aqui o exemplo deste casal de amigos aqui. Durante muitos anos juntaram dinheiro para construírem esta nova casa onde irão morar. Não foi isto que aconteceu, senhor Márcio?
– Foi sim.
– E estão felizes por certo.
– Como nunca – confirmou Marinalva.
– Pois lhe digo uma coisa.
– O que é?
– Esta felicidade não vai durar muito – garantiu o vendedor.
– E por que não duraria?
– Simples. Quando a casa estiver pronta, seu sonho vai ser outro, e a felicidade vai estar, outra vez, mais um pouquinho adiante. A felicidade não é algo com a qual nos acostumamos nunca. Portanto é uma busca constante, um buscar eterno – concluiu José.
– Sábias palavras, meu amigo – comentou a esposa do comerciante.
– Por isso, dona Esmeralda, seu sonho é irrealizável – garantiu o vendedor.
– E você? – disse José se dirigindo a Rosa.
– Eu?!
– É. Qual o seu sonho?
– Não tenho muitos.
– Todos nós temos alguns. E você não é diferente. Diga qual o seu sonho e eu o realizarei.
– Voltar para a cidade de onde eu vim.
– Este é um sonho ou uma vontade?
– E qual a diferença? – procurou saber Rosa, achando aquela pergunta meio estranha.
– Imensa.
– E qual é então a diferença?
– Voltar para cidade de onde você veio é uma vontade, não um sonho. As vontades passam logo, já os sonhos são eternos na maioria das vezes. Desde, claro, que não se tornem realidade. Mas o que seria a realidade num caso destes? Ela, nada mais é que o fim de um sonho. Sonhamos com algo até que se torne realidade. A partir daí estipulamos outra meta e mais outra. E assim vamos levando a vida.
Houve um instante se silêncio entre todos os presentes à sala. 
– Esperando eternamente para sermos felizes – comentou Rosa de forma conclusiva.
– Exatamente, minha menina. O interessante é que muitas vezes somos felizes e nem nos damos conta disto. Muitos acreditam que a felicidade está longe, como diz o poema. Para muita gente ela está num bom emprego que nos traga muito dinheiro, em viagens pelo mundo...
– É mais isto ajuda na busca pela felicidade – comentou Marinalva.
– Será que ajuda mesmo, minha cara senhora? Com todo respeito que merece o senhor Márcio, os homens de negócio são bons exemplos disto que estou falando. Claro que há as exceções.
– Como assim? – indagou Marinalva já bastante curiosa.
– O que quer toda esta gente, os grandes homens de negócio? Com o eles que sonham? Onde está a felicidade para estas pessoas? Onde estão seus verdadeiros amigos, uma das coisas mais preciosas de nossas vidas? A maioria desta gente não tem amigos, tem parceiros, ou concorrentes. São bons pais, bons filhos, bons amigos, bons maridos? Muitas vezes não podem ser, porque simplesmente eles não têm tempo para isto. Precisam produzir mais, vender mais, precisam construir mais prédios, precisam ganhar mais dinheiro. E depois disto tudo, o dinheiro precisa ser investido para que renda mais dinheiro. Assim, o tempo vai indo e a felicidade não chega jamais. E onde ou em que eles encontrarão a felicidade? Na alta das ações na bolsa de valores, no fechamento positivo de um balanço contábil ao final de cada ano?  Bobagem. A felicidade está em momentos como este, quando estamos entre amigos, simplesmente conversando, ou quando encontramos pessoas novas com as quais nos simpatizamos, como o que está acontecendo neste momento.
Todos riram daquela observação, mas perceberam que existia um fundo de verdade em tudo que fora dito por aquele homem.
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Atualizado em: Ter 9 Jun 2020

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