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ANTINOO
A escavação persistia a dias, ele acreditava que havia algo importante naquele lugar, uma descoberta fascinante o aguardava. Diversos indícios o levaram a pesquisar aquela região. Vasos e vários afrescos foram encontrados denunciando que certamente haveria mais. O sol estava a pino e os homens soavam às bicas, porém alheios às queimaduras lançavam a areia, pedras e entulhos aos cantos, enquanto outros peneiravam e analisavam castigados pelo calor.Foram semanas demonstrando que todos deveriam desistir. Escorpiões já haviam picado algumas pessoas e o sol levava outros ao delírio. Christian, no entanto, intuía que não deveria parar. Outros membros da comitiva de pesquisadores buscava, utilizando todos os argumentos racionais, dissuadi-lo, porém sem êxito. Durante a noite acordava de sobressalto e visualizava que algo havia sido encontrado.
Embora seu coração apontasse para a continuidade do trabalho, todas as evidências eram desanimadoras. Já há tanto tempo debruçado sobre pergaminhos, papiros, tábuas de argila e outras inscrições para não se chegar a nada. Estava frustrado, mas relutava em tais pensamentos.
Sentou-se sobre uma enorme pedra e fitou o horizonte ao seu redor. Naquele momento deixou-se vencer e entendeu que deveria retornar à Universidade. Estava se levantando quando um dos escavadores o chamou eufórico. Haviam encontrado alguma coisa.
- Sentimos que a pá encontrou algo de metal e tilintou...comentou o homem curioso em saber o que havia enterrado no local.
Aos poucos uma estátua, em tamanho natural, maravilhosamente preservada ergueu-se diante do poente. Um homem de feições e corpo bem feitos. Todos o circundaram hipnotizados. Era realmente belo. Estava intacto! Encontrara o que buscava.
Christian obteve autorização para estudá-lo em sua própria casa. Passava horas admirando-o. As inscrições eram claras, tratava-se de Antinoo.
"Salve Antinoo, eu o exalto
Salvador do mundo
Imperador da Paz
Deus Homem
Todas as glórias a você, Libertador
A ti damos graças !"
Muitas vezes, durante a madrugada, parecia ouvir Antinoo chamá-lo. Levantava-se e se postava diante dele solenemente. Acendia incensos, ofertava flores e lhe sacrificava pombos brancos. Utilizou seus conhecimentos para buscar invocações, ladainhas, cânticos e orações a ele. Estava fascinado. Era como se devesse permanecer ali, em permanente adoração.
Somente foi despertado quando Cláudia, sua noiva, exigiu momentos de carinho e atenção. Esforçou-se de maneira sobre-humana para corresponder às expectativas da moça. Não via a hora de chegar em casa e ver Antínoo.
Essa atração foi percebida por Cláudia e naturalmente passou a perturbá-la, de maneira que ela insistia para que Christian dormisse na casa dela, que fizessem uma viagem no final de semana e criou uma série de outros artifícios para mantê-lo afastado do que ela entendia como obsessão pelo trabalho.
Logo, contudo, ele encontrava um meio de ir vê-lo. Esquecera umas roupas, precisava pegar um vídeo, um livro...e naqueles rápidos momentos parecia se reabastecer.
Estava absorvido por uma série de trabalhos e o culto a Antínoo, despreocupado da alimentação, que nem percebera o quanto havia emagrecido. Em um momento em que ia sacrificar uma pomba a aliança escorregou do dedo e lançou-se ao chão. Para que ela não fosse perdida ou se misturasse ao sangue da ave colocou-a no dedo anular do deus. Esqueceu-se. Encontrando a noiva, rapidamente foi questionado sobre a aliança.
Buscou explicar que a retirara do dedo e havia esquecido no criado-mudo. Cláudia, no entanto, quis checar. Após vasculhar o quarto e não encontrando deu-se início a violenta discussão, de maneira que não havia outra forma a não ser levá-la até a estátua, colocada no porão da casa.
Cláudia irritou-se indignada com o que via. Nervoso, Christian subiu ruidosamente as escadas, deixando a moça olhando com profundo ódio para Antínoo. Tocou a aliança e puxou-a, quando subitamente o deus fechou a mão impedindo-a. Assustada, mas ainda não tão consciente do que acontecia, foi atrás do noivo para prosseguir nos gritos, acusações e exigindo que se desfizesse daquilo e se afastasse do paganismo.
Entre lágrimas, abraços, desculpas e beijos se reconciliaram e deixaram-se mover pelo ardor da paixão.
Já era alta madrugada quando Christian acordou com um estrondo. Seus olhos recusavam-se a acreditar no que via.
No centro do quarto Antínoo mantinha Cláudia erguida, segurando-a pelo pescoço, enquanto a moça se debatia em seus últimos minutos de vida. O pânico tomara conta do arqueólogo.
Caminhando nos corredores do hospital psiquiátrico ninguém dá crédito a ele. Certamente havia surtado pelo excesso de trabalho, matara a noiva asfixiada e agora vivia recitando estranhos cânticos em língua desconhecida.